Câmara de Ensino pede vagas extras

Proposta de cotas sociais em universidades gera polêmica

Agência Folha 26/03/97 20h25
De Brasília e de São Paulo

O presidente da Câmara de Ensino Superior do Conselho Nacional de Educação, Efrem de Aguiar Maranhão, é favorável à criação de cotas sociais nas universidades, desde que haja mais vagas. Para ele, não se pode diminuir a oferta de vagas no vestibular em função das cotas. "Quem presta o exame sai prejudicado", disse.

Na terça-feira, o ministro da Educação, Paulo Renato de Souza, defendeu que as universidades federais criem cotas socias. Segundo o ministro, elas deveriam reservar, por exemplo, 30% de suas vagas para alunos de determinadas regiões de seus Estados e/ou para estudantes de escolas públicas.

A Câmara de Ensino Superior, formada por 12 membros, vai avaliar a proposta de cotas feita pelo ministro da Educação, Paulo Renato Souza.

Maranhão, 44, já foi reitor da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e presidente do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras.

Folha de S.Paulo - Como o senhor vê a proposta de criação das cotas sociais nas universidades federais?
Maranhão - Essa é uma questão que sempre preocupou o conselho, mas que ainda não foi aprofundada. A Constituição garante direitos iguais para todos, a mesma oportunidade.

As cotas tiram isso. As universidades são instituições de mérito e não podem correr o risco de formar profissionais incompetentes. Não adianta ficar com pena porque alguns não tiveram oportunidade.
Por outro lado, entendo que devam ser criadas as oportunidades. O investimento deveria ser no sentido de melhorar o ensino de 1º e 2º graus, criando condições igualitárias. Como obrigação social, a reserva poderia ser feita em um adicional de vagas.
Por exemplo, uma universidade que ofereça 3.000 vagas passaria a oferecer 10% a mais, 300 vagas, em função das cotas. Assim, não prejudicaria aqueles que prestam o vestibular.

Folha de S.Paulo - Qual a sua posição com relação aos métodos de seleção para ingresso nas universidades?
Maranhão - O vestibular pode até mudar de nome, mas nunca vai acabar. Ele é necessário em cursos cuja demanda por vagas é maior que a oferta. O critério tem de ser o conhecimento.
Na Argentina, todo mundo que conclui o 2º grau se matricula automaticamente na universidade. O resultado é que grande parte não conclui os cursos, há muita reprovação e acaba se formando o mesmo número de profissionais do que antes ou até menos. Já no caso do ensino básico, onde todos partem do zero, o sorteio pode ser válido.

Folha de S.Paulo - O ensino médio já melhorou no Brasil? Os dados que apontam um crescimento das matrículas no 2º grau são um indicador de melhoria?
Maranhão - Estamos começando a ter uma transformação, a ver sinais de melhoria. Isso faz com que seja necessária uma política de expansão de vagas nas universidades, seja nas públicas ou nas privadas. Com isso, vem a preocupação com a qualidade do ensino.
Defendo que sejam feitas avaliações como o provão, mas também outras, preventivas, para evitar que o aluno frequente um mau curso. Depois de formado, o profissional também deveria ser avaliado regularmente, a cada cinco ou dez anos, por exemplo.

Solução é melhorar 1º
e 2º graus, dizem reitores

Os reitores de universidades públicas de São Paulo ouvidos pela reportagem da Folha de S.Paulo acreditam que o estabelecimento de cotas sociais não resolve a dificuldade de acesso dos estudantes de escolas públicas ao ensino universitário.

"O problema é melhorar o ensino de 2º grau para que essas pessoas passem a ter -em igualdade de condições e sem paternalismo- acesso à universidade", afirmou José Martins Filho, 53, reitor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

Para o reitor da Unesp (Universidade Estadual Paulista), Antonio Manoel dos Santos Silva, 53, tem opinião semelhante. "A única forma (de resolver o problema) é a melhoria do ensino de 1º e 2º grau para que eles tenham condição de competir com os que têm melhores condições de ensino", disse.

O reitor da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), José Rubens Rebelatto, 41, afirmou que essa é uma tentativa que não vai resolver o problema. "Estudar formas mais justas de acesso é uma obrigação constante, mas a realidade é que não temos o número suficiente de vagas para todos os pretendentes", afirmou.

O reitor da UFC (Universidade Federal do Ceará), Roberto Cláudio Bezerra, disse hoje que concorda que o chamado "Provão" do ensino médio seja usado como critério de acesso às universidades, desde que sua aplicação seja "universal e gratuita".

Bezerra disse que o Provão tem o potencial de direcionar "as energias" dos colégios para melhorarem o ensino, em vez de se preocuparem apenas com o vestibular, "como acontece atualmente".

O reitor da UFC é contra a criação de cotas sociais nas universidades. Ele disse que "as cotas vão legitimar o fracasso da escola pública".

Segundo Bezerra, a experiência da criação cotas para filhos de agricultores nos cursos de agronomia, na década de 70, foi um completo fracasso.

A UNE (União Nacional dos Estudantes) historicamente defende a reserva de cotas nas universidades públicas para estudantes provenientes da escola pública. Segundo o presidente da entidade, Orlando Silva Júnior, hoje esse assunto está sendo novamente debatido pelo movimento estudantil.

No final de maio o assunto será discutido no congresso da UNE. Uma das correntes do movimento estudantil defende o livre ingresso às universidades públicas. "É uma forma de rediscutir o problema das vagas", disse Silva Júnior.

Pró-reitor do RS
pede cautela com cotas

O pró-reitor de graduação da UFPel (Universidade Federal de Pelotas), João Carlos Piccoli, disse hoje que medidas semelhantes às estudadas pelo Ministério da Educação quanto às cotas sociais e modificações nos critérios do vestibular já estão sendo analisadas "com muita cautela" pela reitoria.

"Eu peço que o Ministério da Educação tome cuidado, levando em consideração diferenças entre ensino público e privado. Há variáveis muito sérias, principalmente quando se leva em consideração os supletivos", afirmou.

Piccoli disse que ainda não houve uma divulgação dos resultados dos estudos feitos em Pelotas (255 km ao sul de Porto Alegre) porque "o assunto requer cuidados especiais, sob pena de ocorrerem graves injustiças".

A reitora da UFPel, Inguelore de Souza, abordou o assunto em reunião realizada ontem com o ministro Paulo Renato Souza, em Brasília.

Por enquanto, a universidade tem se limitado a permitir que vestibulandos carentes sejam isentados da taxa de R$ 50 para a realização das provas depois de uma entrevista com uma psicóloga e uma assistente social. Dos 7.500 vestibulandos aprovados em 1997, 300 foram considerados carentes.

Outra inovação já colocada em prática é a permissão para que estudantes da universidade dêem aulas gratuitas para alunos sem condições financeiras em um curso pré-vestibular organizado por eles.

Na UFSM (Universidade Federal de Santa Maria), foi colocado em prática, desde 1995, o Programa Experimental de Ingresso ao Curso Superior. Por esse sistema, 20% das vagas são preenchidas por alunos de acordo com suas médias escolares.

Os primeiros resultados serão avaliados no vestibular do verão de 1998, quando o desempenho dos alunos em todo o 2º grau poderá ser analisado.

A inscrição dos alunos foi espontânea e não impedirá a participação no vestibular, caso a média não seja suficiente para a aprovação dentro da cota dos 20%.

O reitor da UFSM, Odilon do Canto, presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior, disse, quanto às cotas sociais, temer que aconteçam discriminações. "O importante é que as minorias segregradas tenham acesso à educação básica", disse ele.