Fiscal da CET morre em São Paulo

Funcionário é morto a tiros por motorista

Agência Folha 18/02/97 22h05
De São Paulo

O motorista e segurança Cícero Barbosa da Silva, 52, foi preso nesta terça-feira (18), acusado de matar a tiros o fiscal de trânsito da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) Vágner de Jesus Freitas, 30. O acusado disse que atirou porque o fiscal o ofendeu e ameaçou aplicar duas multas.

Alex Ribeiro/Folha Imagem
Fiscal
O fiscal da CET Vágner de Jesus Freitas
O crime aconteceu às 6h50, no sinal na esquina das avenidas Morumbi e Francisco Morato, no Butantã (zona oeste) de São Paulo. Silva disse estar arrependido, mas afirma que a atitude do fiscal não deu outra alternativa a ele. "Ele me desacatou de um jeito que é impossível não reagir", disse. Freitas foi morto com três tiros, um na cabeça e dois na coluna. Todos disparados pelas costas.

As multas que seriam aplicadas a Silva, uma por parar sobre a faixa de pedestres, e outra por estar sem o cinto de segurança, somam R$ 250,75, segundo a CET.

De acordo com Lucílio Joaquim dos Santos, 45, zelador de uma imobiliária em frente ao local do crime, Silva estava com seu carro, um Fiat Prêmio verde, sobre a faixa de pedestres, quando foi abordado pelo fiscal. Depois de conversarem, o fiscal teria virado para preencher a multa.

Nesse momento, o motorista desceu do carro e atirou no fiscal, que caiu. O motorista teria disparado outros dois tiros em Freitas, que já estava no chão.

O cabo da PM Otaviano Martins Ferreira, que atendeu a ocorrência, também disse que os tiros foram disparados pelas costas. Uma segunda testemunha, a estudante de enfermagem Selma Venancio dos Passos, 23, disse que Freitas levou o primeiro tiro pela frente e os outros dois pelas costas, ainda em pé. Ela estava em um ônibus que passava pelo local.

O primeiro contato de Silva com a polícia foi às 7h30, logo depois que ele chegou em casa, no Jardim Klein, Santo Amaro, (zona sul). Dois policiais militares chegaram ao local por meio do número da placa do carro, e bateram em sua porta.

O motorista atendeu aos PMs e disse que iria buscar os documentos do carro. Fechou o portão e desapareceu. Os policiais chamaram reforços, que chegaram a dar buscas na casa do motorista, sem sucesso.

Silva só foi preso às 16h, por policiais civis que interrogavam sua mulher, Marilucia, sobre seu paradeiro. Um dos policiais foi ao banheiro e viu que havia uma passagem para a laje, sob o telhado. Ali encontraram o motorista.

A delegada Martha Rocha de Castro, do 34º DP (Morumbi), prendeu o motorista em flagrante e deu uma busca pela casa, mas não encontrou nenhuma arma.

Segundo disse Silva aos policiais, ele fez os disparos com uma arma calibre 32. O revólver teria sido dispensado em um matagal na marginal Pinheiros, na altura da usina de Traição. A polícia fez uma busca no local mas não encontrou nada.

Motorista acusado critica
despreparo de fiscal

O motorista Cícero Barbosa da Silva, que atirou em um fiscal de trânsito, pediu nesta terça que a Prefeitura de São Paulo reveja a função de multar dada aos marronzinhos. Segundo ele, a atitude agressiva do fiscal Vágner de Jesus Freitas foi o que causou sua reação. "O marronzinho provoca o crime e a miséria. Gostaria que o prefeito acabasse com isso", afirmou.

Em meio às perguntas que faziam os repórteres, em uma sala do 34º Distrito Policial, Silva disse duas vezes que ficou nervoso porque o marronzinho o ofendeu. "Ele já chegou dizendo que eu era muito folgado. Eu falei a ele que nunca tinha sido multado, que passava por ali todos os dias e que trabalhava no Palácio (dos Bandeirantes). Aí ele disse que o pessoal do Palácio era muito folgado e que ia me multar por falta de cinto, também."

O motorista disse que anda armado porque já foi "atacado por bandidos na rua". "Trabalho 20h por dia, tenho vários empregos para sobreviver, estava cansado e com sono e vem um cara me dizer desaforos." Apesar disso, Silva disse estar arrependido do crime. "Estou arrependido, porque a gente não pode fazer essas coisas. Isso está errado."

Silva tem dois empregos. No momento do crime, ele tinha acabado de deixar o Palácio dos Bandeirantes, sede do governo estadual, onde é motorista da Secretaria de Governo e Gestões Estratégicas.

Durante o dia, presta serviços como segurança para uma empresa alemã cujo nome não foi divulgado. Apesar da profissão, Silva não tinha porte de arma, e tinha comprado de uma terceira pessoa o revólver com que atirou no fiscal.

Seu irmão, José Barbosa da Silva, diz que a família nunca temeu pela segurança do motorista pelo fato de ele andar armado. "Ele é calmo. Em todas as empresas que trabalha todo mundo diz isso." Para José, seu irmão estaria nervoso por problemas dentro de casa, com a família.

Silva é alagoano, de Arapiraca, e pai de três filhos. O mais novo, Leandro, de 15 anos, joga futebol pelo time dos Pequeninos do Jóquei e tinha viagem marcada para a Europa nas próximas semanas, onde disputaria um torneio internacional.

O filho do meio, de 25 anos, começou a ter problemas mentais desde os 17 e não trabalha ou estuda. "Quando o rapaz tem crises, ele fica junto, diz para o filho se acalmar", diz José, irmão do acusado. O filho mais velho, Claudenor, foi quem recebeu os policiais na casa do pai. Com lágrimas nos olhos, disse hoje que o pai "nunca tinha feito isso".

José diz que o irmão passou a andar armado depois que foi ameaçado de morte por um vizinho, com quem teve uma briga. "Hoje, o cara não carrega uma arma no carro por causa do trânsito, mas por causa da bandidagem", disse o irmão, que não carrega arma consigo.(Rodrigo Vergara)