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São
Paulo, segunda-feira, 30 de novembro de 1992
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VOLTA AO PASSADO
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Florestan Fernandes |
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A eleição do sr. Paulo Maluf não é só
uma vitória da tenacidade, do populismo dos oligarcas e da
afiada organização de uma campanha eleitoral multimilionária.
Ela não é, também, simples subproduto da "fabricação
do candidato preferido" por ampla maioria dos eleitores. Em
uma época de descrédito do político profissional,
é evidente a pré-fabricação e o seu
motor: o "mea culpa", fundado em uma hábil combinação
de humildade aparente, promessas fabulosas e arrogância incoercível.
"Errei mas sempre fui o melhor...". O eleitor cai na cilada:
sente-se em débito! Aflora o "boss", com sua máquina
partidária, posta a serviço da manipulação
da opinião pública e da conquista de votos. A democracia
engolida pela plutocracia, escrava do mandarinato político.
Desmoronam, ao mesmo tempo, as premissas políticas democráticas
de governo; os fundamentos éticos das relações
entre partidos, eleitores e candidatos; o modelo de cidadania emblemática
do Estado capitalista. O sr. Paulo Maluf transcendeu a todos os
triunfos, recuperando e redefinindo, por seus méritos, a
condição do agente privilegiado do absolutismo tosco.
Essa interpretação não é maligna. Acredito
que as pessoas e as instituições se transformam (ou
eu não poderia ser socialista) e aceito, como qualquer cidadão,
a sua liberdade de competir pelo cargo de prefeito. Onde a democracia
está desabrochando - e até em países nos quais
se afirma que ela atingiu estágios avançados - o erro
maior, em tais situações, não é o do
candidato. Mas dos que o elegem, movidos ou não por ilusões,
avidez ou propaganda deformadora. O que se observa, nos dias que
correm, consiste na deterioração da República
democrática, a começar nos países centrais.
Todos possuem um pedaço maior ou menor de África do
Sul, de "apartheid", sem campeões individuais ou
coletivos da "liberdade, igualdade e fraternidade" e dos
"direitos fundamentais dos homens". Marchamos na direção
normal. Se levamos Fernando Collor de Mello ao julgamento político
e policial, nem por isso pavimentamos o caminho para saltos históricos
qualitativos profundos, como salienta o retorno do sr. Paulo Maluf
com seus apaniguados.
O que concluir dos nomes que estão voltando à ativa?
Se o prefeito contribuísse para desenterrar as vítimas
do extermínio sangrento (seus momentos de "pecado"
e de "fraqueza") apareceria com outra gente e outros planos
na cena política. No entanto, ressuscita velhos parceiros
e o "perdão recíproco", como uma maldição.
Depois de uma administração como a de Luiza Erundina
de Souza, recaímos no padrão arcaico do mandonismo,
do fisiologismo e das falsas esperanças. Alguém poderá
exercer um governo sério com um secretário que promete
endividar a cidade e quer enterrar US$ 50 milhões emprestados
para restabelecer prioridades pecuniárias dos de cima?
Os que viveram o passado combatendo ou sofrendo os pendores do sr.
Paulo Maluf já sabem o que nos aguarda. O seu antipestismo
não é mero equivalente do anticomunismo. "Nada
temos contra o Suplicy, o que não queremos é o PT
mandando aqui." Essa bandeira de ordem significa o passado
redivivo. Intolerância, repressão e opressão,
indulgência e troca de favores entre os poderosos e privilegiados,
capitalismo e politicismo sem risco, em suma, a filosofia de que
"os fins justificam os meios". Pobre cidade de São
Paulo!
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