Rio começa o show das grandes escolas

Mangueira, Imperatriz e Salgueiro são favoritas no domingo

Agência Folha/AJB 08/02/97 21h48
Do Rio de Janeiro

Carnaval Neste domingo começa o maior espetáculo do carnaval brasileiro, o desfile das escolas de samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro. Oito escolas lutam pelo título a partir das 19h30, quando a Acadêmicos da Rocinha entrar na Passarela do Samba, na Marquês de Sapucaí, para exaltar os 25 anos da Disneyworld. Com orçamentos gordos e enredos criativos, as escolas prometem um desfile equilibrado. O desfile de domingo tem a fama de ser mais frio que o de segunda. No entanto, em 94 e 96 as campeãs saíram do primeiro dia. Em 1995, a Portela foi vice-campeã desfilando no domingo.

Disputando a hegemonia dos desfiles das escolas de samba com a Mocidade Independente de Padre Miguel nesta década, a Imperatriz Leopoldinense aposta no academicismo de sua carnavalesca Rosa Magalhães para empatar em número de títulos com sua maior rival. A Mocidade tem três títulos desde 1990 e a Imperatriz, dois. Ao todo ambas têm cinco títulos no carnaval, assim como a Beija-Flor.

Professora aposentada de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rosa diz que seu objetivo é apresentar um desfile que as pessoas entendam. "Tem que ser acessível para o povão." Segundo ela, "a pessoa que vai ao desfile pode não ter lido nenhuma entrevista, não ter visto nada sobre o Carnaval e, mesmo assim, tem que entender o desfile".

A Imperatriz vai contar a vida da cantora Chiquinha Gonzaga, que em 1899 compôs "Abre Alas", música que até hoje é tocada e dá nome ao enredo "Eu sou da lira, não posso negar...".

Chiquinha Gonzaga, nascida em 1847, separou-se do marido, que a mandou escolher entre a música e o casamento, e escandalizou a sociedade ao cantar no Palácio do Catete para o presidente Hermes da Fonseca. "O Rui Barbosa foi para o Senado criticar a Nair de Teffé (mulher de Hermes da Fonseca) por convidar a Chiquinha para cantar no palácio", conta Rosa. A atriz Rosamaria Murtinho vai representar Chiquinha Gonzaga no desfile.

Além de contar o enredo de forma clara e direta, a Imperatriz vai apresentar alegorias gigantes com muitos detalhes em prateado e dourado tanto nos carros quanto nas fantasias, ao estilo de Rosa.

Cinquentenário
e muita polêmica

O Império Serrano comemora este ano 50 anos de sua fundação com uma polêmica interna na escola. Membros da velha guarda queriam que o enredo fosse uma homenagem à própria escola, mas o tema escolhido foi "O Mundo dos Sonhos de Beto Carrero". O empresário João Batista Sérgio Murad, o Beto Carrero, contribuiu para o desfile cedendo equipamentos, em uma ajuda que ele calcula que tenha custado entre R$ 200 mil e R$ 300 mil.

A escola desfilará de luto. Um de seus fundadores e diretor de harmonia, Mestre Fuleiro, morreu na quinta-feira. A sambista Ivone Lara, da ala de compositores do Império Serrano, confirmou presença. Ela estava brigada com a diretoria.

A Acadêmicos da Rocinha abre o desfile em sua primeira participação no Grupo Especial com uma homenagem aos 25 anos da Disneyworld. Técnicos da empresa auxiliaram na confecção de efeitos especiais para os carros.

Mangueira faz
campanha pelo Rio 2004

A Mangueira, outro destaque da primeira noite de desfile, nega que seu enredo "O Olimpo é Verde e Rosa" seja propaganda da Rio 2004. No entanto, a escola recebeu R$ 320 mil do comitê organizador da candidatura do Rio de Janeiro aos Jogos Olímpicos.

O enredo faz uma analogia entre o monte Olimpo, onde viviam os deuses da mitologia grega, em cuja homenagem eram realizados os Jogos Olímpicos da antiguidade, e o morro da Mangueira, com os "deuses do samba" e a vila olímpica que abriga os projetos sociais da comunidade.

Os deuses do samba sairão no carro abre alas. São eles, entre outros, o ex-casal de mestre-sala e porta-bandeira Delegado e Mocinha e os compositores Carlos Cachaça e Nélson Sargento. Antigos ritmistas e ex-presidentes também estarão presentes.

As duas mulheres mais famosas da Mangueira, dona Neuma, filha de Saturnino Gonçalves, fundador da escola, e dona Zica, viúva do compositor Cartola, que escolheu o verde e rosa da escola, também estarão nesse carro. Jamelão, 86, um dos deuses do Olimpo verde e rosa, não sairá no carro. Ainda em atividade, ele cantará o samba de Chiquinho, Leque e Jorge Magalhães na avenida.

Segundo o carnavalesco Oswaldo Jardim, somente a escola poderia falar da Olimpíada sem parecer que faz propaganda da Rio 2004. "Nós temos aqui o nosso Olimpo, com a pista de competições no pé, como na Grécia antiga", justifica.

Rainha aparece
em quatro escolas

Neste primeiro dia de desfile, além da Imperatriz, outra representante da realeza terá uma superexposição. É d. Maria 1ª, a Louca, rainha de Portugal, que estará representada em quatro escolas.

D. Maria, 263, estará representada pela atriz Ângela Leal, na Porto da Pedra, e pelo transformista Lola Batalhão, na Grande Rio. Coroada rainha de Portugal em 1777, d. Maria 1ª enlouqueceu cerca de dez anos depois. Ela veio para o Brasil em 1806, quando a corte portuguesa se transferiu para o Rio temendo a invasão do país pelo imperador francês Napoleão.

Na Grande Rio, a rainha dá nome ao espectro de uma locomotiva e, no Salgueiro, última escola, será uma escultura no abre-alas. A rainha de Portugal estará bem à vontade na Porto da Pedra e no Salgueiro. As escolas foram responsáveis por criar polêmica, ao fazer enredos sobre a loucura.

A Porto da Pedra, que está junto às maiores escolas pela segunda vez, tem pretensões, este ano, de ficar entre as cinco melhores colocadas. E, segundo seu carnavalesco, Mauro Quintaes, vai trazer uma inovação: a teatralização nos carros alegóricos. "Cada carro terá atores representando esquetes sobre a loucura baseados em personagens como d. Quixote (André Valli) e Maria, a Louca", disse Quintaes.

O Salgueiro, que traz Carla Perez como destaque, aposta em carros luxuosos, para encerrar o dia com a arte-folia, como o carnavalesco Mário Borrielo define o desfile.

Um dos carros em que Borrielo mais aposta é o dos girassóis de Van Gogh, um dos "loucos".

O enredo do Salgueiro homenageia a psiquiatra Nise da Silveira, que criou o Museu do Inconsciente. O artista plástico Bispo do Rosário, que viveu grande parte de sua vida internado em um hospício, é um dos destaques do enredo.

A história do Jardim Botânico, fundado pelo filho de d. Maria, d. João 6º, é o motivo da participação da rainha no enredo da Unidos da Tijuca. O tataraneto de d. João 6º, d. Joãozinho de Orleans e Bragança, participará do desfile da escola.

Luta contra rebaixamento
também promete ser quente

Quando o abre-alas da estreante Rocinha estiver entrando na Marquês de Sapucaí, iniciando o desfile do Grupo Especial, as chamadas superescolas do Rio Janeiro estarão deflagrando uma guerra. Pela primeira vez na história, a luta pelo rebaixamento será tão importante quanto a briga pelo título. Com 16 agremiações na disputa, a primeira colocação aponta para as favoritas de sempre, mas as quatro que serão rebaixadas podem trazer muitas surpresas. Afinal, segundo os especialistas, as únicas escolas pequenas a pisarem na avenida são a Rocinha e a Santa Cruz. Todas as outras, incluindo a supreendente Porto da Pedra têm chance de ficar bem colocadas.

Com o novo critério de regulamento, no qual apenas 18 das 36 notas são aproveitadas (excluem-se as extremas, ou seja, a maior e a menor), e para um possível desempate só são consideradas as notas efetivamente válidas, os dirigentes das escolas de samba já esperam um múltiplo empate nas colocações de ponta. Há quem garanta que não será novidade se o resultado de 1980 -quando Imperatriz, Portela e Beija-Flor terminaram em primeiro lugar- se repetir, mas com outros nomes.

Apesar da vantagem natural que as agremiações com patrono têm, não se pode negar que a estrutura proporcionada pela Liga Independente das Escolas de Samba complicou a guerra. Mocidade (que desfila segunda-feira), Beija-Flor (idem), Imperatriz (7ª de domingo) e Mangueira (6ª deste domingo) aparecem como as escolas de maiores chances, mas não há como negar que Porto da Pedra e Império Serrano podem surpreender. A Portela tem o samba mais tocado nas rádios do Rio.

Lá atrás, a briga é mais perigosa. Pelo desfile do ano passado, Unidos da Tijuca e Viradouro trazem um mau retrospecto, mas prometem virar o jogo este ano. É tão difícil prever quem vai cair quando cravar quem vai vencer. Afinal, guerra é guerra.

A ordem do desfile de domingo é a seguinte: Rocinha, Unidos da Tijuca, Porto da Pedra, Império Serrano, Grande Rio, Mangueira, Imperatriz Leopoldinense e Salgueiro. Na segunda desfilam, pela ordem, Santa Cruz, Viradouro, União da Ilha do Governador, Estácio de Sá, Mocidade Independente de Padre Miguel, Portela, Beija-Flor de Nilópolis e Vila Isabel. Acompanhe toda a cobertura do desfile no Brasil Online.

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