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30/03/2005 - 07h58

Política indígena de Lula decepciona, diz Anistia

da BBC Brasil

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva decepcionou a população indígena brasileira ao manter uma política que priva o grupo das terras que precisa para sobreviver e estimula violações de direitos humanos, afirma um relatório da Anistia Internacional divulgado nesta quarta-feira.

"Os povos indígenas parecem estar bem abaixo na lista de prioridades de um governo que tenta equilibrar muitas demandas conflitantes. Como resultado, eles estão cada vez mais vulneráveis, num clima em que a ameaça da violência está sempre presente", diz o documento intitulado "Estrangeiros no nosso próprio país".

Segundo a Anistia, havia grandes esperanças de mudança com o início de um governo do PT, "um tradicional aliado do movimento indígena", mas os avanços teriam sido relativamente pequenos.

Pouco antes de o presidente ser eleito, o partido divulgou o "Compromisso com os Povos Indígenas do Brasil", no qual reconhecia erros cometidos no passado e prometia "respeito à autonomia aos povos indígenas, demarcação de suas terras e reorientação das políticas de governo para honrar esses compromissos".

"Apesar dessas promessas e do forte apoio das populações indígenas do Brasil durante a campanha eleitoral, passada mais da metade do seu mandato, ainda não há sinal de que o governo federal desenvolveu uma estratégia coerente para tentar resolver os diversos problemas enfrentados pelos índios brasileiros", afirma o relatório.

Risco de retrocesso

Segundo a Anistia, embora tenha reconhecido a necessidade da terra para a sobrevivência da cultura indígena, o governo Lula, assim como os que o precederam, não conseguiu garantir esse direito aos índios.

A entidade diz que o processo de demarcação e ratificação de territórios indígenas tem se dado de forma muito lenta. O grupo também critica a fiscalização das áreas já demarcadas.

"Em situações em que a terra deles está legalmente demarcada, muito freqüentemente o Estado fracassa em lhes fornecer proteção", afirma o relatório.

A entidade não só diz que os avanços foram "insuficientes", como alerta para o que considera ser uma tendência de reverter as conquistas asseguradas na Constituição de 1988, que reconheceu o direito inalienável dos índios brasileiros às "terras tradicionalmente ocupada por eles" e determinou a remarcação de todas elas até 1993.

"Os consideráveis avanços feitos após a Constituição de 1988 estão sob risco de serem perdidos. Um poderoso e cada vez mais vociferante lobby está pedindo uma redução dos seus direitos. Aliado com o fracasso de sucessivos governos ao implementar uma estratégia coerente para assegurar o reconhecimento e a proteção dos seus direitos, a segurança deles e até a sua sobrevivência estão em risco."

Madeireiras, militares, grileiros e proprietários de terra, que compraram territórios indígenas "de boa ou má fé", estão entre os grupos que a Anistia cita como tendo interesses em "adiar ou interromper" a solução de disputas de terras indígenas.

De acordo com a Anistia, embora a Constituição tenha dado amparo legal à luta indígena e embora a área total de terras demarcadas tenha de fato aumentado, o número está muito distante da meta. "Dos 580 territórios indígenas reconhecidos no Brasil, 340 foram ratificados, enquanto 139 ainda aguardam identificação, o primeiro estágio no processo."

O título do relatório, "Estrangeiros no nosso próprio país", foi tirado da declaração de um líder indígena decepcionado com o governo Lula, que é reproduzida no documento.

"O governo adotou a mais perversa forma de tratamento diferenciado, pela qual a questão indígena foi assumida pela Câmara de Relações Internacionais e Defesa Nacional, que lida com questões relacionadas à soberania, o que significa que nós estamos sendo tratados como estrangeiros no nosso próprio país e mesmo como uma ameaça à soberania."

A Anistia destaca grupos indígenas especialmente vulneráveis, como os guaranis-kaiowás que, embora sejam o grupo guarani mais populoso do país, proporcionalmente têm uma das menores áreas.

Segundo a Anistia, há cerca de 20 mil pessoas vivendo em áreas rurais densamente povoadas, assoladas por problemas como a desnutrição e o alcoolismo e onde a mortalidade infantil chega a 64 por mil (dados de 2004).

"Suicídio"

"Nós índios já tomamos uma decisão. Se ocorrer uma expulsão nessas áreas em conflito, vamos cometer suicídio. Nós vamos cometer suicídio porque nós não significamos nada para ninguém", disse um guarani-kaiowá aos pesquisadores da Anistia.

O relatório menciona diversos ataques contra índios, geralmente motivados por disputas de terra, e lembra, entre outros casos, o assassinato do cacique guarani-kaiowá Marcos Verón durante um protesto pacífico para reocupar um pequeno território indígena em Takuara, no Mato Grosso do Sul.

A Anistia destaca que, no caso de Verón, os suspeitos foram presos e estão respondendo a uma série de acusações, incluindo assassinato e tortura, mas a organização cobra a investigação e punição dos responsáveis por outros crimes envolvendo índios.

Para a Anistia, a impunidade é especialmente "persistente" no Brasil, quando os abusos envolvem índios.

A organização conclui o relatório dizendo que os índios brasileiros estão diante de um "futuro incerto" e cobrando estratégias específicas do governo brasileiro para protegê-los.

"É essencial que o governo federal cumpra as suas promessas eleitorais e siga as obrigações internacionais. Sem um forte compromisso estratégico das autoridades com a segurança dos índios, a solução de disputas de terra e a ratificação de reivindicações pendentes à terra, mais violência e retrocesso parecem inevitáveis."

Especial
  • Leia o que já foi publicado sobre os índios brasileiros
  • Leia o que já foi publicado sobre a Anistia Internacional
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