OS ANISTIADOS JÁ ESTÃO LIVRES

Publicado na Folha de S.Paulo, sexta-feira, 31 de agosto de 1979

O Superior Tribunal Militar esteve reunido durante todo o dia de ontem, para julgar 40 processos, e ao final beneficiou 326 pessoas com a lei da anistia entre as quais o ex-governador Leonel Brizola, o ex-deputado federal Márcio Moreira Alves, dezenas de desaparecidos ou dados como mortos pelos órgãos de segurança, além de presos políticos e outras pessoas já em liberdade.
Hoje, o STM deverá encerrar o julgamento dos 10 processos restantes, segundo informou o presidente do tribunal, general Reinaldo Melo de Almeida.
Em decorrência da medida tomada pelo STM, foram libertados ontem, em São Paulo, os presos políticos Ricardo Zarantini Filho, Aldo da Silva Arantes, Davi Gôngora Júnior e Nélson Chaves dos Santos (este beneficiado pela 2ª Auditoria Militar). Os quatro deixaram o presídio do Barro Branco às 19h45. No Rio, foi libertado o preso Antônio Pereira Matos, e em Fortaleza, Fabiani Cunha, que deveria ter sido acompanhado por Mário Miranda Albuquerque, cujo alvará de soltura porém não foi expedido.
Deveriam ter sido libertados, também, em São Paulo, os presos Adilson Ferreira da Silva e Amâncio dos Santos, cujos processos foram julgados ontem pelo STM, que os anistiou. A direção do presídio, no entanto, não soube informar por que continuavam presos, dizendo apenas que ambos deverão ser levados hoje ao Dops de onde serão libertados.

General não teme

O ministro do Exército, general Válter Pires, que veio assistir à posse do general Milton Tavares de Sousa no comando do 2° Exército (ver noticia nesta página), declarou ontem em São Paulo que a redemocratização vem sendo conduzida pelo presidente Figueiredo "dentro do ritmo traçado pelo próprio sistema revolucionário".

Brizola

o que mais está preocupando Leonel Brizola, ao preparar-se para voltar ao Brasil, é o estardalhaço publicitário, confessou ele ao nosso correspondente Paulo Francis, em Nova York, Brizola acha que retorna sob um governo hostil e pede que se evite um "falso triunfalismo".

A anistia chega para alguns do Barro Branco

Do Serviço Local das Sucursais e das Correspondentes

Os quatro primeiros presos políticos anistiados a serem postos em liberdade em São Paulo deixaram ontem, nas primeiras horas da noite, o presídio do Barro Branco como objetivo comum de continuar lutando pela anistia ampla, geral e irrestrita e pelo restabelecimento da democracia plena no País. São eles: Nelson Chaves dos Santos, Aldo da Silva Arantes, David Gôngora Júnior e Ricardo Zarantini Filho.
Nos portões do presídio, aguardavam sua salda, além da imprensa, seus familiares advogados e membros do Comitê Brasileiro pela Anistia - seccional São Paulo. Encontravam-se também estacionadas em frente aos portões duas viaturas da Polícia Militar, que ali chegaram no final da tarde e só deixaram o local depois que todos haviam ido embora.
Era a aguardada ainda a liberdade dos presos Adilson Ferreira da Silva e Amâncio dos Santos, não considerados presos políticos pelos seus companheiros do presídio, pois no início do ano passado, ambos deram declarações "condenando qualquer movimento de esquerda e manifestando total apoio ao regime vigente no País". Eles ocupavam inclusive, compartimentos isolados dos demais presos políticos do presídio. Entretanto, após a libertação dos quatro primeiros, o capitão Lelces Pires de Moraes, diretor do presídio do Barro Branco, mandou informar aos repórteres que ninguém mais seria libertado na noite de ontem. Segundo comentário de um dos guardas que estavam na porta, Adilson e Amâncio poderiam ser levados ao Deops e lá serem postos em liberdade, ou deixar o presídio somente hoje.

"Combate vitorioso"

O primeiro preso político a sair foi Nelson Chaves dos Santos. Abraçado à mulher Regina Coelli que o esperava desde as 14h30 com as malas prontas para viajarem a Araçatuba onde moram seus país, declarou:
"O povo brasileiro conseguiu mais uma vitória de combate na luta pela anistia ampla, geral e irrestrita. Agora vou continuar ao lado do nosso povo, na luta pelo restabelecimento pleno da democracia no País. Tenho a dizer ainda que não sou totalmente anistiado, pois tive apenas minha prisão preventiva revogada e meu processo (reorganização de partido ilegal) ainda não foi suspenso. Quero condenar também a atitude do juiz da 2ª Auditoria Militar, que nos deixou três dias à espera da liberdade e que se arroga o direito de ser um juiz acima da legislação maior do País, que já estabelece a anistia".
Segundo Nelson que estava com prisão preventiva decretada e que foi revogada ontem - agora seu processo será ser anistiado - as primeiras providências que tomará serão: conseguir emprego, aliar-se a todos que lutam pela anistia e se inscrever no MDB.
Cinco minutos depois, deixava a prisão Ricardo Zaratini Filho, esperado pelos filhos Mônica e Carlos Alberto e pele irmão Carlos Zara. "Quero lembrar aqui - afirmou - o nome dos seis companheiros que não foram anistiados e que continuarão presos. Eu peço à opinião pública nacional que conquiste a anistia ampla, geral e irrestrita e vamos continuar na luta pela democracia no Brasil". Zaratini também afirmou que além de continuar lutando pela anistia total, e procurar emprego, vai se alistar no MDB, "se possível até mesmo amanhã" (hoje).

Tristeza

Em seguida, foi libertado Aldo da Silva Arantes que afirmou se reintegrar a vida política do País graças à luta popular pela anistia. Confessou, entretanto "estar triste pelos meus companheiros de cárcere que não foram anistiados. Esta anistia não é a que o novo necessita, que o trabalhador exige. O povo brasileiro já se cansou de ditadura de opressão e quer a democracia plena". Outro objeto de luta de Aldo será a revogação da Lei de Segurança Nacional, "uma lei antipopular que precisa acabar" Aldo foi esperado por sua mulher Maria Auxiliadora e pelos filhos Priscila e André.
O último a sair foi David Gôngora Junior, esperado por sua mãe Alice, e por ex-companheiros do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, que tiveram seus mandatos sindicais cassados e também fora agora anistiados. Depois de lamentar pela restrição da anistia e também condenar o juiz da 2ª Auditoria, "que nos fez ficar esperando esse tempo todo aqui nessa expectativa" afirmou ser jovem ainda e que pretende continuar trabalhando e estudando.

Expectativa


Muita ansiedade e expectativa marcaram o dia de ontem em frente ao presídio do Barro Branco. Pela manhã deixaram o presídio o diretor, capitão Pires de Moraes, e o preso Nelson Chaves dos Santos, com destino a 2. Auditoria Militar, onde Nelson foi ouvido pelo Conselho de Justiça Militar, que revogou sua prisão. Nelson entretanto contestou, na ocasião afirmando ter direito a anistia e não à simples revogação de sua prisão preventiva. Mas era preciso ainda a comunicação de anistia da 4ª CJM de Juiz de Fora, onde Nelson está condenado. Às 17 horas seu advogado Luiz Eduardo Grennhalgh, conseguiu o telex de anistia a Nelson expedido de Juiz de Fora e seu alvará de soltura foi expedido. O preso que já havia retornado ao presídio do Barro Branco por volta do meio-dia só recebeu a noticia no final da tarde.
A primeira parente a chegar a mulher de Nelson, foi impedida de entrar para falar com o marido. Em seguida, chegaram alguns amigos de Aldo, sua filha Priscila e os país de David Gôngora Júnior. Todos reclamam que apesar do anúncio de que se visitas seria permitidas, ninguém podia entrar. Às 15h50 eles, mais o filho de Altino Rodrigues Dantas (não anistiado). Aritanã receberam permissão para visitar os presos. Na saída informaram à imprensa que numa janela ao lado da entrada principal todos apareceram para uma fotografia com a faixa "anistia ampla geral e irrestrita", o que ocorreu às 17h05.

Carta dos que ficam

Um dos presos libertado entregou à imprensa uma carta aberta dos presos políticos do Barro Branco - que não foram atingidos pela anistia. Nela, eles saúdam os presos libertados, afirmando que eles irão reforçar "a jornada apreendida pelos trabalhadores, entidades, democratas, a Igreja, muitos parlamentares e personalidades liberais; na luta pela democracia" e afirmam que "há quinze anos a Nação está assediada e sufocada, no rastro do arbítrio, violência e sangue deixados pelos sucessivos governos militares. Não seremos as únicas vitimas a serem excluídas da anistia. E a estes milhares de brasileiros estamos solidários. De nossa parte a situação de reféns da ditadura não nos intimida e confiamos na força do movimento popular responsável pela vitória parcial representada por esta anistia e que com sabedoria e denodo, brevemente conquistará a anistia ampla, geral e irrestrita, para a democracia do País".

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