Polícia invade presídio e mata rebeldes

Vítimas são dois policiais, três detentos e um refém

Agência Folha 03/03/97 20h49
De Recife (PE)

Seis pessoas morreram e nove ficaram feridas em Recife durante tentativa de fuga com reféns no presídio Aníbal Bruno, o maior de Pernambuco. O conflito começou às 14h30 do domingo (2) e só terminou cerca de 14 horas depois, com a invasão do local por policiais militares da tropa de choque.

Quatro das vítimas -três detentos e um refém- foram mortas durante a operação. Dois policiais morreram antes da invasão, com tiros disparados pelos presos.

A rebelião aconteceu durante um dia de visita ao presídio. Quatro detentos dominaram o cabo da PM Gilmar Pereira da Silva, 35, roubaram o seu revólver e a sua pistola e o mataram com um tiro na cabeça. Em seguida, os presidiários tentaram fugir pelo portão principal, mas foram impedidos pela guarda. Um policial militar e 25 homens, mulheres e crianças que estavam próximos à entrada foram tomados como reféns.

Sob a mira de revólveres, todos foram levados a uma sala ao lado do portão. Alguns permaneceram de pé para servir de escudo aos amotinados. Outros foram obrigados a deitar no chão. A tropa de choque da PM isolou a área e iniciou o processo de retirada, pelo fundo do prédio, dos cerca de 2.500 visitantes que ainda estavam no presídio.

A negociação para a libertação dos reféns só começou às 17h. Os presos exigiam cinco metralhadoras, munição e um Monza para a fuga. A PM negou os pedidos. O impasse persistiu e, às 22h, houve uma nova tentativa de acordo, sem sucesso. Os presos rebelados mantiveram suas exigências e voltaram a ameaçar os reféns.

Durante a madrugada desta segunda, houve ainda mais três rodadas frustradas de negociação, uma delas envolvendo as mulheres de dois dos detentos, levadas ao presídio pela polícia para convencer os maridos a se entregar.

Às 3h30, os rebelados decidem matar o cabo José Carneiro da Silva, 43, com um tiro na cabeça. A morte serviu de estopim para que a PM invadisse o presídio.

A ação foi decidida numa reunião entre o comandante da PM, Antonio Menezes, o secretário de Justiça, Roberto Franca, o delegado de Polícia Civil Romero Leal e os promotores Gustavo Lima e Patrícia Fontes. "Eles mataram o principal refém que tinham e isso nos deu a certeza de que matariam outros também", disse o secretário de Justiça.

Em 20 minutos, atiradores de elite da Companhia de Operações Especiais posicionaram-se no teto da sala onde estavam os reféns. Logo depois, granadas de efeito moral foram lançadas para confundir e atordoar os presos.

Segundo a PM, os detentos José Amaro de Barros, 29, Alexandre Elias da Silva, 20, e Ricardo José França, 26, reagiram e foram mortos. O quarto preso, Hélio Bezerra de Vasconcelos, foi detido e autuado em flagrante pela Polícia Civil.

Oito visitantes ficaram feridos na operação, dois deles atingidos por estilhaços de granadas. Nenhum deles corre risco de vida. Um preso que não participou da rebelião, Josenildo Alves dos Santos, foi ferido no ombro.

Para o secretário, não houve excesso da polícia. "Do ponto de vista operacional, a ação foi bem sucedida, apesar de lamentarmos as mortes", declarou. "Tentamos a negociação até a exaustão." O Comando Geral da PM abriu inquérito para apurar a tentativa de fuga. O oficial José Ramos de Lima Filho, designado para o caso, terá 40 dias para concluir as investigações.

Refém aprova
ação da polícia

A auxiliar de enfermagem Sonia Lima, 36, tomada como refém durante a rebelião no presídio Aníbal Bruno, disse que a Polícia Militar não tinha outra opção para salvar os reféns, a não ser invadir a sala onde estavam com os presos rebelados.

Ela e as filhas, Carolina, 6, e Rafaela, 15, passaram com outros 23 reféns cerca de 14 horas sob a mira dos revólveres dos detentos. Ela conta que às 14h30 ouviu um tiro no pátio do presídio, onde visitava um amigo preso. Em seguida, disse que correu com as filhas em direção ao portão principal, onde foi dominada pelos presidiários.

A auxiliar de enfermagem afirmou que viu o cabo da Polícia Militar José Carneiro da Silva ser morto com um tiro de revólver "no ouvido", disparado, segundo ela, pelo preso Ricardo José de França, 26, que também morreu no local.

Parentes de vítima criticam
demora em ação da PM

Irmãos do cabo da Polícia Militar José Carneiro da Silva, morto durante a tentativa de fuga no presídio Aníbal Bruno, acham que ele poderia ser salvo, caso a PM agisse com mais rapidez no caso.

"Se a polícia não tivesse esperado tanto, ele poderia estar vivo", disse o digitador Antonio Carneiro da Silva, 46, irmão do policial. "A negociação foi muito longa", afirmou. "Não sei o que a PM esperava, pois já haviam matado um cabo e estavam espancando e ameaçando meu irmão", declarou.

Para a irmã da vítima, Maria José da Silva, 50, a polícia poderia "pelo menos" colocar o carro que os presos pediam, em frente ao presídio, "para melhorar o diálogo".

José Carneiro da Silva foi morto às 3h30 desta segunda, com um tiro na cabeça. Ele foi tomado como refém, junto com outras 25 pessoas, durante a tentativa de fuga. O policial, afirmam testemunhas, teve os pés e mãos amarrados e foi espancado pelos presos. Sua morte desencadeou a operação de resgate da PM.

Em consequência da invasão, três presos e o estudante Gleidson de Lima Santos, 19, morreram. Santos, que era refém dos detentos, teria sido esfaqueado pelos rebelados, segundo a PM. Seus parentes acreditam que uma granada atirada pela polícia o matou.

O IML (Instituto de Medicina Legal) não confirmou nenhuma das versões. De acordo com o diretor do órgão, William Amaral, o estudante levou dois tiros.

Parentes de Santos afirmam que estão dispostos a mover uma ação judicial, possivelmente contra o Estado, "para que os responsáveis paguem pelo que fizeram". "A polícia só invadiu o presídio porque não tinha gente importante lá", disse o motorista Iridalson Teodoro de Lima, 42, tio do estudante. "O que eles queriam mesmo é vingar a morte dos dois policiais."

O secretário de Justiça do Estado, Roberto Franca, disse que a polícia agiu no momento certo e que o governo vai aguardar o eventual processo da família do refém morto para depois se pronunciar sobre o assunto.

Mortes foram
provocadas por tiros

Os três presos mortos nesta segunda durante a invasão policial que acabou com a tentativa de fuga no presídio Aníbal Bruno eram considerados "perigosos" pela polícia.

José Amaro de Barros, 29, trabalhava como destilador e foi preso em 28 de abril de 1996, acusado de estupro. Alexandre Elias da Silva, 20, era pedreiro e aguardava julgamento por ter sido acusado de tráfico de drogas.

Considerado o mais violento dos três, o encanador Ricardo José de França, 26, foi conduzido pela polícia ao presídio em setembro de 1995, sob acusação de homicídio.

Segundo o IML (Instituto de Medicina Legal), os detentos, os dois policiais militares e o refém mortos no presídio foram todos atingidos por tiros. Um exame deverá determinar de quais armas partiram as balas.

Os cabos da PM Gilmar Pereira da Silva, 35, e José Carneiro da Silva, 43, baleados na cabeça, foram enterrados na tarde desta segunda, com honras militares.

Gilmar, o primeiro a ser morto, no início da tentativa de fuga, trabalhava há dez anos na corporação e era pai de dois filhos. José Carneiro tinha 21 anos de serviço na PM e era pai de três filhos. O irmão dele, Antonio Carneiro da Silva, disse que soube de sua morte pelo rádio.

O único refém civil morto na operação policial foi o estudante Gleidson de Lima Santos, 19. Ele cursava o primeiro ano de contabilidade e foi ao presídio com dois primos visitar um parente. Santos tinha três irmãs e era órfão de pai. (Fábio Guibu)