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Guilherme de Pádua é condenado a 19 anos
Ator diz que julgamento era de 'cartas marcadas'
Agência Folha/AJB 26/01/97 19h32
Do Rio de Janeiro
Rosane Marinho/Folha Imagem
Juiz José Geraldo Antônio lê o veredicto do júri e dá a sentença contra Guilherme de Pádua
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Depois de 67 horas e 58 minutos de muita confusão, o
julgamento que mais atraiu a atenção pública dos últimos anos,
terminou na manhã deste sábado (25), no 1° Tribunal do Júri, no Rio. O ator Guilherme de
Pádua foi condenado pela morte da atriz Daniella Perez, por cinco votos a
dois. O juiz José Geraldo Antônio sentenciou Guilherme de Pádua a cumprir
pena de 19 anos de prisão.
O juiz, alegando incomunicabilidade,
não quis se manifestar depois do julgamento. Não por ironia,
mas porque está impedido de dar declarações, pois também vai presidir, em
abril, o julgamento da outra acusada, a ex-mulher de Guilherme, Paula Thomaz.
Eram 7h58, quando o juiz José Geraldo Antônio leu a sentença do
processo n° 4.330/93, do 2° Tribunal do Júri. "O réu Guilherme de Pádua
Tomás foi denunciado, pronunciado e libelado como incurso nas penas do
artigo 121 (homicídio), par. 2°, incisos I e IV do Código Penal, por ter no
dia 28 de dezembro de 1992, no período noturno, em local ermo existente na
Barra da Tijuca, nesta cidade, fazendo uso de instrumento pérfuro-cortante,
desferido golpes em Daniella Perez Gazolla, causando-lhe, em conseqüência, a
morte", discursou o magistrado, para adiante afirmar: "A conduta do réu
(Guilherme) exteriorizou uma personalidade violenta, perversa e covarde,
quando destruiu a vida de uma pessoa indefesa, sem nenhuma chance de escapar
ao ataque do seu algoz, pois, além da desvantagem na força física, o fato se
desenrolou em local onde jamais se ouviria o grito desesperador e agonizante
da vítima".
Ao fim da leitura, o público que lotava o plenário do 1° Tribunal do Júri
aplaudiu a sentença. A mãe de Daniella, Glória Perez, foi abraçada por
amigos. Guilherme de Pádua foi levado escoltado para o presídio Ari Franco,
em Água Santa, Zona Norte.
O julgamento teve como despedida uma
confusão. O repórter da Rede Globo, Edmílson Ávila e o cinegrafista
Sérgio Leite foram detidos por guardas judiciários, sob a acusação de
ter filmado a leitura da sentença com uma câmera escondida. Na véspera, o
"Jornal Nacional" havia exibido imagens do julgamento, contrariando
determinação do juiz. Os guardas tentaram tomar a fita do repórter e
houve tumulto. O cinegrafista da Rede CNT, Benjamin Reis foi ferido na
testa. Edmílson e Sérgio foram levados para a 1ª Delegacia Policial (Praça
Mauá).
Debate teve troca de acusações
Durante a madrugada, ocorreu um dos momentos mais aguardados do julgamento:
o debate entre defesa e acusação. Foi um confronto de dois estilos.
De um lado a tranqüilidade do promotor José Muiños Piñeiro e do advogado
Artur Lavigne, que representou a família de Daniella Perez; do outro a
eloqüência e agitação do advogado Paulo Ramalho. Foram sete horas e
50 minutos em que sobraram gestos teatrais, farpas e confusões.
Às 22h20, Piñeiro deu início à acusação lendo o libelo onde pedia
pena máxima ao réu por homicídio duplamente qualificado (premeditação
e motivo fútil). Baseado nas testemunhas, ele concluiu que Guilherme agrediu
Daniela antes de assassiná-la. "Os fatos são incontestes", afirmou.
O promotor dividiu seu tempo com o assistente de acusação Artur
Lavigne, que procurou analisar a personalidade do ator e pediu aos jurados
que não dessem muita importância à perícia. "Esqueçam perícia porque
há tantas versões que, olhando os laudos, nem eu cheguei a uma
conclusão", disse. "Esqueçam as testemunhas", rebateu Paulo Ramalho
num de seus vários apartes.
Quando Lavigne citou o depoimento de Joel Vieira, então subchefe de
Polícia Civil, e elogiou a ficha limpa do delegado, o advogado fez outra
intervenção: "O colega não deve estar bem informado porque
este policial está na lista do bicho". A ironia de Ramalho irritou um dos
amigos da família de Daniela, o ator Duda Ribeiro, que xingou o advogado.
Ele ouviu, retirou-se do plenário e ameaçou abandonar o julgamento. Duda foi
detido, conversou com o juiz José Geraldo Antônio, confessou o xingamento e
depois foi liberado.
Após um intervalo forçado pela confusão, os ânimos serenaram. Para
Artur Lavigne, Daniella foi envolvida involuntariamente numa trama com
ingredientes de ciúme doentio, inveja, sentimento de posse e até magia
negra. Ao final, ele elogiou Paulo Ramalho: "Quisera eu ter 10% da
combatividade e do brilhantismo do senhor".
O advogado de Guilherme de Pádua iniciou sua defesa, às 2h50, citando um
trecho do livro "Segredos Judaicos de Resoluções de Problemas", do
rabino Nilton Bonder. O texto conta a história de um preso durante a
inquisição que, na hora do julgamento, sabe que vai ser condenado.
Sempre de pé em frente à bancada dos jurados, Paulo Ramalho tentou
desqualificar, ponto por ponto, os argumentos da promotoria.
Primeiro, procurou mostrar que Daniella e Guilherme tiveram um relacionamento
afetivo. Depois, apontou contradições nos depoimentos do frentista Antônio
Clarete de Moraes e do diretor do Instituto Médico Legal (IML),
Abraão Lincoln de Oliveira, chamando-os de "frentista milagroso e
legista trapalhão".
Outra estratégia utilizada por Ramalho foi basear
sua defesa nos laudos periciais da época do crime. Utilizando uma boneca
para demonstrar sua tese, o advogado quis provar que Daniela não foi
nem espancada nem morta pelo acusado. "Não há dúvida: não foi
Guilherme quem desferiu os golpes, foi Paula", finalizou.
Guilherme achou pena injusta
O ator Guilherme de Pádua considerou injusta a sua
condenação a 19 anos de prisão. "Eu já esperava, mas
não acho que tenha havido justiça. As alegações de meu advogado foram
melhores que as da acusação. No entanto, ele não pôde colher
os louros porque o julgamento era de cartas marcadas", avaliou, na saída do
camburão que o levou de volta ao Presídio Ari Franco, em Água Santa
(Zona Suburbana).
Logo depois de fazer a breve declaração aos
repórteres, o assassino de Daniella Perez foi conduzido a sua cela, aos
empurrões, pelos cinco policiais que o acompanharam desde o Fórum.
Ao ouvir a sentença do juiz José Geraldo Antônio, Guilherme manteve durante
todo o tempo a cabeça baixa. Mesmo depois do pronunciamento do juiz, ninguém
sabia por qual porta sairia Guilherme; para confundir a imprensa e os
curiosos que aguardavam do lado de fora do tribunal havia carros no
portão principal e na lateral do prédio.
Finalmente, às 8h06, Guilherme saiu pela porta lateral do Tribunal de Alçada
Criminal, no Centro, embarcando na Veraneio placa LIS 9285, do Serviço de
Operações da Secretaria de Justiça. Três dos guardas que levaram Guilherme à
prisão carregavam fuzis. Por todo o trajeto o camburão foi
seguido por um Opala preto, da Guarda Judiciária.
Apertado na Veraneio, Guilherme voltou à escuridão de uma cela.
Algemado, foi trancado na caçamba do camburão. A parte traseira do
veículo é totalmente vedada e dividida em duas celas, cada uma com 1,5 metro
de altura por 1,5 metro de profundidade e 1 metro de largura. Em frente ao
banco há uma barra de ferro para o preso se apoiar.
Em apenas 14 minutos o veículo chegou à Água Santa e Guilherme foi
imediatamente conduzido à sua cela.
Veredito não encerra briga na Justiça
Apesar da sentença que condenou
Guilherme de Pádua a 19 anos de prisão, a batalha entre o promotor
Piñeiro Filho e o advogado Paulo Ramalho deverá ter novos
lances. Piñeiro quer manter o ator Guilherme de Pádua na cadeia,
enquanto o advogado pode buscar a reforma da sentença numa das três câmaras
criminais ou lutar para ir a novo júri.
O promotor, no entanto, vai aguardar
a reação de Ramalho para estudar a nova estratégia do Ministério
Público. Os papéis podem se inverter: Ramalho agora passa a ser atacante e
Piñeiro um zagueiro, preocupado em não deixar Guilherme sair da
prisão.
O promotor disse que o fato mais importante de todo o caso foi a
realização do júri, após quatro anos, com três adiamentos e vários
recursos em segundas instâncias e em tribunais superiores. "Vamos esperar a
iniciativa da defesa em relação à sentença. O júri atendeu a nossa
tese e vencemos em todos os quesitos (perguntas sobre o crime feitas aos
jurados)", disse Piñeiro, sendo abraçado por amigos e parentes após a
leitura da sentença que condenou Guilherme a 19 anos.
Na guerra dos quesitos respondidos pelos jurados, a promotoria venceu todos
os sete, apenas um por unanimidade dos votos: todos concordaram que as
lesões descritas nos laudos causaram a morte de Daniela. A maior
divisão ocorreu no quesito que avaliou as qualificadoras (agravantes)
do homicídio: quatro acharam que Guilherme matou Daniela por motivo torpe, e
três ficaram com a versão do acusado. Nas demais perguntas feitas aos
jurados, Piñeiro ganhou de Ramalho por 5 votos a 2.
A próxima batalha do caso - o júri de Paula Thomaz, ex-mulher de Guilherme -
deverá acontecer em abril, segundo Piñeiro. No entanto, Arthur Lavigne,
assistente de acusação, e Piñeiro alertam que será um julgamento
completamente diferente. Até porque as testemunhas, a participação e
o libelo acusatório (documento que define a acusação feita ao réu)
serão outros.
Piñeiro disse que não se perdeu quando Ramalho conseguiu vitórias
parciais, entre elas a retirada de documentos do processo, a inclusão
de um depoimento do perito Mauro Ricart e a impugnação da senadora
Benedita da Silva como testemunha de acusação: "Não ficamos
preocupados porque tínhamos um belo conjunto de provas técnicas e
testemunhas, enquanto o acusado nem conseguiu um depoimento a seu favor".
O assistente de acusação Arthur Lavigne lembrou que o juiz José
Geraldo Antonio aplicou a sentença justa após o veredito dos jurados. Como
lembrou Lavigne, caso Guilherme fosse condenado a 20 anos de prisão,
teria direito a novo júri, de acordo com o Código de Processo Penal. "Se
isso acontecesse, ningém saberia quando efetivamente a gente conseguiria
julgá-lo outra vez", frisou o advogado.
Após a exposição de Ramalho, Piñeiro não quis usar seu direito
de réplica porque achou suficiente sua explanação e as provas
técnicas que foram apresentadas ao júri. A estratégia causou impacto no
plenário porque Ramalho vinha tendo bom desempenho, ao explorar brechas nos
laudos e nos depoimentos dos frentistas do posto de gasolina que disseram
haver manchas de sangue no carro de Guilherme, na noite do crime.
Na segunda-feira, os promotores se reúnem para avaliar os desdobramentos do
caso. As atenções se voltaram para as decisões a serem tomadas
por Ramalho e pela família de Guilherme, que podem recorrer da sentença.:
Acusação
- Pode interpor recurso para impedir a mudança de regime fechado para o
semi-aberto.
- Mostrará que Guilherme, apesar do bom comportamento, é um homem perigoso e
deve continuar preso.
- Lembrará que o resultado foi em função da soberania do júri e
não da pressão da mídia.
Defesa
- Baseado na Lei de Execuções, pode pedir que passe do regime fechado para o
semi-aberto, pois Guilherme cumpriu um terço da pena
- Deve alegar bom comportamento, para que Guilherme trabalhe fora e durma na
prisão.
- Vai tentar mostrar que Guilherme foi vítima de um julgamento político
Guilherme pode ser solto em 1999
O ator Guilherme de Pádua, 27, quando completar preso um terço da pena, o condenado terá direito a requerer progressão do regime (liberdade antes do tempo previsto). Se a Justiça concordar,
Pádua será solto após cumprir seis anos e três meses da pena. Como está preso
há quatro anos e um mês, ele poderá ir para a rua em março de 1999. Acusado da
prática de homicídio duplamente qualificado da atriz Daniella Perez em dezembro
de 1992, por motivo torpe e sem dar à vítima condições de defesa, Pádua poderia
ter sido condenado de 12 a 30 anos de prisão.
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