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26/12/2005 - 15h13

Sobreviventes do tsunami formam novas famílias

ILANA REHAVIA
da BBC Brasil, em Banda Aceh

Sidik e Normaiati se conheceram quatro meses depois do tsunami que devastou seus vilarejos na província de Aceh, na ilha indonésia de Sumatra.

Sidik perdeu a esposa e três dos quatro filhos para a onda gigante, que matou mais de 290 mil pessoas na costa do oceano Índico.

Normaiati perdeu os quatro filhos e o marido e foi encontrada nua, com uma cobra enrolada no corpo, a centenas quilômetros de distância de onde estava quando o tsunami chegou.

Como muitas outras pessoas, Sidik nunca pode enterrar os corpos de seus familiares, jamais encontrados. Outros milhares de corpos foram achados, mas ainda não puderam ser identificados.

Um ano depois, os dois planejam se casar em novembro.

“Eu espero que nosso casamento nos ajude a superar o trauma que sofremos”, disse Normaiati, sentada ao lado do noivo no que costumava ser uma vila de pescadores, e hoje não passa de alguns alojamentos e barracas no meio de um campo inundado.

“Foi o destino que nos aproximou”, afirmou o pescador Sidik.

Mas Sidik teve sorte de encontrar uma nova parceira, já que 80 por cento das vítimas do tsunami foram mulheres, de acordo com a ONG Oxfam.

Isso aconteceu porque enquanto os homens estavam no mar pescando ou trabalhando em vilas no interior na hora do tsunami, as mulheres estavam nos vilarejos costeiros cuidando da casa e das crianças.

A falta de novas esposas está sendo resolvida com uma migração de jovens mulheres de vilarejos vizinhos. E os líderes comunitários prevêem um “baby boom” nos próximos anos, ou seja, uma onda de nascimentos de bebês.

Volta à normalidade

Para muitos locais, a formação de uma nova família representa o retorno ao cotidiano, um importante passo para superar o trauma do tsunami.

“Os traumas mais sérios requerem acompanhamento psicológico. Mas para os traumas menos sérios, o melhor remédio é a volta à normalidade”, disse Dicky Pelupessy, diretor do Centro para Recuperação de Trauma e Intervenção Psico-Social, ou Pulih.

“Hoje em dia, um ano após o tsunami, a maioria das pessoas já passou o pior do trauma e por isso nos estamos concentrando nossos esforços em reestabelecer um cotidiano para elas”, afirmou.

A dificuldade é estabelecer esta normalidade, já que 160 mil pessoas continuam vivendo em barracas ou alojamentos temporários em Banda Aceh, a maioria sem emprego.

No campo de Neuhen, localizado ao pé de colinas que eram usadas pelas guerrilhas separatistas antes do processo de paz, a falta de trabalho foi apontada como o maior problema pelos moradores com quem eu conversei.

Em tom de brincadeira, mas com uma ponta de desespero, três mulheres vieram me pedir emprego.

Órfãos

A religião também tem um papel importante na recuperação da população de Banda Aceh, segundo o centro Pulih.

De acordo com Pelupessy, os muçulmanos encaram tragédias naturais, como o tsunami, como um ato de Deus, e por isso, aceitam o que aconteceu sem revolta.

A revolta vem com as conseqüências da tragédia, como a falta de casas e empregos.

Para as crianças, a volta ao cotidiano também é extremamente importante. Mas para as mais de duas mil crianças que ficaram órfãs de pai e mãe em Aceh, esse cotidiano normal parece não chegar.

No campo de abrigo temporário Lhk Nga, três meninas de seis anos de idade pararam para conversar comigo no caminho de volta da escola, vestidas com seus uniformes vinho e laranja.

“Eu gosto de viver aqui, tenho muitas amiguinhas e gosto muito de livros”, disse uma delas sorridente.

Mas o tom mudou quando ela me contou da saudade que sente do pai, morto no tsunami.

Para essas crianças, a vida escolar traz um pouco de normalidade ao caos.

Mas para os adultos, é difícil voltar à normalidade quando grande parte da economia de toda essa região foi levada pelas águas do tsunami.

Mesmo assim, os acenenses são um povo sorridente. No caminho do aeroporto, eu comentava com meu colega essa impressão que tive das pessoas que encontrei.

“Nós sorrimos porque as coisas ficam mais fáceis quando se sorri”, disse minha intérprete, Vocut Istriani.
 

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