Um general severo e inflexível
"Alemão"
era reconhecido pela hontestidade e responsabilidade,
mas também pela falta de afetividade
AJB 12/9/96 15h40
Do Rio de Janeiro
Ernesto Geisel foi o 23°
presidente da República e o único brasileiro de
primeira geração a chegar ao mandato supremo - que
exerceu de 15 de março de 1974 a 15 de março de
1979. Chamavam-no "o Alemão", por
causa de sua ascendência e, também, pelo corte
prussiano de general severo e inflexível. Todos
reconheciam nele a honestidade, a extrema entrega
ao trabalho e o profundo senso de
responsabilidade. Na contrapartida dessa
notoriedade, não conseguia, porém, esconder o
perfil de personalidade autoritária e o escasso
grau de afetividade.
O jornalista
Carlos Castello Branco o definiu, em sua acatada coluna,
no dia em que ele deixou o governo:
"Dir-se-ia que, sem juízo definitivo de sua
obra, o povo o admira e respeita, mas não o
estima - é o drama dos homens que pensam situar
na impessoalidade da ação a grandeza de sua
tarefa".
Nascido em 3 de
agosto de 1908, em Bento Gonçalves (RS), onde
seu pai, Augusto Guilherme Geisel, vindo da
Baviera, acabou professor, escrivão e juiz de
paz, Ernesto Geisel teve dois irmãos, generais
como ele, Orlando e Henrique, também já falecidos.
Comentário atribuído a seu antecessor no
governo, o general Garrastazu Médici, informava
que os irmãos Geisel prepararam-se a vida
inteira para chegar à Presidência. Ernesto, aquele
que afinal chegou, já em 1931 envolvia-se com a
política, como secretário de Estado no Rio
Grande do Norte, recém-promovido a
primeiro-tenente depois de anos a fio como primeiro
aluno da turma no Colégio Militar de Porto
Alegre e na Escola Militar do Realengo, no Rio.
Ainda nos anos 30
foi secretário da Fazenda e de Obras Públicas,
na Paraíba. Na década de 50, exerceu a
subchefia do Gabinete Militar do presidente Café
Filho. Em seguida, foi superintendente geral da
Refinaria Presidente Bernardes, em Cubatão (SP),
e representante do Ministério da Guerra no Conselho
Nacional de Petróleo.
Já portava
credenciais de grande conhecedor dos assuntos petroleiros
quando assumiu a presidência da Petrobrás em 1969,
depois de haver sido chefe do Gabinete Militar do presidente
Castello Branco e de aposentar-se como ministro
do Superior Tribunal Militar. Geisel deu nova
feição à empresa, ao ampliar sua ação para
muito além das atividades de prospecção, produção
e refino. Neste último setor, a Petrobrás
passou da insuficiência ao superávit.
Novos campos foram
descobertos, novas refinarias construídas (entre
elas a de Paulínia-SP, ainda a maior do país), desenvolveu-se
a petroquímica e o logotipo da Petrobrás ganhou o
mundo, com a subsidiária Braspetro a perfurar
poços em países ricos em óleo. Geisel
considerava o "monopólio legal atribuído
à Petrobrás" um meio de ação para
assegurar ao país o abastecimento de petróleo,
mas opôs-se a tentativas de estendê-lo à
distribuição de derivados e à petroquímica.
Da Petrobrás
chegou à Presidência, num momento em que as violações
das liberdades públicas e dos direitos humanos atingiam
um estágio jamais alcançado no país. O
Congresso permitido de então elegeu Ernesto
Geisel, para um mandato de cinco anos, com 400
votos, contra 76 dados ao
"anticandidato" oposicionista, Ulysses
Guimarães, e 21 abstenções. O aparente sucesso
econômico do governo Médici, a quem Geisel
sucedia, levou o novo governo a traçar uma
estratégia que contemplava a manutenção das
taxas de crescimento e uma paulatina abertura política.
Havia uma
avaliação otimista do legado recebido do
governo mais duro dos chamados anos de chumbo.
Mas o "milagre brasileiro" já perdia
consistência, constatava-se uma certa inflação
reprimida e a crise internacional do petróleo,
que teria efeitos internos devastadores,
começava a deflagrar-se.
A política
econômica do governo teve assim de considerar também
a diminuição da dependência de fontes externas
de energia, ao lado dos projetos de
desenvolvimento das indústrias básicas e do
setor de comunicações. Nos quadros da luta pela autonomia
energética inscreveram-se medidas polêmicas,
como os contratos de risco firmados com empresas
multinacionais para a tentativa de descobrir
novos campos petrolíferos e a assinatura de
acordos com a Alemanha para a construção de usinas
nucleares.
Iniciativas
ambiciosas, ambas resultaram frustradas. Os
projetos desenvolvimentistas foram tocados sob
hegemonia da ação estatal, com a área privada,
em primeiro lugar a nacional, no papel de
fornecedora de equipamentos e matérias-primas. Estimulava-se
o aporte de capitais estrangeiros, mas não nas áreas
de infra-estrutura. Carlos Castello Branco
recordaria, ao final do qüinqüenio: "Na
expectativa de vencer a conjuntura, adotou-se
política flexível mediante a qual se tentou
manter um nível de desenvolvimento que
assegurasse a criação de empregos, evitando-se
a recessão, enquanto medidas específicas muito
tímidas foram tomadas em relação ao petróleo".
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