São Paulo, sexta-feira, 9 de abril de 1971
Neste texto foi mantida a grafia original

"SOU INOCENTE DO SANGUE DESTE JUSTO"

Emir M. Nogueira

Os quatro evangelistas - Mateus, Marcos, Lucas e João - descrevem de maneira basicamente igual a Paixão de Cristo, ou seja, sua prisão, julgamento, condenação e morte. Divergem, entretanto, em pormenores secundarios, como é natural, e em alguns pontos o relato de um contém informações que não constam dos outros. Antiquissimas tradições, por outro lado, encarregaram-se de acrescentar ao quadro da Paixão dados suplementares. Assim, por exemplo, o episodio da Veronica (a mulher que enxugou o rosto de Jesus, na subida para o Calvario) não é mencionado por nenhum dos evangelistas, embora até hoje seja geralmente reconstituido na chamada Procissão do Enterro.

A seguir, alguns personagens do drama do Calvario, tal como sua participação é contada nos Evangelhos. As citações textuais, que aparecem entre aspas, são da tradução do pe. Antonio Pereira de Figueiredo.

O traidor

Dos quatro, Mateus é o unico que indica exatamente quanto recebeu Judas pela sua traição: trinta moedas de prata. Marcos diz que os principes dos sacerdotes "prometeram dar-lhe dinheiro", Lucas afirma que eles "ajustaram de lhe darem dinheiro" e João omite referencias a essa circunstancia.

Mateus e João detêm-se, mais do que os outros, na figura do traidor. O primeiro conta que, na ultima ceia, tendo Jesus dito que um dos discipulos o trairia, ficaram todos contristados, perguntando-lhe então Judas:

- "Sou eu, porventura, Mestre?"

Resposta de Jesus:

- "Tu o disseste".

João, mais explicito nesse ponto do que Marcos e Lucas, assim relata a passagem, a partir do instante em que Cristo faz a revelação e os discipulos lhe perguntam o nome do traidor:

"Respondeu Jesus: "É aquele a quem eu der o pão molhado". E, tendo molhado o pão, deu-o a Judas, filho de Simão Iscariotes. E, atrás do bocado, entrou nêle Satanás. E Jesus lhe disse: "O que fazes, faze-o depressa". Nenhum, porem, dos que estavam à mesa percebeu a que proposito êle lhe dizia isso".

É tambem Mateus o unico que descreve o tardio arrependimento de Judas e o seu suicidio, por enforcamento. Em compensação, João conta que Judas era ladrão. Reclamou quando Maria, em Betania, às vesperas da prisão de Jesus, o ungiu com um balsamo caro, alegando que melhor se faria vendendo-o e dando o dinheiro aos pobres. Mas João comenta: "E disse isto não porque êle tivesse cuidado dos pobres, mas porque era ladrão, e, sendo o que tinha a bolsa, tirava o que nela se lançava".

O julgador

A conhecida cena da lavagem das mãos, por Pilatos, aparece apenas no Evangelho de Mateus: "Então, Pilatos, vendo que nada aproveitava, mas que cada vez era maior o tumulto, mandou vir agua e lavou as mãos à vista do povo, dizendo: "Eu sou inocente do sangue deste justo. Vós lá vos avinde".

Tambem só Mateus conta ter a mulher de Pilatos intercedido por Jesus: "E estando ele (Pilatos) no tribunal, sua mulher mandou dizer-lhe: "Não te embaraces com a causa desse justo, porque hoje, em sonhos, foi muito o que padeci por seu respeito".

O envio de Jesus por Pilatos a Herodes, e depois sua volta, só aparecem em Lucas. Todos os evangelistas, por outro lado, contam com pequenas variações o dialogo entre Pilatos e Cristo (ou a inquirição daquele e as respostas deste), mas o melhor relato parece ser o de João, que termina com a celebre pergunta feita por Pilatos:

- "Que é a verdade?"


O criminoso

Barrabás, o criminoso solto em lugar de Cristo, é descrito por Mateus simplesmente como "um preso afamado" que existia naqueles dias. Marcos adianta que Barrabás se encontrava preso "com outros sediciosos porque em certo motim havia feito uma morte". De acordo com Lucas, Barrabás "havia sido preso por causa de uma sedição feita na cidade e por causa de um homicidio" (versão igual à de Marcos). Segundo João, finalmente, Barrabás era "um ladrão".

Os dois ladrões

Há tambem diferenças entre os evangelistas ao se referirem aos homens que foram crucificados ao lado de Jesus Cristo. O episodio do bom ladrão é contado por Lucas apenas.

Mateus escreve que com Cristo foram crucificados dois ladrões, um à sua direita e outro à sua esquerda, e que ambos escarneceram dele, junto com os soldados, os escribas e os anciãos. Marcos dá a mesma versão ("tambem os que haviam sido crucificados com ele o afrontavam") e João omite pormenores, afirmando apenas que o crucificaram "e com ele outros dois, um de uma parte, outro de outra".

Lucas, entretanto, conta que, enquanto um dos malfeitores blasfemava e insultava Jesus, o outro repreendia o companheiro e pedia ao Salvador:

- "Senhor, lembras-te de mim quando entrares em teu reino".

Ao que Cristo respondeu:

- "Em verdade te digo que hoje serás comigo no paraiso".

O nome Dimas, que a tradição atribui ao bom ladrão, não é mencionado nos Evangelhos.
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