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26/02/2004 - 09h45

Número de assinaturas sob suspeita surpreende oposição à Chávez

DENIZE BACOCCINA
da BBC, em Caracas

O anúncio de um número de assinaturas suspeitas maior do que o esperado inicialmente surpreendeu a oposição ao presidente Hugo Chávez, que agora teme que não haverá número suficiente de votos para convocar o referendo para decidir se ele deve concluir o seu mandato ou convocar novas eleições, como prevê a Constituição de 1999.

A decisão parcial da contagem das assinaturas será divulgada pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) neste domingo, dia 29, mas a análise das assinaturas suspeitas só acontece a partir de 11 de março.

As listas suspeitas serão publicadas e os integrantes terão cinco dias para se apresentar e confirmar que realmente colocaram seus nomes no abaixo-assinado.

O CNE divulgou na terça-feira (24) à noite que 148 mil planilhas, cerca de 1,18 milhão de assinaturas, serão investigadas sob suspeita de terem sido duplicadas ou os nomes colocados sem autorização.

Estrutura

É quase o dobro do número que se falava anteriormente.

No dia seguinte os ânimos se acirraram ainda mais. Os jornais de oposição trataram a questão como um golpe do presidente Chávez para evitar o referendo e destacavam a posição do vice-presidente do CNE, contrário a decisão.

Enquanto isso, o canal de TV controlado pelo governo passou o dia dando voz a deputados que apóiam o presidente, que denunciavam as fraudes da oposição.

O esforço do governo para evitar o referendo inclui um serviço para o qual a pessoa pode ligar para saber se o seu nome consta do abaixo-assinado. Se constar indevidamente, a pessoa pode ligar para um número de um serviço apoiado pelo governo para reclamar.

Mesma letra

São necessárias 2,4 milhões de assinaturas para questionar o mandato do presidente, eleito em 2000 com 60% dos votos para um período de seis anos.

A oposição diz que recolheu 3,5 milhões de assinaturas, mas há muitas denúncias de irregularidades e folhas inteiras preenchidas com a mesma letra, chamadas no país de "planas" [o nome que na Venezuela se dá à cópia da mesma frase por estudantes, como lição de casa ou castigo].

A oposição alega que são pessoas que não sabiam escrever ou idosas.

Se as planilhas sob suspeita forem impugnadas, o número não será suficiente para convocar o referendo.

O CNE não informa o número de assinaturas recebidas.

Deputados

Mesmo se o referendo for marcado, o comparecimento não é obrigatório, e é possível que a oposição não consiga o número mínimo de 30% dos eleitores necessário para abreviar o mandato de Chávez.

Além do referendo revogatório do mandato presidencial, também estão em jogo os mandatos de governadores e de 32 deputados do governo e 39 da oposição.

De acordo com a Constituição Bolivariana, promulgada por Chávez em 1999, em seu primeiro mandato, todos os cargos eletivos podem ser abreviados por um referendo a partir da metade do mandato.

Por isso, as acusações de fraudes atingem os dois lados e a decisão está nas mãos do CNE, por sua vez um órgão político com membros indicados tanto pelo governo como pela oposição.

Definição

O cientista político venezuelano Rafael Villa, professor de Ciências Políticas e Relações Internacionais da USP (Universidade de São Paulo) acha que a oposição terá assinaturas suficientes para promover um referendo para decidir sobre a revogação do mandato presidencial, mas não acredita que Chávez perderá o cargo.

"Se me perguntarem se ele vai perder o mandato, acho que não", afirma. "Chávez vence o referendo", acredita Villa.

O motorista de táxi Carlos Rodriguez, confirma esta tese.

Ele se diz apolítico, mas depois de cinco minutos de conversa começa a defender Chávez e acha que o referendo seria uma boa oportunidade de mostrar o apoio popular do presidente. "Sem o referendo, a situação não vai se resolver e nós precisamos que isso se resolva porque o país está parado", diz o taxista.

Progresso

A diretora do Programa Américas do Centro Carter e pesquisadora da Universidade Estado da Geórgia, Jennifer McCoy, diz que a polarização na sociedade venezuelana levou a um nível de desconfiança tão elevado que nenhum dos dois lados confia inteiramente no processo de referendo.

Mas ela vê uma evolução na situação venezuelana nos últimos dois anos, desde o golpe que tirou Chávez do poder por dois dias em abril de 2002.

"Muitas vezes neste período parecia que o país ia explodir", comenta Jennifer. "Mas de um modo geral não houve violência e agora o país está focado num processo legal", afirmou.

"Isso é muito positivo porque mostra o compromisso dos venezuelanos com o processo democrático", diz a pesquisadora, que é baseada em Atlanta e viaja freqüentemente à Venezuela, onde o Centro Carter tem um escritório.

Manobras

Jennifer é cautelosa ao comentar as mútuas acusações de fraudes feitas pelo governo e pela oposição --além do referendo presidencial, houve coletas de assinaturas para revogar o mandato de outros 29 deputados do governo e 37 da oposição.

"Como todo o processo é novo, o CNE se deparou com situações novas e teve que estabelecer normas novas para lidar com elas", afirma. Mas ela salienta a importância de se cria uma rede de controle, por parte da sociedade, para detectar e prevenir possíveis fraudes.

A OEA e o Centro Carter sugeriram ao CNE que faça a verificação das assinaturas por amostragem.

Villa afirma que a presença de organizações como a OEA e o Centro Carter é muito importante para assegurar não somente a lisura mas a própria continuidade do processo.

"A situação está tão polarizada que só esses organismos podem assegurar um mínimo de imparcialidade", afirma.

A divulgação da decisão sobre a realização ou não do referendo neste fim de semana é fundamental para afastar os temores do que os analistas consideram uma manobra do presidente Chávez para evitar a realização de novas eleições.

Mesmo se o presidente perder o plebiscito, novas eleições para substitui-lo só serão convocadas se todo o processo se encerrar até 19 de agosto. Depois de passados quatro anos do mandato, a Constituição diz que o cargo deve ser assumido pelo vice-presidente.

O problema é que, na Venezuela, o vice-presidente não é eleito, mas nomeado pelo presidente. E pode ser substituído a qualquer momento, durante o mandato. Isso manteria o caminho aberto para Chávez disputar as eleições seguintes, no fim de 2006.
 

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