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04/09/2004 - 10h41

'Lula não deve estar satisfeito com receita econômica', diz Chico

MARIANA TIMÓTEO DA COSTA E RICARDO ACAMPORA
da BBC Brasil

Para Chico Buarque, o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva "não deve estar satisfeito em estar seguindo a receita que tem que ser seguida para conseguir uma certa estabilidade" no Brasil.

Em entrevista exclusiva à BBC Brasil, o compositor disse "ter confiança pessoal" em Lula e acredita que o presidente passará a fazer "o que precisa ser feito" a partir do terceiro ano de seu mandato.

Na Grã-Bretanha para o lançamento em inglês de seu livro Budapeste, o compositor disse que pretende escrever canções a partir do ano que vem, já que nos últimos três anos se dedicou exclusivamente à literatura.

O músico e escritor falou também sobre o líderes venezuelano Hugo Chávez e sobre a situação de Fidel Castro em Cuba. "Estou um pouco cansado de ver durante a minha vida inteira, governos eleitos democraticamente pelo povo, desestabilizados pelos Estados Unidos".

BBC Brasil - Seu romance Budapeste vem recebendo críticas bastante positivas. Houve quem comparasse o livro aos trabalhos de Henry James, Jorge Luis Borges e Philip Roth. Até que ponto esses autores foram inspiração? E quais foram suas inspirações para escrever Budapeste?

Chico Buarque - Na verdade, não me sinto inspirado especialmente por um ou outro autor. Há uma série de autores que leio, admiro e venho admirando desde a juventude. Mas acho que um escritor só se firma quando se sente livre de influências. Não consigo identificar essas infuências.

Agora, a aceitação é boa. Estou satisfeito. A Grã-Bretanha é o primeiro país a publicar o livro. A primeira tradução é esta em inglês. Vai sair nos Estados Unidos em outubro e em outros países no início do ano que vem.

BBC Brasil - Você pode citar autores que está lendo no momento e que chamam sua atenção?

Buarque - Acho que o que eu estiver lendo no momento dificilmente vai interferir na minha escritura. Creio que a influência literária vem mais dos livros que lemos em nosso período de formação. Li tanta coisa e tão desordenadamente que tenho dificuldade de identificar uma influência mais marcante que outra. A leitura vai dos nossos brasileiros - que li quase tudo o que poderia nos meus 20, 30 anos - e literatura latino-americana, européia, mais do que a norte-americana, e uma ou outra espalhada por aí. É difícil.

BBC Brasil - Há mais alguma coisa no mercado literário que vem chamando sua atenção atualmente?

Buarque - Li um romance do Pirandello, a quem só conhecia como autor de teatro. Tenho lido bastante, existe um autor novo que gosto muito, o João Paulo Cuenca. E um português chamado Mario de Carvalho, muito bom. A minha leitura é muito indisciplinada. Vou lendo o que cai na minha mão, passo às vezes algum tempo sem escrever nada. Quando estou escrevendo, não leio. Mas, mais uma vez, essa leitura recente dificilmente vai mexer com a minha formação literária.

Música

BBC Brasil --Os seus livros venderam muito bem no Brasil, algo em torno de meio milhão de exemplares. Mas este sucesso não se compara ao sucesso de sua música, que atinge e atingiu milhões. Isso não dá uma certa frustração?

Buarque -- Não, não dá. Se não, não escreveria. Nem pretendo, nem imagino que com a literatura eu possa atingir o mesmo público. O fato de estar escrevendo literatura atende uma necessidade minha, particular, não de reconhecimento ou popularidade. Não é isso que busco. É uma necessidade minha autoral.

Buarque - A música viaja melhor do que a literatura, até que porque a música não precisa ser traduzida. Não quero dizer com isso que a música brasileira seja um sucesso de público aqui no exterior.

BBC Brasil --Como você vê a MPB hoje? Ela ainda é tão criativa como era na sua geração?

Buarque --Acho que é, sim. Acho que a MPB está sempre se renovando. Eu ando meio desligado da música, mais em função da literatura. Mas sei que andam fazendo coisas boas. Ninguém pode esperar que se faça a música que se fazia na época dos festivais. Há um pouco desse saudosismo correndo por aí, mas com certeza há grandes músicos, cantores, compositores.

BBC Brasil --Você tem uma página na Internet. Agora, a parada das músicas mais vendidas aqui na Grã-Bretanha começou a ser medida pelo numero de vezes que uma música é baixada pela Internet. Você acha que a Internet está promovendo uma revolução na indústria musical?

Buarque - Olha, vou ter que confessar, ainda não cheguei a isso. Não sou eu que faço meu site. Não o conheço direito. Na verdade, só comecei a ter mais contato profissional com a Internet devido à tradução dos meus livros, porque tinha que trocar e-mails rapidamente com os tradutores. Confesso que, quando lançar um disco e tiver que pensar sobre a Internet, vou ter tanto trabalho... Como é para baixar músicas na rede, o formato do CD vai ou não vai acabar? Leio sobre tudo isso com um misto de curiosidade e grande ignorância. Passei três anos afastado da música, realmente não sei. Para mim, acho que seria muito cômodo, acabar de fazer uma música, em casa, e colocá-la na Internet. Isso seria bárbaro (risos).

Política

BBC Brasil - Como você vê o governo Lula?

Buarque - Acho que ele está fazendo o que tem que fazer e eu tenho confiança pessoal no Lula. Ele não deve estar satisfeito em estar seguindo a receita que tem que ser seguida para conseguir uma certa estabilidade, para não desestabilizar o país, pelo menos na primeira metade do seu mandato.Tenho a esperança que a partir do terceiro ano - espero que sim - ele possa fazer não só o que precisa ser feito, mas o que ele quer e prometeu fazer.

Acredito na sinceridade e na inteligência do Lula.

BBC Brasil - Duas figuras polêmicas da América Latina, Hugo Chávez e Fidel Castro. O que você pensa deles e da situação em que vivem em seus países?

Buarque - Em relação a Chávez, me foi solicitada uma assinatura num documento de apoio a ele. Assinei porque tenho visto ele ser acusado de autoritarismo. E isso era algo que não consigo entender, porque tentaram derrubá-lo de todas as formas com apoio do governo americano - inclusive com um golpe de estado que afinal foi frustrado. Puseram um empresário lá de bobo durante dois dias, voltou Hugo Chávez.

Ele cedeu ao compromisso de fazer um plebiscito que julgaria se seria substituído ou terminaria seu mandato. Foi uma mudança na constituição criada pelo governo dele. Foi feito o plebiscito, e ele foi eleito pela maioria de população. Estou um pouco cansado de ver durante a minha vida inteira, governos eleitos democraticamente pelo povo, desestabilizados pelos Estados Unidos. Ou governos como o de Cuba sendo isolados. O que mais se critica no governo cubano é a conseqüência de isolamento que foi provocado pelos Estados Unidos com a cumplicidade de todos os países da América Latina a partir de 1962, quando Cuba foi afastada da Organização dos Estados Americanos (OEA).

BBC Brasil --Quais são seus planos futuros, seja na música ou na literatura?

Buarque - Desde que terminei o livro tenho vivido por conta disso. Espero a partir do ano que vem talvez voltar a escrever canções, se não conseguir, escrevo outro livro.
 

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