GOVERNO BAIXA NOVO ATO


Publicado na Folha de S. Paulo, sabado, 14 de dezembro de 1968

Neste texto foi mantida a grafia original


O ministro da Justiça, Sr. Gama e Silva, anunciou ontem, por volta das 23 horas, duas medidas adotadas pelo governo da Republica, consubstanciadas no Ato Institucional no 5, que entrou em vigor ontem mesmo, e o Ato Complementar, decorrente do Institucional, que decretou o recesso do Congresso. O Ato Complementar não estipulou o prazo do recesso.

O presidente reune seus ministros para a decisão

No começo da tarde de ontem, o presidente Costa e Silva, reuniu-se no Palacio das Laranjeiras com os três ministros militares - general Lyra Tavares, do Exercito; almirante Augusto Rademaker, da Marinha e brigadeiro Marcio de Sousa Mello, da Aeronautica - e com o ministro da Justiça, prof. Gama e Silva. Outros ministros já estavam, nessa hora, nas Laranjeiras, enquanto se aguardava, para as proximas horas, uma declaração do governo dando sua posição oficial em relação à negativa da Camara dos Deputados em conceder a licença para a cassação do deputado Marcio Nogueira Alves.
Durante o encontro, discutiu-se a edição de um Ato Institucional, cujo conteudo seria divulgado durante o pronunciamento que o presidente faria mais tarde, através de uma cadeia de radio e televisão.
Em seguida, após duas horas de reunião com os ministros militares e mais uma hora com os ministros civis, o marechal Costa e Silva decidiu convocar uma reunião do Conselho de Segurança Nacional, para às 18 horas.
A edição do Ato foi apreciada à noite, pelo Conselho, em sessão de que participaram todos os ministros e os generais Jaime Portela, chefe da Casa Militar, e Orlando Geisel, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas.

Reuniões

As sucessivas reuniões do presidente com seus ministros tiveram inicio cerca das 11 horas da manhã de ontem, assim que o marechal Costa e Silva retornou da Escola Naval, aonde presidira à cerimonia de formatura de novos guardas-marinhas.
Finda a reunião com os militares o marechal Costa e Silva convocou os ministros civis, permanecendo reunidos até às 14h30. Não participaram dessa reunião os ministros Macedo Soares —que está internado numa casa de saude, convalescendo de uma operação— e Tarso Dutra.
Nenhum dos participantes das reuniões manteve qualquer contato com a imprensa. A entrada e a saida dos ministros foi feita pelos jardins do Palacio, area aonde os jornalistas não têm acesso.

Um gesto

O ministro do Exercito, general Lyra Tavares, ao desembarcar de seu automovel, no patio do QG do Palacio do Exercito, vindo da reunião das Laranjeiras, foi imediatamente cercado por oficiais generais.
Sorrindo, o general Lyra Tavares levantou o dedo polegar da mão direita, como a indicar que estava tudo muito bem.
Tropas do I Exercito, em prontidão, juntamente com as tropas de choque da Policia Militar, armadas com bombas de gás, guarneciam todos os principais pontos do Centro da cidade e de Copacabana.

Os fatos, de momento a momento

Os ultimos acontecimentos, na area do governo e das Forças Armadas, podem ser assim recapitulados, em ordem cronologica:

Quinta-feira à tarde
O presidente Costa e Silva, ao chegar ao Rio, procedente de Belo Horizonte, foi recebido no Galeão pelos ministros da Aeronautica e da Marinha, respectivamente, brigadeiro Marcio de Sousa Mello e almirante Augusto Rademaker; pelo general Orlando Geisel, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, e pelo comandante da Base Aerea do Galeão, coronel Vinicius Kraemer, almirante Alvaro Rezende Rocha, diretor da Escola Naval, almirante Carvalho Jordão, comandante do I Distrito Naval e todos os ministros presentes na Guanabara.

· Conhecido o resultado da votação na Camara, o presidente Costa e Silva recebeu, nas Laranjeiras, o ministro do Exercito, general Lira Tavares, e o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, general Orlando Geisel. O encontro durou cerca de uma hora e quinze minutos, e a imprensa não foi informada dos assuntos tratados.
À saida, os dois chefes militares limitaram-se a informar que haviam feito visitas protocolares de cortesia ao presidente da Republica. Perguntado se tinha algum pronunciamento a fazer sobre o caso Marcio Alves, o general Lira Tavares disse que não. Quanto ao general Orlando Geisel, afirmou que esse assunto não fôra abordado na reunião.

· O secretario da Imprensa da Presidencia da Republica, sr. Heracilio Sales, informou que não seria expedida qualquer nota oficial sobre a decisão da Camara e tampouco sobre o encontro do presidente com o ministro do Exercito e o chefe do Estado-Maior.

· Em Brasilia, antes de embarcar para o Rio, o ministro da Justiça, Sr. Gama e Silva, conferenciou rapidamente com o comandante do I Exercito, general Syseno Sarmento, e com o chanceler Magalhães Pinto - que embarcariam no mesmo avião - com o comandante da 11ª Região Militar e outras autoridades militares. Mas nada quis declarar à imprensa sobre a decisão da Camara.

· Quando o avião (um "Caravelle" da Cruzeiro) chegou ao Galeão, no Rio, os ministros Gama e Silva e Magalhães Pinto sairam rapidamente do aeroporto, evitando o assedio da imprensa, enquanto o comandante do I Exercito, general Syseno Sarmento, era recebido por um grupo de 70 a 80 oficiais fardados. Após conferenciar reservadamente com seus assessores, o general Syseno Sarmento disse à reportagem que não poderia tecer quaisquer comentarios sobre o episodio que se desenrola na Camara.

Quinta-feira à noite

Do aeroporto do Galeão, o ministro Gama e Silva seguiu diretamente para o Palacio das Laranjeiras, onde, já ao anoitecer, foi recebido pelo presidente Costa e Silva. Antes do encontro, o ministro foi consultado pelo tenente-coronel Ernani de Aguiar, assessor-chefe de Relações Publicas da Presidencia da Republica, se desejava prestar declarações à imprensa. O sr. Gama e Silva respondeu que não estava "autorizado a conversar com jornalistas antes de conferenciar com o presidente'. Sabe-se que o tema do encontro do ministro com o marechal Costa e Silva foram os ultimos acontecimentos na area politica, mas nenhuma nota nem esclarecimento oficial foi fornecido à imprensa.

· Depois, o presidente recebeu tambem nas Laranjeiras os ministros Delfim Neto, da Fazenda, e Helio Beltrão, do Planejamento. À saida, o prof. Delfim Neto informou que viajaria no dia seguinte (sexta-feira) para Paris, a fim de entrar em contato com entidades financeiras, tendo em vista a obtenção de novos financiamentos.

· Durante toda a noite, o comandante do I Exercito esteve reunido com os chefes da Guarnição do Rio, para analisar a decisão da Camara dos Deputados de rejeitar o pedido de licença para o processo contra o sr. Marcio Alves. Durante o encontro, ficou mais uma vez evidenciada a unidade de pontos-de-vista dos oficiais superiores e de todos os escalões militares.

· O ministro da Marinha, almirante Augusto Rademaker, negou-se a fazer quaisquer comentarios sobre a situação politica, no que foi seguido por toda a oficialidade da Armada. Na area de responsabilidade da 3.a Zona Aerea, a tropa mantinha-se em regime de prontidão, e a guarda do aeroporto Santos Dumont foi reforçada.

· Mais tarde, o presidente Costa e Silva manteve conferencia reservadas, nas Laranjeiras, com o general Syzeno Sarmento. À saída, o general nada quis declarar e dirigiu-se imediatamente ao seu gabinete, para um encontro com os comandantes das guarnições do Exercito na Guanabara e no Estado do Rio.

· Todas as guarnições do I Excercito entraram em regime de prontidão.

· Tambem em São Paulo, as guarnições do II Exercito, da Marinha e da Aeronautica entraram em prontidão, bem como os contingentes da Força Publica.

· Em Brasilia, nos meios parlamentares, a expectativa era tensa, e durante toda a noite alguns deputados arenistas e da oposição ficaram em vigilia na Camara. Os rumores eram os mais desencontrados.

Sexta-feira cedo

Como estava programado, o presidente da Republica dirigiu-se às 10 horas para a Escola Naval, onde presidiu à cerimonia de entrega de espadas aos novos guardas-marinhas. Havia grande expectativa em torno do pronunciamento que o marechal Costa e Silva deveria fazer nessa ocasião. O chefe do governo, entretanto, não falou.

· Durante toda a madrugada e pela manhã aventava-se, em alguns circulos politicos, a hipotese da existencia de um Ato Institucional a ser imediatamente decretado. Essas informações, contudo, não encontravam qualquer confirmação nas areas bem informadas.

· Logo às primeiras horas da manhã, as guarnições da Marinha e da Aeronautica no Rio tambem entravam em regime de prontidão.

· Tropas de choque da Policia Militar carioca sairam às ruas, de manhã, ocupando os principais pontos do centro do Rio, compreendendo as avenidas Presidente Vargas, Rio Branco, a Cinelandia e adjacencias. Os milicianos estavam todos em uniforme de campanha.
Desde a manhã, os reporteres e fotografos foram convidados a deixar o Palacio das Laranjeiras, cujos portões foram fechados. À tarde, quando voltaram na hora normal de expediente, já não puderam atravessar o portão e, mesmo o telefone existente na guarita dos porteiros, a principio usado pelos jornalistas, foi interrompido. Os jornalistas iam constantemente do Palacio das Laranjeiras ao Palacio Guanabara, localizado no mesmo bairro mas a regular distancia, a fim de poderem transmitir as noticias, pelo telefone, para seus jornais.

· Após a solenidade na Escola Naval, o presidente teve sua primeira reunião com o Ministerio, nas Laranjeiras. Os três ministros militares chegaram ao Palacio logo depois do marechal Costa e Silva. Em seguida, às 10h35, chegou o ministro Mario Andreazza e, com diferenças de 5 minutos, entre a chegada de cada um, apareceram os srs. Gama e Silva, Delfim Neto, Costa Cavalcanti, Albuquerque Lima, Helio Beltrão e Leonel Miranda. Todos foram para o gabinete do chefe da Casa Militar, e apenas os três ministros militares e o Sr. Gama e Silva foram admitidos no gabinete presidencial.

· Às 13h35, os ministros deixaram o Palacio, com exceção do sr. Gama e Silva. Os jornalistas não puderam aproximar-se de qualquer dos membros do Ministerio.


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