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13/08/2003 - 18h48

Leia trechos da gravação de jornalista da BBC com David Kelly

da BBC, em Londres

Confira abaixo alguns dos principais trechos da fita apresentada à Justiça pela jornalista da BBC Susan Watts, editora de ciência do programa de TV Newsnight, com a gravação de sua conversa com o especialista em armas britânico David Kelly:

Susan Watts: E aí, o que você esteve fazendo em Nova York?

David Kelly: Foi um encontro de delegados da Unmovic (comissão de inspeções de armas da ONU). Era a despedida de Blix (ex-diretor da Unmovic) também...

Watts: É claro [quase inaudível]. Acho que ninguém disse nada polêmico.

Kelly: Na verdade, ele mostrou a apresentação que vai fazer ao Conselho de Segurança na semana que vem sobre seu relatório.

Watts: E como deve ser? Alguma coisa interessante?

Kelly: É, na verdade, uma prestação de contas factual das inspeções realizadas. Inclui todos os tipos de discussões. Bem, eu não deveria dizer que inclui todos os tipos de materiais estatísticos que estão lá. É bastante completo. Não é polêmico. Pelo menos, para mim, não é polêmico. Mas tece comentários sobre os laboratórios móveis, sobre algumas das descobertas deles e a destruição das armas...

Watts: Como você estava em Nova York, eu não sei se você acompanhou o tipo de barulho que surgiu aqui sobre a discussão entre o serviço de inteligência e a ONU.

Kelly: Achei que havia alguma coisa. Li o ''Times'' pela manhã e pude ver que havia alguma coisa. E eu acho que isso segue a partir do que está acontecendo nos Estados Unidos, com os comentários do Rumsfeld.

Watts: Sim, em parte, isso surgiu do Rumsfeld. Dois pronunciamentos do Rumsfeld: o primeiro, dizendo que era ''possível'' que as armas tivessem sido destruídas antes do início da guerra, e, depois, eu acho que ontem, dizendo em um discurso que o uso do argumento sobre as armas de destruição em massa tinha razões burocráticas, e não era o principal motivo para a guerra, o que é um comentário vago.

Kelly: Sim.

Watts: Mas o que me intrigou e me fez ligar para você foram as informações de ontem, no programa Today, sobre a parte dos 45 minutos no dossiê [trecho do documento que continha a alegação de que o Iraque poderia lançar um ataque dentro de 45 minutos].

Kelly: Sim. Nós falamos sobre isso antes, é claro.

Watts: Falamos.

Kelly: Acho que você conhece minhas opiniões sobre isso.

Watts: Sim, eu voltei a ver minhas anotações e você foi, na verdade, bastante específico daquela vez. Posso ter perdido alguma coisa, mas, er... [risos] Você foi mais específico que a fonte do programa Today. Não que isso signifique necessariamente que não se trata da mesma pessoa, mas, na verdade, você se referiu a Alastair Campbell [chefe de comunicações do gabinete do primeiro-ministro britânico, Tony Blair] naquela conversa.

Kelly: Sim, sim... Com você?

Watts: Sim.

Kelly: Quer dizer, conversei com o Gavin Hewitt [repórter da BBC] ontem. Ele telefonou para mim em Nova York. Então, ele pode ter pegado o que eu disse porque eu diria exatamente o mesmo que eu disse para você.

Watts: Sim, então, provavelmente ele decidiu não citar o Alastair Campbell especificamente, mas apenas descrever como o governo britânico.

Kelly: Sim, sim.

Watts: Você está sendo muito bombardeado sobre isso.

Kelly: Eu? Não, ainda não. De qualquer forma, eu estava em Nova York [risos].

Watts: Sim, em uma boa hora, eu suponho.

Kelly: Você tem de lembrar que eu não sou parte do serviço de inteligência. Eu sou um usuário do serviço de inteligência. É claro que estou muito familiarizado com muito disso. Por isso, sou solicitado para comentar o assunto, mas eu não estou profundamente envolvido nisso. Então, parte disso eu realmente não posso comentar porque eu não sei se partiu de uma única fonte ou não.

Watts: Mas sobre os 45 minutos?

Kelly: Oh, isso eu sabia porque conhecia a preocupação quanto à alegação. Era uma alegação que foi feita e simplesmente extrapolou totalmente de proporção. Sabe, alguém... Eles estavam desesperados por informação, eles estavam pressionando por uma informação que pudesse ser revelada e se destacasse. E isso foi percebido. E foi uma pena que isso virou motivo de uma discussão entre os serviços de inteligência e o governo. Porque as coisas foram escolhidas e, uma vez que elas foram escolhidas, você não pode voltar atrás. Isso é um problema.

Watts: Mas eles publicaram [o dossiê] contra a sua recomendação?

Kelly: Não posso ir tão longe a ponto de dizer isso em particular, porque eu não estava envolvido na avaliação disso. Não, eu não posso dizer que foi contra a minha recomendação. Quer dizer, meu problema era que eu não poderia dar outras explicações que eu dei a você. Era hora de surgir com algo como um míssil Scud ou de saciar a busca por um lança-foguetes avançado...

[neste trecho, as próximas seis palavras da gravação foram cortadas fisicamente]

Kelly: ... [todos os tipos de razões por que] os 45 minutos deveriam ser bem importantes. Quer dizer, não tenho idéia quanto a quem interrogou essa fonte. Com muita frequência, é alguém que não tem a menor idéia sobre o assunto. E a informação segue adiante, e as pessoas, então, a utilizam como bem entendem.

Watts: Então, não foi como se houvesse várias pessoas dizendo ''não coloque [a informação no dossiê], não coloque''. Isso apenas estava lá e foi incluído, não foi o governo britânico que pediu essa inclusão especificamente?

Kelly: Havia muitas pessoas dizendo isso. Quer dizer, a semana anterior à publicação do dossiê foi interessante porque havia tantas coisas ali que as pessoas diziam ''bem, nós não estamos tão certos quanto a isso''. Ou, na verdade, elas estavam felizes com a inclusão daquelas coisas, mas não explicaram a maneira como chegaram àquilo. Porque, você sabe, a maneira como você explica é, na verdade, muito importante. E os serviços de inteligência são, em geral, muito cautelosos. Mas, uma vez que você coloca as pessoas para apresentar essas coisas para o consumo público, então, é claro, elas usam palavras diferentes.

Eu não acho que eles estavam sendo deliberadamente desonestos. Acho que eles apenas pensavam que aquela era a maneira como o público gostaria de ver. Tenho certeza que você tem o mesmo problema como jornalista, não? Às vezes, você tem que explicar as coisas com as palavras que o público vai entender.

Watts: Simples.

Kelly: No seu íntimo, você precisa perceber que, às vezes, isso não é, na verdade, a coisa certa a dizer. Mas é a única maneira como você pode fazer se você tem apenas dois ou três minutos.

Watts: Você escreveu aquela parte que se refere aos 45 minutos ou foi outra pessoa?

Kelly: Eu não escrevi aquela parte, não. Eu revi o documento todo, eu estava envolvido no processo como um todo. No fim, foi um grande fluxo de atividade e era difícil ouvir comentários porque as pessoas no topo da escada não queriam ouvir algumas dessas coisas.

Watts: Então, você expressou seu desconforto, digamos assim?

Kelly: Sim, sim, sim...

Watts: Então, como você se sente agora que o governo britânico nega isso, e Alastair Campbell diz especificamente que isso não faz sentido e que tudo estava no material dos serviços de inteligência?

Kelly: Bem, acho que é uma questão de percepção, não é? Eu acho que as pessoas vão perceber as coisas, e elas vão ver isso a partir de seus próprios pontos de vista. E elas podem não gostar muito do que eles fizeram.

Watts: Você acha que deveria haver um inquérito do comitê de segurança e inteligência?

Kelly: Sim, mas não agora. Acho que tem ser feito daqui a seis meses, quando nós realmente teremos chegado ao fim da avaliação sobre o Iraque e teremos acesso à informação sobre o que está acontecendo.

Eu ainda acho que é muito cedo para falar sobre a informação do que acontece lá. Muitas das informações que vão aparecer serão de boa qualidade. Algumas, não. E leva tempo para conseguir a informação necessária sobre o Iraque.

O processo apenas começou, e eu acho que um dos problemas com o dossiê e, de novo, acho que eu e você já conversamos sobre isso antes é que ele foi apresentado de uma maneira muito preto e branca, sem qualquer tipo de aspecto quantitativo.

Os únicos aspectos quantitativos foram os números da Unscom [Comissão Especial da ONU] que, na verdade, foram números apresentados pelo Iraque à Unscom: os litros de antraz, as quatro toneladas de gás VX. Todos, na verdade, números iraquianos. Mas não havia nada mais que fosse quantitativo ou remotamente quantitativo. Quer dizer, era apenas uma coisa preto e branca. Eles têm armas, ou eles não têm armas.

Isso acabou sendo interpretado como um grande arsenal, e eu não tenho certeza se qualquer um de nós diria isso. As pessoas disseram para mim que isso é o que estava implícito.

De novo, nós discutimos isso, e eu discuti com muitas pessoas que minha percepção era de que sim, eles tinham armas, mas, na verdade, não naquele momento.

O problema era que qualquer um poderia dizer isso sem qualquer tipo de inspeção. E isso cria um verdadeiro retrocesso. Eu acho que a verdadeira preocupação que todos tinham não era o que eles [o Iraque] tinham naquele momento, mas o que eles poderiam ter no futuro.

Mas isso, infelizmente, não foi expressado de maneira contundente no dossiê porque isso criaria um certo limite para [tosse] os argumentos a favor da guerra.

Watts: De volta ao assunto dos 45 minutos, eu sinto como se eu devesse explorar isso um pouco mais com você. Então, seria correto dizer, como você fez na conversa anterior, que foi o próprio Alastair Campbell quem...

Kelly: Não, eu não posso. Tudo o que eu posso dizer é: o departamento de comunicações do gabinete do primeiro-ministro britânico. Nunca encontrei Alastair Campbell. Então, não posso.

Watts: Eles que fizeram isso?

Kelly: Mas eu acho que Alastair Campbell é sinônimo desse departamento de comunicações, porque ele é responsável por esse departamento.
 

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