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24/11/2004 - 18h40

Governo de Lula é 'frustrante', diz Sócrates

RODRIGO DURÃO COELHO
da BBC Brasil

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva está sendo considerado "frustrante" pelo ex-jogador Sócrates, simpatizante petista desde o início do partido, nos anos 80.

"Não temos necessariamente que dar um voto de confiança para o governo Lula. Podemos questionar a política econômica, por exemplo, que é idêntica à que sempre foi feita", disse ele em entrevista exclusiva à BBC Brasil.

"O país continua nas mãos dos americanos. Esperávamos que algum tipo de mudança acontecesse, mas se não conseguimos viabilizar nenhum investimento em infra-estrutura, como vamos crescer?", pergunta ele.

O ex-jogador passou por Londres na terça-feira, onde respondeu a perguntas de um público formado por brasileiros e britânicos em um bar.

Esportes

Sócrates considera que a parte esportiva esteja "pior do que na época de Fernando Henrique Cardoso", diz ele.

A derrota do PT nas eleições municipais, segundo ele, se deve à pouca informação do povo e pelo fato de os brasileiros serem "apressados por natureza".

"Queremos transformações plenas de uma hora para outra, isso é parte da nossa cultura. Temos a tendência de sempre buscar o novo porque não sabemos o que ele pode ser."

No último fim de semana, o ex-capitão da seleção brasileira escreveu outro capítulo de sua inusitada trajetória ao vir ao norte da Inglaterra jogar pelo pequeno Garforth Town, time que disputa a liga semi-profissional do país.

Ele diz que veio aprender, trocar experiências e ver de perto o projeto criado por Simon Clifford, o dono do time, que também introduziu o futebol de salão no país.

Sócrates diz que, no Garforth, ele vem tendo contato "com a molecada e os professores para tentar passar algo."

"Eu acho o trabalho dele (Clifford) muito legal, primeiro porque usa o nome do Brasil, uma paixão para ele. E também porque resgata algo que para mim é caro, o futebol de salão."

Copa de 1982

A vinda de Sócrates foi bastante comentada pela imprensa britânica. Não só pelo inusitado da coisa --não é todo dia que uma lenda do futebol volta a jogar, aos 50 anos de idade, em outro continente-- mas também pela trajetória do jogador.

"No meu caso específico, tem o agravante da minha postura política, questionadora, o fato de ser médico. É uma coisa meio maluca, as pessoas me enxergam meio como um bicho-grilo daqueles bem doidos."

"Depois que escrevi uma peça de teatro, então, devo ter ficado insuportável para muita gente", diz ele, rindo, entre goles de cerveja, no centro de uma roda que se formou no bar brasileiro Guanabara.

O currículo do "Doutor" é amplamente reverenciado na Grã-Bretanha. Adjetivos como "mágico", "fantástico" e "espetacular" não foram economizados pela imprensa para descrever o meio-campo da Seleção Brasileira que disputou as Copas de 1982 e 1986.

"Continuo rodando o mundo e vendo que o time de 82 era 'o' time de todos. Poderíamos discutir os motivos disso por horas."

Apesar disso, ou talvez por isso mesmo, ele diz ter conseguido assistir novamente o jogo Brasil 2 x 3 Itália, que eliminou a seleção, apenas uma vez nos últimos 24 anos.

'Quase morri'

Foi cogitada a hipótese de que Sócrates pudesse disputar outras partidas pelo Garforth Town, além do jogo no qual entrou no último sábado. Na ocasião, o termômetro beirou a temperatura de 0ºC na maior parte do tempo.

Perguntado se pretendia entrar em campo novamente, o doutor é enfático:

"Nem pensar, tá maluco? Quase morri!"

"Participei de um evento com um nível de competitividade exagerado para a minha condição humana, mas eu queria ver como funcionava e foi o maior barato."

"Mas não dá para prejudicar tanto o time entrando de novo em campo."

Cartolagem

Sócrates diz que gostaria de ingressar na cartolagem do futebol brasileiro.

"Gerente de futebol no Brasil não entende nada de futebol, quanto mais de ortopedia, nutrição ou preparação física. Eu me preparei para isso, mas infelizmente não existe espaço no Brasil", diz ele.

"Me preparei para ser gerente de futebol, acho que poucas pessoas têm as mesmas qualificações que eu tenho: médico especializado em medicina esportiva, curso de pós-graduação na Fundação Getúlio Vargas em administração esportiva e ex-atleta."

"Dá para conversar tanto com o roupeiro como com o médico do time."

Exterior

No futebol atual, seria difícil imaginar um craque brasileiro construindo uma carreira jogando apenas no Brasil.

Em 1984, desgostoso com a derrota da emenda Dante de Oliveira que propunha as eleições diretas imediatas no país, o jogador trocou o Corinthians pela Fiorentina, da Itália.

A experiência não deu certo. Sócrates teve grandes problemas de adaptação e voltou ao Brasil antes do fim do contrato.

E se jogasse hoje em dia, o Sócrates seguiria o mesmo caminho dos outros craques brasileiros e brilharia nos grandes clubes europeus?

Ele tem certeza que não. "Se soubesse hoje o que aprendi naquela época eu não teria saído do Brasil. Eu sou absolutamente dependente da forma de viver que só existe lá", diz ele.

"Viajar e conhecer novas culturas sim, morar não. Tentei outra vez há oito anos, por dois meses, como técnico de um time no Equador, mas foi uma experiência traumática."

Ronaldinho Gaúcho

Sócrates vem defendendo a redução do número de jogadores em campo para nove, o que poderia favorecer o espetáculo, com a criação de novos espaços.

"Tudo é muito certinho no futebol de hoje, o gol é um acidente", reclama ele, apesar de admitir que Ronaldinho Gaúcho, além de ser o melhor jogador no mundo atualmente, é uma exceção.

"Além de ser excepcionalmente habilidoso, ele joga em um time em que a torcida o carrega como herói. Essa é uma situação absolutamente ideal para se jogar futebol", diz ele.

"Ele pode tentar tudo, porque, mesmo que erre, vai ser aplaudido. Isso nem sempre acontece, uma hora o time vai começar a perder, o drible não vai dar certo e ele vai ser vaiado."

Sócrates acredita que, quando isso acontecer, Ronaldinho vai ter que diminuir o número de lances espetaculares que vem mostrando e jogar de maneira mais simples para recuperar o prestígio.

Ele traça um paralelo com a situação vivida por Zidane no ano passado, pelo Real Madrid.

"Ele dominava a bola e o estádio vinha abaixo", diz ele.

Saída

Simples e relaxado, Sócrates se mostrou acessível a todos, contando histórias e assinando inúmeros autógrafos.

Em determinado momento, o "Doutor" se dirigiu ao centro do bar londrino e passou a responder perguntas do público, em um formato semelhante aos das entrevistas coletivas à imprensa.

"Boa noite a todos e 'gudináiti' para os que falam essa língua que eu não consigo falar", foi a primeira coisa que disse ao microfone, ganhando a simpatia do público.

Ele falou ainda do futebol inglês (apontou o meia Scholes, do Manchester United, como o melhor jogador inglês da atualidade) e declarou que, se pudesse jogar por qualquer time do mundo, escolheria o Corinthians.

Alguns britânicos presentes levaram pilhas de livros para serem autografados por ele.

"Eles devem passar a valer pelo menos £40 (mais de R$ 160), em vez de menos de £10", disse um deles, que pretende comercializar os livros na internet.

Após ser pacientemente fotografado, o Sócrates finalmente pôde se sentar para apreciar em paz sua cervejinha.

Por pouco tempo.

Com a tradicional falta de jogo de cintura com que os britânicos avisam aos outros que o horário para consumação de bebidas alcóolicas já foi ultrapassado, Sócrates foi praticamente enxotado por um membro de sua equipe que o levaria de volta para a cidade de Leeds.

Incapaz de sensibilizar o rapaz, Sócrates teve que se conformar em ir embora apressadamente, mas deixou registrado o protesto:

"Tô p... da vida!", disse.

Especial
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