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13/09/2005 - 05h34

Discordância sobre reformas aumenta tensão entre EUA e ONU

DENIZE BACOCCINA
da BBC Brasil, em Nova York

Um projeto que tramita no Congresso americano pedindo a redução pela metade da contribuição americana ao Secretariado da ONU dá uma idéia de como andam as relações entre o governo dos Estados Unidos e a organização que o país ajudou a criar há 60 anos.

Embora a Casa Branca se oponha ao corte, terá que colocá-lo em prática se for aprovado pelo Congresso. Até agora, ele já foi aprovado pela Câmara dos Representantes e tramita no Senado.

O projeto prevê o corte na verba que deve ser revisada anualmente pelo Congresso, atualmente de US$ 500 milhões, usada principalmente para custear a estrutura administrativa e a sede da ONU, se a organização não realizar uma série de reformas que a tornem mais eficiente e transparente.

O governo americano arca com 22% do orçamento administrativo da organização. Os Estados Unidos também contribuem anualmente com outros US$ 2,5 bilhões para as agências e programas específicos, mas esta verba não é sujeita a revisão do Congresso.

"Os Estados Unidos são o maior doador das Nações Unidas e nós devemos ao contribuinte americano uma prestação de contas de que o dinheiro dos impostos que eles pagam está sendo bem usado", disse na semana passada a secretária de Estado, Condoleezza Rice, que passa a semana em Nova York em eventos ligados à cúpula.

Iraque

No lado político, as relações entre Estados Unidos e ONU tiveram seu pior momento em 2003, quando os Estados Unidos invadiram o Iraque mesmo sem a aprovação do Conselho de Segurança. Mas as críticas americanas à estrutura da organização, considerada muito burocrática e pouco transparente, já são mais antigas.

"As relações entre Estados Unidos e ONU estão muito tensas e existe uma grande discordância sobre como avançar com as reformas que os dois lados entendem que são necessárias", afirma Nile Gardiner, especialista em relações internacionais do Heritage Foundation, um grupo de estudos baseado em Washington.

Ele diz que o relatório do programa Petróleo por Comida, no Iraque, que conclui que a ONU não impediu os desvios de verbas que foram verificados no programa, tornou essa relação ainda mais tensa, e aumentou a percepção, nos Estados Unidos, de que a organização precisa de reformas profundas.

Apesar da tensão atual, Gardiner acredita que ONU e Estados Unidos precisam um do outro.

"A ONU não pode funcionar sem os Estados Unidos. Os Estados Unidos têm interesse em fazer a ONU funcionar", afirma.

Embora as decisões da Assembléia Geral da ONU sejam tomadas em consenso e o voto de cada um dos 191 países-membros tenha o mesmo peso, independentemente do valor da contribuição, Gardiner diz que o apoio americano é essencial para dar validade a qualquer decisão. "Sem apoio dos Estados Unidos, qualquer documento não teria validade. Seria apenas simbólico", diz ele.

O governo americano já mostrou, no processo de discussão dos temas que serão abordados durante a cúpula mundial, que pretendem usar sua influência. Logo que assumiu o cargo de embaixador dos Estados Unidos na organização, John Bolton apresentou 750 emendas ao documento proposto pelo secretário-geral Kofi Annan, que vinha sendo debatido pelos outros países desde março.

Mas ainda antes, no dia 2 de agosto, uma outra representante dos Estados Unidos na ONU, a embaixadora Anne Patterson, fez um discurso numa reunião da ONU apresentando as restrições do governo americano às propostas.

Patterson criticou duramente o documento de Annan, disse que várias partes eram muito longas e sem foco e listou as prioridades americanas:

Um Conselho de Direitos Humanos menor e mais efetivo, excluindo países acusados de praticar abusos; Uma Comissão de Missões de Paz supervisionada pelo Conselho de Segurança; Reformas administrativas; Redução da parte que fala da ajuda dos países ricos aos países em desenvolvimento; Definição do conceito e uma convenção sobre terrorismo internacional; Mudanças nos trechos sobre desarmamento, com foco em armas de destruição em massa em vez da redução do armamento já existente.

Além disso, a representante americana pediu que os países que defendem a ampliação do Conselho de Segurança deveriam parar de fazê-lo, e focar seus esforços "em reformas mais urgentes".

Os Estados Unidos também se opõem a um compromisso explícito dos países desenvolvidos de que vão destinar 0,7% do PIB para financiar projetos de desenvolvimento nos países mais pobres e assim reduzir a pobreza no mundo pela metade entre 2000 e 2015, como previsto nas Metas do Milênio acertadas na reunião de 2000.

A média atual de gastos com desenvolvimento é 0,25% e os Estados Unidos investem apenas 0,16%. O governo americano concorda com o compromisso de redução da pobreza, mas não quer se comprometer com um montante de recursos.

"Conflito natural"

O cientista político Luiz Bitencourt, pesquisador sênior do Woodrow Wilson Center e especialista em relações exteriores, acha que essa tensão entre Estados Unidos e ONU reflete um conflito natural entre o país mais poderoso do mundo e uma organização que tem como função buscar o consenso entre os outros 190 países.

"O ponto culminante foi a guerra do Iraque, mas houve outras crises antes", afirma. "Como país mais poderoso, os Estados Unidos tentam impor sua vontade e é muito difícil para quem toma decisões nos Estados Unidos entender o ponto de vista dos outros países", diz Bitencourt.

Johanna Mendelson Forman, diretora da UN Foundation, uma entidade que trabalha em conjunto com a ONU financiando projetos, vê a crise atual como uma oportunidade, principalmente depois dos problemas que os Estados Unidos estão enfrentando no Iraque.

"Acho que nós já tivemos tempos melhores", diz ela. "Mas acho também que este é um momento de oportunidade. Talvez a experiência ruim no Iraque faça os Estados Unidos perceberem que precisam trabalhar com a ONU de maneira mais efetiva", afirma.

Apesar da imagem negativa na imprensa pelas críticas que sempre fez à organização, ela acha que a presença de um embaixador americano forte, como John Bolton, pode ser útil para aproximar os dois lados. "Talvez Bolton seja a pessoa certa para pressionar as reformas", afirma.

Ela cita como um exemplo dessa aproximação o pedido do governo americano, na semana passada, de ajuda da ONU para socorrer as vítimas do furacão Katrina.
 

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