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A CHEGADA DO INIMIGO DO CAFÉ
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Publicado
na Folha da Manhã, domingo, 5 de janeiro de 1930
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Neste texto foi mantida a grafia original
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A imprensa democratica virá hoje furibunda contra o governo
por ter permitido que chovesse... Ás poucas gotas d'agua que
cahiram atribuirão elles a frieza com que a nossa capital recebeu
hontem o sr. Getulio Vargas, candidato de quatro gatos pingados á
presidencia da Republica. E, mais uma vez, faltarão á
verdade. Os democraticos sabem que todas as tardes, nesta época,
cae rapido aguaceiro. A isso estamos habituados, e, porque estamos,
raro é o cidadão que deixa em casa o impermeavel ou
o guarda-chuva. Eis, porque, intencionalmente, deliberaram fazer viajar
de dia o sr. Getulio e forçal-o a chegar depois das dezoito
horas. Assim, poderiam attribuir ao tempo a ausencia de enthusiasmo,
pois quem gritou e applaudiu foram apenas os promotores da
passeata. A desculpa, entretanto, não pegará. São
Paulo em peso sabe, por ter visto, que o centro da cidade, como o
Braz, apresentava, hontem, o mesmo movimento de todos os sabbados,
dia da semana em que o transito de pedestres é sempre mais
intenso.
Faltariamos, porém, á verdade se negassemos que na estação
do Norte e no largo fronteiro, assim como pelas ruas por onde passou
o cortejo democratico se encontravam muitas pessoas que não
pertencem ao agrupamento político hoje chefiado pelo sr. Antonio
Carlos, inimigo rancoroso de S. Paulo. Essa presença, entretanto,
explica-se. Tambem nós, que não somos filiados a nenhum
dos partidos em lucta, comparecemos ao desembarque do politico gaucho.
Não comparecemos para levar-lhe o nosso applauso nem com o
intuito de augmentar o numero de admiradores das suas qualidades negativas.
Fomos, como foram todos os que nenhuma ligação
têm com o alliancismo manchado de sangue ou com a democracia
de escabeche movidos pelo instincto da curiosidade. Desejavamos,
como os demais desejaram, ver de perto a figura do autor da celebre
carta de 10 de Maio dirigida ao sr. presidente Washington Luis. Nesse
documento, engulido dois mezes mais tarde, o sr. Getulio Vargas, sem
que fosse solicitado, dizia, referindo-se ao problema successorio,
que o eminente chefe da nação poderia contar com o apoio
decidido do P. R. R. e com o seu proprio. O Rio Grande não
tinha aspirações e o sr. Getulio nada ambicionava. Ao
passo, porém, que assim escrevia, os seus agentes manobravam
ás occultas para, de accôrdo com o sr. Antonio Carlos,
decorridos sessenta dias, lançar, contra a vontade de dezesete
Estados, que a repudiaram, a sua candidatura. A divulgação
do triste documento, revelador da insinceridade e da felonia do presidente
de um grande Estado, chocou profundamente o Brasil. De extremo a extremo
do Paiz os homens de bem, os homens que não estão acostumados
a fugir aos compromissos assumidos, não puderam conter a sua
repulsa. O sr. Getulio appareceu como a nota dissonante no concerto
da lealdade nacional. E todos queriam conhecer de perto essa personalidade
rara. Dahi, a presença da gente a que alludimos e que para
vel-o não se importou com a chuva. Mas, não interessava
apenas o epistolographo. Interessava tambem o autor da lamentavel
chatafórma, no outro dia lida ao ar livre. O escriptor fracassado
desse documento vasio, sem idéas, sem estylo e sem concatenação
tambem merecia ser visto. Era indispensavel que um punhado de paulistas
deitasse o olhar sobre o plagiador incapaz, sobre o candidato de mentalidade
chula que, sem preambulos, traçou o programma da ruina da lavoura
de São Paulo, sobre o candidato infeliz que esboçou
o plano de ataque contra o café, plano que prometteu executar
se a inconsciencia o elevasse ás culminancias do Poder. Desconhecendo
o trabalho cyclopico dos nossos fazendeiros, desconhecendo o vulto
dos capitaes que investiram na terra, desconhecendo a nossa vida,
as nossas possibilidades e as necessidades, desconhecendo isso
tudo, o sr. Getulio Vargas, ôco como uma bola de celluloide,
sem preparo nem autoridade para falar em café, pois em materia
de producção não logra transpôr as fronteiras
do mate e do churrasco, cavalgou a carta ha nove annos escripta pelo
conselheiro Antonio Prado ao sr. Nilo Peçanha, endossando-a.
Estribando-se nas idéas já fossilissadas dessa carta
morta, o impagavel sr. Getulio entende que para salvar o café
defendido e amparado pelo governo paulista e pelas organisações
por elle creadas ou remodeladas devemos cogitar do seu barateamento.
Se a isso se limitasse está claro que se poderia ainda conversar
com a sua profunda ignorancia no assumpto. O idolo dos democraticos
de S. Paulo, porém, foi mais longe. Quer baratear até
descer aos preços vis, aos preços que importariam na
desmoralisação do producto e na ruina da lavoura. O
ridiculo sr. Getulio Vargas deseja o café vendido a 10$ e 15$
por arroba. A sacca da rubiacea não deve ultrapassar os sessenta
mil réis. Não é phantasia nossa. Está
escripto na colcha de retalhos a que deu o nome indevido de platafórma.
Dirão as folhas democraticas que não nos devemos impressionar
com isso, pois o sr. Getulio não é homem capaz de cumprir
o que promette, verbalmente ou por escripto. Mas, á observação
responde-se com outra. Se o sr. Getulio, como os seus partidarios
reconhecem, fugiu indecorosamente ao compromisso tomado na carta de
10 de Maio, no tocante ao café não deixaria de observar
a chatafórma porque a riqueza e a prosperidade de S. Paulo
são o seu constante pesadelo. E tanto são que com a
sua presença em terra paulista veiu emprestar solidariedade
á campanha movida ao café pelos democraticos, seus adeptos.
Está pois explicada a presença dos curiosos que, não
pertencendo ao partido do sr. dr. Paulo de Moraes Barros, compareceram
á estação do Norte ou assistiram accidentalmente
á sua pasagem pelas ruas do centro. Elles estavam empenhados
em lobrigar a figurasinha inexpressiva do celebrado epistolographo
e apaixonado inimigo do café.
Não acredite, pois, o sr. Getulio Vargas nas palinodias democraticas.
Os que foram á estação foram vel-o para a 1.o
de Março votar no candidato nacional.
Uma impressão exacta, porém, levará o bochechudo
Sr. Getulio para o Sul: em S. Paulo, terra de liberdade, os democraticos,
garantidos pelas autoridades, podem fazer manifestações
aos inimigos da nossa terra, aos inimigos da nossa producção
cousa que no Rio Grande não é permittido.
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