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17/05/2004 - 11h19

Escândalo no Iraque eleva pressão sobre a Cruz Vermelha

IMOGEN FOULKES
da BBC, em Genebra

O Comitê Internacional da Cruz Vermelha esteve mais uma vez no epicentro de um escândalo na última semana, depois que abusos a prisioneiros iraquianos por soldados da coalizão foram descobertos na prisão de Abu Ghraib, em Bagdá.

A Cruz Vermelha é a entidade com autorização oficial da Convenção de Genebra para visitar prisioneiros de guerra e checar se eles estão recebendo tratamento adequado.

A instituição visitou Abu Ghraib muitas vezes, sabia dos abusos a prisioneiros, mas só veio a público com os dados quando foi forçada a agir.

Críticos agora acusam a Cruz Vermelha --amplamente conhecida como guardiã da Convenção de Genebra-- de ter sido a última a se manifestar sobre as violações em Bagdá.

Sem comentários

A Cruz Vermelha pode ser uma tarefa difícil para jornalistas. Seus delegados estão presentes em alguns dos locais de maior interesse jornalístico do mundo, mas eles têm uma política de não falar sobre seu trabalho.

Quando as primeiras fotos de abusos em Abu Ghraib foram divulgadas, minha primeira reação, como correspondente em Genebra, foi telefonar para a Cruz Vermelha.

"Não podemos comentar as fotos", me responderam. "Mas vocês visitaram Abu Ghraib, não?", perguntei. "Nunca discutimos nossas visitas a prisões."

E assim continuou o diálogo durante a semana inteira. Mais fotos eram divulgadas, e ainda assim a entidade não se pronunciava. Conseguir informações de uma esfinge parecia ser mais fácil.

Mas o silêncio terminou quando o relatório confidencial da instituição ao governo dos Estados Unidos sobre as condições em Abu Ghraib vazou para a imprensa.

Houve pânico no quartel-general da Cruz Vermelha. O calmo e elegante edifício em frente ao lago Genebra, cercado de flores de primavera, virou um campo de comunicações caóticas.

Registrando prisioneiros

Então, por que houve tanto silêncio por tanto tempo?

"Não somos uma organização do tipo 'ligue-e-consiga-uma-declaração'", disse o porta-voz Florian Westphal. "Há grupos de direitos humanos que podem denunciar abusos publicamente."

Muitas pessoas confundem a Cruz Vermelha com grupos como a Anistia Internacional ou a Human Rights Watch.

Para gerações antigas, a Cruz Vermelha é uma entidade que envia mensagens a familiares, noticiando que um marido ou um irmão está vivo, por exemplo, em alguma prisão na Alemanha.

Para prisioneiros, seus delegados são as pessoas que trazem um prato de comida, uma barra de sabonete, ou, no máximo, uma carta de casa.

É ainda o que a organização faz até hoje. Em 2003, 468 mil prisioneiros receberam visitas em mais de 70 países.

Portanto, se você está preso em algum quente e desértico canto do mundo e um jipe da Cruz Vemelha aparece, não acredite que a libertação chegou.

A instituição não vai gastar tempo debatendo a justiça ou injustiça da sua detenção, mas eles farão o máximo para assegurar que você não apanhou, que tem comida, água e ar, e que sua família sabe onde você está.

Para a Cruz Vermelha, a única política eficiente para libertar prisioneiros é a de falar com as autoridades que administram as prisões.

No passado, o silêncio da instituição em relação à imprensa provocou debates e polêmicas. Na Segunda Guerra Mundial, a Cruz Vermelha sabia dos campos de concentração nazistas, mas não revelou aos jornalistas temendo que a divulgação fosse prejudicar o acesso de seus delegados aos prisioneiros.

Aproximação sutil

Quantas pessoas, aparentemente motivadas por suas convicções humanitárias, conseguem ficar caladas diante dos horrores de uma guerra?

O porta-voz da Cruz Vermelha, Florian Westphal, dá o seu relato. "Já saí de lugares horríveis e pensei 'meu Deus, preciso desabafar', mas quem eu teria ajudado com isso? A mim, com certeza, mas não aos prisioneiros."

"Já denunciamos à imprensa abusos na Bósnia e em Ruanda, mas não adiantou nada."

Em vez disso, afirma Westphal, a Cruz Vermelha continua melhorando a vida dos prisioneiros de forma sutil.

"Fui a uma prisão onde as pessoas não tinham acesso a ar puro. Então, toda vez que eu visitava esse presídio, exigia que os prisioneiros fossem levados para fora, com a desculpa de que precisava contar quantos estavam lá. Ao ar livre, eles aproveitavam um pouco do sol."

Esse é o tipo de satisfação que trabalhadores da Cruz Vermelha experimentam, e não o deslumbramento da mídia.

Eles apelam para a exposição pública dos abusos que vêem nas prisões apenas quando todos os recursos de persuasão privada se esgotam. Em Abu Ghraib, a Cruz Vermelha achou que esse estágio ainda não havia chegado.

Exigências da imprensa

Autoridades da instituição vêm repetindo a política de confiança durante todo escândalo, para a frustração dos insistentes jornalistas.

Mas é quase impossível manter segredo total em conflitos de grande escala, como no Iraque.

E se a Cruz Vermelha se curvar às pressões para que se manifeste, como isso vai afetar o seu trabalho em todos os lugares revoltantes onde eles precisam trabalhar e que a mídia não está realmente interessada em cobrir?

É por isso que muitos delegados da organização temem. Não por seus confortáveis e irrepreensíveis métodos de trabalho, mas porque eles podem perder acesso a milhares de prisioneiros de guerra que precisam desesperadamente da sua ajuda.
 

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