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19/04/2005 - 21h52

Perda de fiéis e divisão de poder são desafios de Ratzinger, dizem analistas

ASSIMINA VLAHOU
da BBC Brasil, em Roma

O sucessor de João Paulo 2° herdou uma igreja cheia de problemas que esperam por uma solução. Resta saber se o novo papa, Bento 16, pretende manter a linha do pontificado de Karol Wojtyla e manter tudo como está ou se vai partir para mudanças.

Vaticanistas consultados pela BBC Brasil dizem que os problemas são inadiáveis. Para o escritor e analista do jornal La Repubblica Marco Politi os principais desafios com quais a Igreja precisa lidar são a divisão do poder do papa com os bispos, a falta de padres, o papel da mulher na igreja e o ecumenismo e moral sexual.

Politi compara o pontificado de Karol Wojtyla com o governo de Napoleão Bonaparte. "Depois de muitos anos de vitórias, a França tinha as mesmas fronteiras do início da aventura napoleônica." Segundo ele, há problemas à espera de serem resolvidos há 27 anos.

No plano da fé, a os desafios também são grandes, observa Franco Pisano, chefe do escritório do Vaticano da agência de notícias italiana Ansa. Ele lembra que o próprio Ratzinger falou da "secularização do ocidente e do problema das seitas protestantes", no sermão que fez um dia antes de ser eleito papa.

Um milhão por ano

O analista cita dados não oficiais que indicam que todo ano cerca de 1 milhão de pessoas deixam a Igreja Católica para aderir a uma seita. Além disso, aponta Pisano, existe na Ásia o renascimento de perseguições contra os católicos.

"Não apenas na China", explica, "há casos de violência e limitação de direitos civis na Índia, Paquistão, além de países islâmicos". Na África, de acordo com o vaticanista da Ansa, há o confronto com o islamismo, que, por ora, é cultural, mas pode se tornar mais duro.

Uma das questões urgentes é a colegialidade: a relação entre a cúria romana e as conferências episcopais.

"Este problema existia no começo do pontificado de João Paulo 2°, e continua a existir", diz Franco Pisano.

Ele diz que algo que é teologicamente discutível se tornou prática comum: a transferência dos bispos de uma diocese para outra. "Por muitos séculos, o bispo, chefe de uma diocese, não era transferido até morrer", explica.

Hoje, segundo o vaticanista, os bispos mudam quatro ou cinco vezes e isso, diz, tem consequências práticas. "Quem permanece lança projetos mais amplos, se dedica mais, reforça a pastoral. Quem sabe que vai embora, tem uma relação diferente."

Outro tema à espera de solução é a nomeação dos bispos. Pisano diz que há uma discussão sobre o papel dos núncios --espécie de embaixadores do Vaticano, na escolha dos bispos que devem ser nomeados. "Não se entende por que um núncio deve conhecer melhor os candidatos do que os bispos do lugar", argumenta ele.

A relação entre Roma e os episcopados locais também deve ser melhorada. É excessiva, segundo os vaticanistas, a importância que o Vaticano dá às conferências regionais. "Por que sobre a Pastoral do Brasil, por exemplo, é mais importante a opinião da comissão para a América Latina do que a dos bipos brasileiros?", questiona o analista da Ansa.

Na visão de Pisano, o sínodo dos bispos --reuniões periódicas dos bispos do mundo todo no Vaticano-- deveria ser a demonstração de que há colegialidade, mas é apenas uma abertura aparente.

"Esta instituição perdeu muito de seu fascínio inicial, nada é decidido durante estes encontros", afirma. Até o documento final, segundo ele, é redigido e até manipulado pela cúria.

Esta concentração de poder, segundo Marco Politi, levou o arcebispo emérito de São Francisco, monsenhor Queen, a declarar que o papa consultou muito os bispos mas isto não quer dizer decidir em conjunto.

"A colegialidade é um problema aberto e deve ser resolvido, uma comunidade de um bilhão de pessoas não pode ser guiada de forma monarco-absolutista", define Politi.

Diálogo

O vaticanista analisa também os desafios que fazem parte da herança positiva deixada por João Paulo 2°, como as relações com as outras religiões cristãs. Por tantos anos criou-se um clima de fraternidade e maior compreensão do problema, agora se trata de tomar passos concretos, se existe realmente uma convergência, em sua opinião.

A relação com o islamismo é outro ponto que o novo papa terá que considerar. "João Paulo 2° trabalhou muito para que o Islã não se tornasse o inimigo do século 21, mas é um diálogo que deve continuar", disse o vaticanista, autor de uma das biografias de Karol Wojtyla.

Em 26 anos, João Paulo 2° tornou-se um símbolo para os não católicos. Esta, na opinião de Marco Politi, é uma grande e pesada responsabilidade para o sucessor.

Wojtyla conseguiu não somente falar a homens e mulheres católicos, mas a todo o mundo. Isto é uma qualidade que o novo papa, mesmo com seu carater e temperamento pessoal, deverá manter, segundo ele.

"Nestes anos, o papado romano mudou, antes interessava só aos católicos e talvez aos cristãos, agora o papa de Roma tornou-se o porta-voz dos diretios humanos e da dignidade do homem, para além das fronteiras geográficas, culturais e religiosas", define Politi. Ele acredita que manter esse nível de presença na sociedade global é um enorme desafio.

Já Franco Pisano destaca que o modelo de globalização feita só no plano econômico, a defesa dos direitos humanos e a paz terão que entrar na pauta de Bento 16. Mas ele recorda que esta postura faz parte, historicamente, do papel do pontífice, não foi algo introduzido por Karol Wojtyla.

"João 23 teve um papel na crise dos mísseis em Cuba, Paulo 6º ofereceu o Vaticano para pôr fim à guerra do Vietnã e Bento 15 --que inspirou Ratzinger na ecolha de seu nome como papa--, pediu com veemência que se colocasse fim à Primeira Guerra. Para Pisano, lembramos de João Paulo 2° apenas porque é o mais recente.
 

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