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São
Paulo, terça-feira, 17 de outubro de 1978
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CATOLICISMO POLONÊS RESISTE À REPRESSÃO
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J. B.
Natali
de Paris |
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Logo após o fim da guerra, Stalin chegou a Varsóvia
e perguntou a um militar polonês o nome de uma bela e enorme
praça no centro da cidade. "Ela se chama praça
do Salvador". E ele respondeu cheio de falsa modéstia:
"ora, camaradas, também não precisavam exagerar".
A piada, incorporada à antologia popular da Polônia
socialista, reflete a dificuldade dos soviéticos em compreender
as particularidades históricas e culturais que permitem uma
coabitação, nem sempre tranquila da Igreja e o Partido.
Segundo estudos publicados pelo próprio governo, 93 por cento
dos poloneses são batizados e 70 por cento consideram-se
praticantes. As 27 dioceses possuem 75 bispos e contam com 7.498
paróquias entregues a 18 mil padres e 30 mil freiras. Os
últimos levantamentos dão conta de quatro mil matrículas
nos seminários poloneses.
Essas cifras já demonstram que o cardeal de Cracóvia,
Carol Woitila, eleito papa, ontem em Roma, não se origina
de uma comunidade religiosa estatisticamente marginal.
Documento publicado pela "Documentation Française"
descreve a maneira com que a Igreja foi a instituição
em que operários e camponeses se apoiaram para manter sua
identidade nacional, quando, no século 19, o desmembramento
da Polônia entre a Prússia, a Áustria e a Rússia
se traduziu, inclusive, pelo confisco do patrimônio do clero.
Com a 2ª Guerra, a carnificina nazista fez da Polônia
um mártir demográfico com a morte de um quarto de
sua população. Por mais que meia dúzia de bispos
vendidos apoiassem o expansionismo do Reich, o clero se encontrava
a tal ponto na oposição que cinco mil padres morreram
nos campos de extermínio.
Com a chegada do Exército Vermelho e a posterior instituição
de socialismo - por trambiques que custaram a cabeça a alguns
sociais-democratas - criou-se uma duplicidade institucional um tanto
conflitosa. De um lado, o Estado com seu aparelho e o marxismo em
que se apoiou uma parte da resistência clandestina para manter
acesa a idéia de uma Polônia independente mas ao mesmo
tempo socialista. De outro, a Igreja Católica Romana igualmente
"nacionalista" e apoiada pelas massas camponesas que aos
poucos participaram do gradativo processo de reconstrução
industrial e urbanização do país.
Essa espécie de bicefalia não seria antagônica
se, com a chegada da guerra fria, o Ocidente não partisse
para uma mitologização do cardeal primaz Stefan Wysynski.
Ele estava em conflito com o Partido Comunista porque não
aceitava o monolitismo político. O Partido e o Estado reagiam
no mais puro estilo stalinista à campanha de propaganda que,
gerando pressões externas, pintavam o regime de Varsóvia
como um sistemático comedor de criancinhas.
Nada mais previsível que uma espécie de guerrilha
ideológica em que as duas entidades polonesas se confrontavam.
Wysynski, apoiado por Pio 13, resistia ao PC apoiado por Moscou.
Mas as coisas começaram a mudar quando o Concílio
fez do cardeal primaz um velado adversário de João
23 (ele era a favor das missas em latim e se recusava à fixação
de consultas às opiniões das bases do clero), enquanto
Edward Gierek ascendia às rédeas do Estado na qualidade
de filho, esposo e pai de católicos praticantes. Uma limousine
do Partido leva sua mulher todos os domingos à missa.
Ora, Carol Woitila foi justamente um dos elementos da conferência
episcopal polonesa em que Paulo 6º se baseou para a "ostpolitik"
que normalizaria o relacionamento entre Varsóvia e o Vaticano.
O atual João Paulo 2º não estava tão ideologicamente
marcado como "direitista" e conseguiu estabelecer um bom
relacionamento com os dirigentes do Partido. Ele foi um dos principais
interlocutores de monsenhor Poggi, enviado como emissário
da Santa Sé no início de 1971, numa operação
destinada, segundo os comentários da época, a descartar
Wysynski - com seus anos de prisão domiciliar - da condição
de único prelado a dar palpite sobre a política externa
da Igreja polonesa.
É bem verdade que antes mesmo dessa normalização
a cooperação entre o Estado e a hierarquia católica
sempre possuiu um mínimo necessário para não
ser interrompida. Das 1.200 igrejas construídas após
a instauração do socialismo, 500 foram custeadas pelo
governo. Os planos de planificação familiar levaram
em conta o conservantismo teológico dos padres (embora a
Igreja não perdoe o ministério da Saúde de
autorizar, anualmente, um milhão de abortos). Os bens da
Igreja nos territórios ocupados pelos alemães lhes
foram restituídos por Gierek, enquanto o próprio Partido
participou das comemorações que marcaram a canonização
do franciscano Maximiliano Kolbe, executado em Auschwitz no lugar
de um outro prisioneiro.
Essa multiplicação de gestos não neutraliza
seríssimos problemas pendentes. Entre eles, a construção
de novos templos a uma cadência considerada insuficiente pela
hierarquia episcopal (o PC costuma embromar na aprovação
das novas plantas) ou a limitação das cotas de papel
das três editoras católicas. A principal delas "PAX"
- possui um jornal que imprime 75 mil exemplares por dia e uma revista
ilustrada com 800 mil leitores. Uma outra entidade - a "Zanak"
- possui duas revistas totalizando 47 mil exemplares e uma editora
autorizada a publicar anualmente não mais que 15 livros.
Por fim, o grupo de católicos progressistas reunido em torno
do mensal "Wiez" (ligação) possui em média
um quinto de suas matérias censuradas.
Estas e outras associações situam-se numa posição
intermediária entre a Igreja e o Partido, contando com colaboradores
muitas vezes militantes das células do proprio PC. Militantes
que conservaram lembranças amistosas de seus estudos religiosos,
como o prefeito de Cracóvia que, segundo um artigo do "Monde"
de agosto de 1975, num gesto de détènte para com o
então arcebispo Carol Woitila, tomou todas as providências
para que o trânsito não atrapalhasse o sucesso de uma
procissão no ano anterior sabotada pelas autoridades oficiais.
Assim, seria irrealista associar o país de origem do novo
papa a uma espécie de império romano em que o paganismo
oficial devora os cristãos obrigados a clandestinidade das
catacumbas. mesmo durante o período negro do stalinismo,
a realidade em nada correspondia às caricaturas da guerra
fria, transmitidas de preferência pela "rádio
Europa Livre", financiada pela CIA. E também é
preciso lembrar que entre os dez milhões de poloneses residentes
no exterior, há uma mínima parcela expropriada pelo
socialismo que utilizou a questão religiosa como ariete de
sua pregação anti-PC.
Os stalinistas poloneses cometeram erros imperdoáveis como
os expurgos comandados sob o pretexto de fanatismo católico.
Mas conseguiram manter, além da Igreja, certos ingredientes
sociais que chocam os ocidentais mais amortecidos pelas estereotipias
políticas. Quem imaginaria, por exemplo, que 85 por cento
das terras estão nas mãos da iniciativa privada e
que 40 por cento da população é proprietária
de suas casas?
Segundo uma outra piadinha comum entre os guias turísticos
na terra do novo papa, "há três coisas que o turista
russo pede para ver na Polônia: um strip-tease, uma loja particular
e uma Igreja aberta". |
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