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Deficiente visual anda com cão guia no metrô de SP pela 1ª vez

24/05/2000 19h40
FABIANE LEITE
repórter da Folha Online

A advogada Thays Martinez, 26, deficiente visual, foi a primeira pessoa a conseguir andar no metrô de São Paulo com a ajuda de um cão guia, segundo seus advogados, apesar de existir uma lei municipal desde 1997 garantindo este direito a pessoas que não enxergam.

Thays precisou de uma ordem judicial para poder entrar no metrô com o labrador Boris, de um ano e meio, treinado nos Estados Unidos e doado a ela por uma escola de cães guia de Santa Catarina.

O metrô havia vetado a entrada de Thays com o cão em suas instalações alegando que seu regulamento interno não permite a presença de animais nas estações.

Boris veio dos EUA há dez dias. Tahys também ficou no país participando do treinamento do cão. Desde a chegada ao Brasil, Thays não consegue circular no metrô.

Thays, que é oficial de promotoria no Grupo de Atuação Especial de Proteção às Pessoas Portadoras de Deficiência do Ministério Público Estadual, recebeu a orientação para procurar um advogado e entrar com uma ação contra o metrô.

Na sexta-feira , o advogado de Thays, Marcial Casabona, entrou com a ação. Na tarde de terça-feira (23), o juiz José Roberto de Godoy, da 3ª Vara da Fazenda Pública da capital, concedeu tutela antecipada ao pedido do advogado, obrigando o metrô a permitir a entrada do cão.

Thays, no entanto, foi impedida mais uma vez de entrar no metrô, com o cachorro. O labrador, segundo os advogados de Thays, tem todos os documentos exigidos pela lei, que atestam seu treinamento, entre outras exigências.

Casabona informou o juiz sobre o descumprimento da ordem judicial e solicitou uma medida urgente e enérgica contra o metrô.

Na tarde desta quarta-feira (23), a diretoria do Metrô foi oficiada pela Justiça a respeito da decisão. Em seu despacho, o juiz informou que a companhia poderia responder por crime de desobediência e de responsabilidade caso não cumprisse a ordem.

O advogado da companhia, Célio Barros Gomes, informou que o Metrô decidiu cumprir a decisão judicial e que não tem notícia de que o órgão vá recorrer.

A advogada conseguiu no fim da tarde entrar na estação Marechal Deodoro, na região central, com o cão, mas mesmo assim foi acompanhada por dois seguranças do metrô.

Casabona explicou ao chefe de segurança Davi José de Sousa que Thays tinha o direito de circular sem ser acompanhada. “A nossa proposta é acompanhá-la”, insistiu Sousa.

A discussão continuou e Sousa afirmou que a advogada teria garantido seu direito de ir e vir. No entanto, os seguranças continuaram observando o cão e a advogada durante todo seu trajeto. “É para evitar problemas ao longo da linha”, disse Sousa.

O chefe de segurança afirma que já houve casos de cães da Polícia Militar que entraram no metrô terem ficado com as garras presas nas escadas rolantes. Ele citou este como um dos motivos para a companhia vetar a circulação dos animais.

“Foi uma vitória, mas é lamentável todo este desgaste, especialmente do cão. Estou muito feliz. Mas quero dizer que isto não foi uma exceção. A lei me garante e também uma decisão judicial, mas infelizmente o Metrô teve postura soberana aos três poderes”, afirmou Thays, após passar pela catraca da estação Marechal Deodoro.

Thays, que mora na Lapa (zona oeste de São Paulo), utiliza um ônibus e o metrô para ir ao trabalho diariamente, na rua Líbero Badaró, região central da cidade. Ela desce do ônibus na frente da estação Marechal Deodoro e dali segue de metrô até a estação Sé, onde faz baldeação até o largo São Bento. Deste ponto, ela segue andando até a Libero Badaró, onde trabalha.

“Se tive forças para estes dez dias neste tumulto, foi pensando em facilitar as coisas para todos os usuários de cães guia”, afirmou Thays.

O treinador do cão, Moisés dos Santos Júnior, 35, que está adaptando Boris aos hábitos de Thays, disse que a demora para a liberação do cachorro no metrô atrapalhou o treinamento. “Isto (a vinda ao metrô) era para ser rotina. Mas ele até agora não sabe porque vem.”

Santos Júnior trabalha para a escola Santa Catarina, de cães guia, em Florianópolis (SC). A entidade tem convênio com órgão norte-americano que realiza o treinamento de cachorros para cegos, a Dog Leader for the Blind. Anualmente, oito cães são doados pelo órgão dos EUA.

“Se o cachorro for limpo, não vejo problema de ele andar no metrô”, afirmou a auxiliar de limpeza Arlinda Nascimento, 57, usuária do metrô.

“Acho que se for inofensivo e para o auxílio dela, é uma boa”, disse Elton de Freitas Pereira, 20, auxiliar administrativo. “Pode ser perigoso para a pessoa que anda com o cachorro”, afirmou a auxiliar de escritório Maria das Dores, 26.

O cão não latiu ou se moveu dentro do vagão do metrô durante seu primeiro passeio.

A assessoria de imprensa do metrô prometeu fornecer ainda hoje maiores explicações sobre o veto à circulação de Thays com o cão guia em suas instalações.

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