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20/03/2006 - 09h35

Iraquianos são "quase reféns da ocupação", diz escritora

ILANA REHAVIA
da BBC Brasil

A escritora iraquiana Haifa Zangana, ex-prisioneira do regime de Saddam Hussein, acredita que a população de seu país seja "quase refém" das forças de coalizão que ocupam o país desde 2003.

Zangana retornou ao Iraque em janeiro de 2004 para uma visita de um mês, depois de 28 anos no exílio. Ele vive no Reino Unido, onde se tornou uma das maiores críticas da ocupação do Iraque pelas forças lideradas pelos Estados Unidos.

Em entrevista à BBC Brasil, Haifa Zangana, que tem vários livros publicados em inglês, afirmou que a situação no país melhoraria com a saída das tropas estrangeiras.

Para ela, não há perigo de ocorrer uma guerra civil sem a presença das forças lideradas pelos Estados Unidos. "Se o Iraque for deixado para os iraquianos, não acredito que vá acontecer uma guerra civil."

BBC Brasil - Qual sua visão sobre os três anos após a invasão do Iraque?

Haifa Zangana
- O país virou uma bagunça, é muito complicado para o povo iraquiano. Há sérios problemas com a infra-estrutura, faltam serviços, as necessidades básicas da população não estão sendo atendidas e não tem havido melhora, pelo contrário.

A população hoje em dia tem, no máximo, duas horas de eletricidade por dia e chega a ficar sem luz por três dias seguidos. A água não é limpa e em algumas áreas de Bagdá as pessoas estão bebendo água misturada com esgoto. Em termos de saúde, vários relatórios de diferentes organizações dizem que a desnutrição entre crianças dobrou. Os níveis de violações aos direitos humanos são nojentos, principalmente nas prisões.

Mas, para mim, o maior problema é que as forças de ocupação no Iraque gozam de imunidade, você não pode julgá-los sob as leis iraquianas ou internacionais. Então, as tropas, diplomatas, mercenários e quem quer que trabalhe com as forças de ocupação também têm essa imunidade. A população iraquiana é quase refém em seu próprio país.

Se você estiver dirigindo seu carro e passar por algum veículo, tanque ou posto das tropas americanas ou britânicas, é obrigado a manter distância. Se chegar muito perto, pode ser morto. E sua família não poderá ter indenização ou mesmo justiça. É um caos para a população iraquiana.

BBC Brasil - No caso das mulheres, como a sra. descreveria a situação?

Haifa
- Nos últimos três anos, a situação das mulheres piorou muito. Em primeiro lugar, não há segurança para elas, se uma mulher quer ir trabalhar, ela está arriscando sua vida. Além disso, uma grande quantidade de mulheres costumava trabalhar no setor público, mas hoje em dia não temos mais um governo como havia antes, e muitas mulheres perderam seus empregos.

No Ministério da Informação, por exemplo, um terço dos 5 mil funcionários costumava ser de mulheres. Mas, com o desmantelamento do ministério, elas foram mandadas para casa. O problema do desemprego, que hoje está entre 60% e 70%, afeta principalmente as mulheres. Além disso, metade das meninas que deveriam estar na escola está ficando em casa. As famílias preferem manter suas meninas em casa por causa da falta de segurança.

BBC Brasil - A sra. acredita que a ação de grupos extremistas também esteja afetando as mulheres?

Haifa
- Sim. Quando você não tem um Estado, lei, ordem, cada grupo de pessoas pode aplicar a lei de acordo com suas crenças. Se há um problema, a população não tem tribunais para recorrer. Há gangues nas ruas que interpretam a lei de acordo com o que eles acreditam. E isso inclui extremistas que podem impedir as mulheres de fazer qualquer coisa.

BBC Brasil - Um dos problemas hoje em dia no Iraque é a violência sectária, ataques de xiitas contra grupos sunitas ou vice-versa. Como a senhora vê a distribuição de poder entre os diferentes grupos da sociedade iraquiana?

Haifa
- Esse não é um problema enraizado na população iraquiana, nunca houve problemas em mais de mil anos. Claro que há religiões, etnias e setores diferentes na sociedade iraquiana, mas o país acomodou esses grupos diferentes por milhares de anos.

Os problemas hoje são principalmente entre grupos que apóiam a ocupação e grupos contrários, que resistem à ocupação. Em termos políticos, muitos dos que estão no poder hoje em dia costumavam morar fora do país, no exílio, onde eram chamados de "oposição ao regime". Eles são encorajados pela ocupação a promover as diferenças sectárias.

Até mesmo o Partido Comunista, quando voltou ao Iraque, foi apontado para o governo interino com base na origem do secretário-geral do partido. E isso se tratando de um partido totalmente secular! As divisões sectárias estão sendo usadas para impor o poder nas pessoas e para criar um clima de terror entre a população. Toda vez que alguém faz algo contra a ocupação, começa essa conversa de guerra civil.

BBC Brasil - A senhora não acredita então que uma guerra civil pode ocorrer?

Haifa
- Não. Mas eu acho que quanto mais as tropas de ocupação permanecerem no Iraque, maiores as chances de uma guerra civil. Se o Iraque for deixado para os iraquianos, se pudermos governar, decidir e tomar responsabilidade por nossa própria sorte, não acredito que vá acontecer uma guerra civil. É impossível ser pior do que agora, sob ocupação. A situação está se deteriorando minuto a minuto. A presença da ocupação no Iraque é o problema.

BBC Brasil - Mesmo tendo sido uma vítima do regime de Saddam Hussein, a senhora é contra a invasão que o tirou do poder?

Haifa
- Sim, sem dúvida. Sempre foi claro entre a população iraquiana que se livrar do regime e da opressão não significava aceitar ocupação. Desde o início eu fui contra a guerra porque sempre achei que havia outras opções para retirar Saddam Hussein do poder. A guerra não era a única opção, como quiseram fazer acreditar os governos americano e britânico.

BBC Brasil - Nesses três anos, houve uma mudança na forma como os iraquianos encaram a guerra?

Haifa
- Logo no início, havia pessoas que acreditavam que as coisas iam melhorar com a presença americana e britânica no Iraque. Mas a natureza da ocupação é a humilhação da população e isso foi ficando claro, principalmente depois dos episódios da prisão de Abu Ghraib. Além disso, não há nenhum aspecto da vida diária que tenha melhorado.

BBC Brasil - Como essa situação afeta o sentimento do povo iraquiano enquanto parte de uma nação?

Haifa
- Afeta a visão de democracia. A população estava desesperada por democracia como um modo de vida e achava que esse sistema resolveria problemas que aconteciam durante o regime de Saddam, como o desrespeito pelos direitos humanos. Mas hoje em dia você precisa lutar para convencer as pessoas de que a democracia é mesmo a solução.

BBC Brasil - Qual sua opinião sobre o futuro do Iraque?

Haifa
- Eu acho que os iraquianos são persistentes e sobreviventes. Somos parte de uma civilização e capazes de construir nosso próprio país. Saddam Hussein foi apoiado por governos ocidentais, e a mesma coisa está acontecendo agora. Um governo fantoche tem o apoio dos governos de ocupação contra a vontade da população. Então, quanto antes nos livrarmos das forças de ocupação, mais cedo poderemos reconstruir nosso país.
 

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