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E S P E C I A L
Ernesto Geisel
1908-1996

 

Um general severo e inflexível

"Alemão" era reconhecido pela hontestidade e responsabilidade, mas também pela falta de afetividade

AJB 12/9/96 15h40
Do Rio de Janeiro

Ernesto Geisel foi o 23° presidente da República e o único brasileiro de primeira geração a chegar ao mandato supremo - que exerceu de 15 de março de 1974 a 15 de março de 1979. Chamavam-no "o Alemão", por causa de sua ascendência e, também, pelo corte prussiano de general severo e inflexível. Todos reconheciam nele a honestidade, a extrema entrega ao trabalho e o profundo senso de responsabilidade. Na contrapartida dessa notoriedade, não conseguia, porém, esconder o perfil de personalidade autoritária e o escasso grau de afetividade.

O jornalista Carlos Castello Branco o definiu, em sua acatada coluna, no dia em que ele deixou o governo: "Dir-se-ia que, sem juízo definitivo de sua obra, o povo o admira e respeita, mas não o estima - é o drama dos homens que pensam situar na impessoalidade da ação a grandeza de sua tarefa".

Nascido em 3 de agosto de 1908, em Bento Gonçalves (RS), onde seu pai, Augusto Guilherme Geisel, vindo da Baviera, acabou professor, escrivão e juiz de paz, Ernesto Geisel teve dois irmãos, generais como ele, Orlando e Henrique, também já falecidos. Comentário atribuído a seu antecessor no governo, o general Garrastazu Médici, informava que os irmãos Geisel prepararam-se a vida inteira para chegar à Presidência. Ernesto, aquele que afinal chegou, já em 1931 envolvia-se com a política, como secretário de Estado no Rio Grande do Norte, recém-promovido a primeiro-tenente depois de anos a fio como primeiro aluno da turma no Colégio Militar de Porto Alegre e na Escola Militar do Realengo, no Rio.

Ainda nos anos 30 foi secretário da Fazenda e de Obras Públicas, na Paraíba. Na década de 50, exerceu a subchefia do Gabinete Militar do presidente Café Filho. Em seguida, foi superintendente geral da Refinaria Presidente Bernardes, em Cubatão (SP), e representante do Ministério da Guerra no Conselho Nacional de Petróleo.

Já portava credenciais de grande conhecedor dos assuntos petroleiros quando assumiu a presidência da Petrobrás em 1969, depois de haver sido chefe do Gabinete Militar do presidente Castello Branco e de aposentar-se como ministro do Superior Tribunal Militar. Geisel deu nova feição à empresa, ao ampliar sua ação para muito além das atividades de prospecção, produção e refino. Neste último setor, a Petrobrás passou da insuficiência ao superávit.

Novos campos foram descobertos, novas refinarias construídas (entre elas a de Paulínia-SP, ainda a maior do país), desenvolveu-se a petroquímica e o logotipo da Petrobrás ganhou o mundo, com a subsidiária Braspetro a perfurar poços em países ricos em óleo. Geisel considerava o "monopólio legal atribuído à Petrobrás" um meio de ação para assegurar ao país o abastecimento de petróleo, mas opôs-se a tentativas de estendê-lo à distribuição de derivados e à petroquímica.

Da Petrobrás chegou à Presidência, num momento em que as violações das liberdades públicas e dos direitos humanos atingiam um estágio jamais alcançado no país. O Congresso permitido de então elegeu Ernesto Geisel, para um mandato de cinco anos, com 400 votos, contra 76 dados ao "anticandidato" oposicionista, Ulysses Guimarães, e 21 abstenções. O aparente sucesso econômico do governo Médici, a quem Geisel sucedia, levou o novo governo a traçar uma estratégia que contemplava a manutenção das taxas de crescimento e uma paulatina abertura política.

Havia uma avaliação otimista do legado recebido do governo mais duro dos chamados anos de chumbo. Mas o "milagre brasileiro" já perdia consistência, constatava-se uma certa inflação reprimida e a crise internacional do petróleo, que teria efeitos internos devastadores, começava a deflagrar-se.

A política econômica do governo teve assim de considerar também a diminuição da dependência de fontes externas de energia, ao lado dos projetos de desenvolvimento das indústrias básicas e do setor de comunicações. Nos quadros da luta pela autonomia energética inscreveram-se medidas polêmicas, como os contratos de risco firmados com empresas multinacionais para a tentativa de descobrir novos campos petrolíferos e a assinatura de acordos com a Alemanha para a construção de usinas nucleares.

Iniciativas ambiciosas, ambas resultaram frustradas. Os projetos desenvolvimentistas foram tocados sob hegemonia da ação estatal, com a área privada, em primeiro lugar a nacional, no papel de fornecedora de equipamentos e matérias-primas. Estimulava-se o aporte de capitais estrangeiros, mas não nas áreas de infra-estrutura. Carlos Castello Branco recordaria, ao final do qüinqüenio: "Na expectativa de vencer a conjuntura, adotou-se política flexível mediante a qual se tentou manter um nível de desenvolvimento que assegurasse a criação de empregos, evitando-se a recessão, enquanto medidas específicas muito tímidas foram tomadas em relação ao petróleo".