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16/08/2003 - 12h24

Repórter da BBC conta como foi seu encontro com Idi Amin

BRIAN BARRON
da BBC, em Londres

A primeira vez que estive na presença intimidatória do ex-sargento do Exército colonial britânico foi há 26 anos, em uma cerimônia militar na Província do Nilo Ocidental, seu distrito tribal natal.

Eu cheguei a uma velha pista de pouso da era colonial britânica, a bordo de um dos aviões de carga Hércules, que era normalmente usado para importar bens de luxo para o ditador ugandense e seus asseclas.

Era um dia de calor escaldante mas Amin trajava seu uniforme de marechal de campo, com sua túnica longa, quase na altura dos joelhos, para ter espaço para todas as medalhas que ele concedeu a si próprio.

Reluzendo ao sol, via-se sua Cruz de Vitória, usada pelo auto-proclamado Conquistador do Império Britânico.

Idi Amin era obviamente um brigão, mas capaz de usar de um charme ameaçador. Ele não era nem um pouco burro embora dedicasse sua energia à preservação de sua própria tirania assim como à destruição e seus inimigos e daqueles que possuíam algo que ele cobiçava, como, por exemplo, uma esposa atraente.

Em volta dele estavam seus aduladores, liderados por um expatriado suspeito conhecido como Major Bob.

Durante horas, Amin revistou suas tropas, um de seus passatempos favoritos.

Em meados de 1979, o poder estava escapando de suas mãos. Uma série de ataques absurdamente patéticos ao território da Tanzânia, por seus soldados incompetentes e freqüentemente bêbados, acabou incomodando o Presidente Nyrere.

Nyrere mobilizou suas tropas. Depois de vários meses, elas já se aproximavam da capital de Uganda, Campala.

O Coronel Gadaffi, da Líbia, enviou sua própria força de intervenção para tentar ajudar Amin, mas o gesto foi em vão e o Exército de Uganda bateu em retirada em direção a Jinja.

Masmorras de concreto

Nós fomos os primeiros jornalistas estrangeiros a chegar a uma Campala acéfala e, passando pela multidão que dançava nas ruas, seguimos para o quartel-general da polícia secreta, o Birô de Pesquisa do Estado.

No subsolo não havia energia elétrica. Aos tropeços, descemos a escada do prédio vazio e chegamos a um ossuário. O chão estava encharcado de sangue e os corpos das últimas vítimas do Birô jaziam na escuridão, em suas masmorras de concreto.

No andar de cima havia luz. Em outra sala ampla nós encontramos, ainda operante, o equipamento de escuta do Birô.

Fileiras de gravadores Akai estavam ligados à rede telefônica de Campala. Rolos de fita ainda giravam, e os lápis e blocos de anotações de funcionários que fugiram ainda estavam sobre as mesas.

Quem sabe quantos telefonemas os capangas da polícia secreta interceptaram ao longo dos anos, e que resultaram em mortes?

Em outra sala cheia de pastas identificadas como "Top Secret", eu encontrei documentos que traziam uma descrição detalhada da vigilância sobre meu colega da BBC, Philip Short, que acabou expulso de Uganda por Idi Amin.

Depois nós nos dirigimos para os aposentos de Amin. Nossa prioridade era abrir os refrigeradores para verificar a veracidade de notícias de que às vezes ele mantinha guardadas cabeças de suas vítimas.

Aliviados, não encontramos provas de que isso era verdade.

Dentro de poucas semanas, Idi Amin fugiu de Uganda, provavelmente com a ajuda de Gadaffi.

Encontro em Jidá

Um ano depois, junto com um cinegrafista da Visnews em Nairobi, eu comecei a procurar Idi Amin.

Acabamos encontrando o ex-ditador na cidade saudita de Jidá. Os sauditas haviam sido seus aliados porque, quando no poder, Idi Amin se convertera ao islamismo e ordenara a construção de mesquitas em várias partes de Uganda.

Depois de semanas de negociações através de um intermediário, nós acertamos um encontro com Amin em seu esconderijo em Jidá.

Idi Amin exigiu que a entrevista fosse feita clandestinamente, sem o conhecimento das autoridades sauditas.

Com saudades de casa

Nós tocamos a campainha e a porta foi aberta por guarda-costas sauditas nervosos.

Eles não nos deixavam entrar. Idi Amin apareceu por trás deles e disse: "Esses visitantes são meus convidados. Vocês todos sabem que eu vivo aqui a convite do Rei. Não interfiram."

Intimidados pela menção da Família Real, os agentes da polícia secreta saudita retiraram-se para a cozinha.

Amim levou-nos à sala onde se ouvia, no máximo volume, o som de gaitas de fole de um disco de uma banda de Edimburgo, na Escócia.

Depois de nos apresentar a seus dois fihos - ambos com nomes escoceses - Amim concedeu-nos uma entrevista de 45 minutos.

Ele estava relaxado e, saudoso de sua terra natal, jurava que retomaria o controle de Uganda.

Amin rejeitou qualquer responsabilidade pelos anos de brutalidade, pelo assassinato de opositores, pelas cenas de terror que nós testemunhamos no quartel-general da polícia secreta ugandense.

O ex-líder de Uganda insistiu que tudo era invenção de seus inimigos.

O que ele nos disse naquela tarde de 1980 foram mentiras do princípio ao fim.

Idi Amin era o mais extravagante de um grupo de ditadores africanos sobre quem eu noticiei durante aquele período turbulento.

Entre eles, estavam o Imperador Bokassa, um outro sargento do Exército que se desencaminhou, na África Central; o louco e malvado General Siad Barre, na Somália; o psicopata Sargento Doe, governante da Libéria.

Apesar de haver cometido crimes contra a humanidade, Idi Amin escapou da Justiça apenas por uma razão: as autoridades sauditas protegeram um dos grandes monstros do nosso tempo.

O repórter Brian Barron foi correspondente da BBC na África de 1977 a 1981.

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