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19/01/2006 - 09h15

Medo pode ter calado seqüestradores de brasileiro no Iraque

PAULO CABRAL
da BBC, no Cairo

O medo de vingança entre grupos tribais no Iraque pode ter levado os autores do ataque contra o engenheiro brasileiro João José Vasconcelos Jr. a manter o silêncio total, um ano depois do seu desaparecimento.

A hipótese foi apresentada por um comandante militar curdo, da área onde ocorreu o ataque, ao ex-chefe do setor comercial da embaixada do Brasil no Iraque, o brasileiro de origem libanesa Aune al Dayri, que vive em Bagdá e acompanhou informalmente os desdobramentos do caso.

"O motorista que estava com ele (Vasconcelos) era um iraquiano nômade, (e) a família desse iraquiano deve matar quem o matou", foi a explicação dada a Aune, que conversou por telefone de Bagdá com a BBC Brasil.

Na ação, o motorista iraquiano acabou sendo assassinado, junto com um britânico que trabalhava para a Janusian, empresa britânica que prestava serviços de segurança para a construtora brasileira Norberto Odebrecht no Iraque.

"Por isso (a morte não planejada do iraquiano), os seqüestradores sumiram e não deram nenhuma informação sobre onde, eventualmente, ele teria sido enterrado ou sobre o que aconteceu. Ninguém quis, entre eles (os autores da ação), assumir a responsabilidade por medo de confronto entre duas tribos por causa da morte do iraquiano que estava com ele", completou.

Televisão

Poucos dias depois do ataque de 19 de janeiro de 2005, a rede árabe Al Jazeera mostrou imagens de documentos pessoais de Vasconcelos e apresentou uma reivindicação do ataque pelos grupos Brigadas Al Mujaheddin e Exército Ansar al-Sunna. A autoria, no entanto, não foi posteriormente confirmada.

Na época do ataque, também surgiram rumores, segundo Aune al Dayri, de que os responsáveis seriam pessoas que trabalhavam para a Odebrecht irritadas com a informação de que as operações da empresa seriam encerradas.

Essa informação, que não foi mencionada pelo general curdo, se for correta, ajudaria a explicar por que o alvo do ataque foi o diretor de finanças da empresa no dia em que ele se preparava para deixar o país.

A família do brasileiro desconhece essa informação, mas disse acreditar que alguém ligado ao trabalho da construtora tenha passado informações sobre o comboio que acabou sendo atacado quando levava Vasconcelos para o aeroporto.

O irmão do engenheiro, Luiz Henrique, ressaltou que poucas pessoas sabiam em qual horário Vasconcelos iria sair do complexo onde ele trabalhava e que, portanto, pode ter havido um vazamento de informação a partir do momento em que ele saiu da usina.

"O horário em que ele iria sair era informado pouquíssimo tempo antes da saída. E o ataque ocorreu menos de meia hora depois. Talvez não tenham sido funcionários da Odebrecht, mas do próprio complexo, já que mais de 30 empresas atuavam ali", disse Luiz Henrique.

A irmã do brasileiro, Isabel, disse ter certeza de que o irmão foi traído. "Alguém no complexo, da equipe de segurança, eu não sei quem. Gostaria de ter essa informação, porque aí acho que estaríamos perto de um desfecho do caso do João."

Investigações

Al Dayri é hoje o último funcionário do governo brasileiro no Iraque, mas tem responsabilidade apenas pelos arquivos e o patrimônio do governo que ficaram na capital iraquiana.

"Mas por interesse pessoal e pensando na família do seqüestrado, sempre tento conseguir mais alguma informação, mas é muito difícil. São muitos seqüestros e é quase impossível conseguir viajar ou falar com autoridades aqui", disse Aune, insistindo que não tem cargo diplomático e que não participou das investigações.

Por meio de contatos pessoais, ele teve acesso, em outubro de 2005, ao governador da província de At-Tamim (onde aconteceu o ataque), Tamer Kojer.

"Chamei dois amigos curdos e guardas e fui falar com o governador (Tamer) Kotjer que me enviou (à cidade de Kirkuk) para falar com o militar curdo (general Mohamed Morsib) que domina a situação agora (na região)", explicou Al-Dayri.

A cidade de Beiji, onde o comboio de Vasconcelos foi atacado, fica perto de Kirkuk, que é um grande centro de produção de petróleo.

"Encontrei com ele (general Morsib) e dei uma carta de apresentação do governador. Perguntei-lhe o que tinha acontecido em Beiji, porque Beiji é do lado de Kirkuk."

Ele contou que o militar confirmou que sabia da história, mas disse que as autoridades não tinham mais nenhuma informação sobre o assunto.

Dayri disse que já tinha ouvido uma vez da polícia de Beiji --pouco depois do ataque-- a teoria que o militar curdo repetiu nesse encontro recente: o medo de vingança teria mantido os seqüestradores quietos.

Polícia

Dayri disse que também tentou conseguir informações com a polícia diversas vezes, mas que não teve sucesso em nenhuma.
Ele contou que, ainda hoje, telefona (quando as linhas funcionam) para o número 130 para tentar conseguir informações na central de polícia.

"A violência no Iraque está muito além da capacidade da polícia. Parece ridículo ir à polícia perguntar sobre uma pessoa. Eles chegam a estranhar a pergunta", disse.

Agências de notícias internacionais estimam em 250 o número de estrangeiros seqüestrados no Iraque desde a invasão em 2003.

Em dezembro, o jornal Washington Post publicou uma reportagem - baseada em entrevista com uma fonte militar não identificada - afirmando que o número de seqüestrados estrangeiros era bem maior do que o estimado: 425 casos desde de 2003.

O jornal também disse que a polícia recebe relatos de cerca de 30 seqüestros de iraquianos por dia, mas que o verdadeiro número pode ser bem maior.

O primeiro ponto de contato do Brasil com o Iraque atualmente é um núcleo instalado na embaixada do Brasil em Amã, na Jordânia.

O secretário Felipe Goulart assumiu recentemente a responsabilidade pelo núcleo e fica no posto até o dia 18 de fevereiro, enquanto o governo brasileiro define como vai ficar a representação do Brasil para o Iraque.

"Estamos sempre alertas, é claro, para qualquer nova informação. Mas no momento não há nenhuma atividade específica nem informação nova sobre o assunto", explicou Goulart à BBC Brasil.

Procurada pela BBC Brasil, a assessoria de imprensa do Ministério das Relações Exteriores disse que o ministério não fará nenhum comentário sobre o caso.

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