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11/08/2006 - 22h13

Legado de Fidel divide intelectuais de esquerda no Brasil

DIEGO TOLEDO
da BBC Brasil, em São Paulo

O legado dos 47 anos no poder do líder cubano Fidel Castro, que completa 80 anos de idade no próximo domingo e se recupera de uma cirurgia no intestino, divide as opiniões de dois importantes intelectuais da esquerda no Brasil.

Para o filósofo Ruy Fausto, professor emérito da USP e um dos maiores estudiosos brasileiros do marxismo, o regime comandado por Fidel contribuiu para a "desmoralização" da idéia de socialismo.

"Essa gente fez tudo o que é contrário aos ideais do socialismo democrático: arbitrariedades, cerceamento de liberdade, assassinatos políticos, repressão e, finalmente, desigualdade e privilégios burocráticos", critica o professor.

Já o teólogo e escritor Frei Betto, ex-assessor especial do presidente Lula e autor do livro Fidel e a Religião (1985), defende as conquistas sociais do regime cubano.

"Cuba é o único país da América Latina que pode ostentar um outdoor, no caminho ao aeroporto para o centro de Havana, que diz: 'Esta noite 200 milhões de crianças dormirão nas ruas do mundo. Nenhuma delas é cubana'", argumenta o frade dominicano, que já se encontrou com Fidel diversas vezes.

Lula

Frei Betto conta que estava com Lula quando conheceu Fidel, em julho de 1980, em Manágua, nas comemorações do primeiro aniversário da Revolução Sandinista.

O líder cubano também esteve com Lula em março de 1990, quando viajou ao Brasil para a posse de Fernando Collor de Mello e foi até São Bernardo do Campo para visitar o então candidato derrotado à Presidência da República.

"O governo Lula é solidário a Cuba e respeita sua soberania e autodeterminação", afirma Frei Betto, que deixou o governo no final de 2004.

O filósofo Ruy Fausto lembra, por outro lado, da "relação direta" do ex-ministro José Dirceu com Fidel e diz que a atitude de Lula com relação ao líder cubano é "ambígua".

"Isso é lamentável", avalia o professor emérito da USP. "Lula foi incapaz de fazer uma única referência crítica ao problema das liberdades, por ocasião de sua visita a Cuba (em setembro de 2003)."

América Latina

Fausto avalia que a figura de Fidel Castro ainda desperta "muita ilusão" no Brasil e na América Latina. De acordo com o filósofo, as "imensas" desigualdades na região deixam em alguns setores da esquerda a "idéia ilusória" de que o problema das liberdades públicas "não é tão urgente".

"Houve tradicionalmente, e existe ainda em parte, hegemonia intelectual de uma certa esquerda favorável ou pelo menos indulgente em relação aos totalitarismos", diz o professor.

"Em países em que há muita pobreza, desigualdade, grande corrupção e conseqüente desmoralização da chamada 'classe política', o risco das ditaduras populistas ou totalitárias é real", acrescenta Ruy Fausto.

Já na opinião de Frei Betto, todas as tendências que se assumem como esquerda têm "simpatia e solidariedade" a Cuba e a Fidel.

"Ele desperta admiração por ter feito uma revolução que, hoje, faz de Cuba o país mais avançado em índices sociais na América Latina, segundo a ONU e a FAO, e orgulhosamente independente da tutela dos Estados Unidos", avalia o escritor.

Frei Betto afirma ainda que Fidel Castro e Che Guevara ocuparão sempre "um lugar único" no imaginário da esquerda latino-americana.

"Hugo Chávez e Evo Morales são progressistas, mas não revolucionários", comenta o ex-assessor de Lula. "Mas a esquerda torce pelo êxito de seus governos por promoverem os direitos dos mais pobres."

Transição

Para Frei Betto, o socialismo cubano não vai desaparecer se Fidel, afastado do comando do país devido aos problemas de saúde que enfrenta, não voltar ao poder.

Já as relações de Cuba com os Estados Unidos, afirma o escritor, só poderão melhorar quando o governo americano "respeitar a autodeterminação da ilha e suspender o bloqueio" econômico ao país de Fidel.

"O maior legado de Fidel é a coragem de dar um basta na prepotência do governo dos Estados Unidos e sobreviver a mais de 20 presidentes americanos e 30 diretores da CIA", conclui Frei Betto.

Ao contrário do escritor, o filósofo Ruy Fausto diz acreditar em mudanças no governo cubano pós-Fidel. Mas o professor emérito da USP também vê com ressalvas o futuro das relações entre Cuba e Estados Unidos.

"A melhor oposição a Castro se esforça para preparar um pós-castrismo que não tenha a figura de um capitalismo selvagem ou de um neo-autoritarismo de direita", afirma Fausto. "Essa luta passa por uma atitude intransigente em relação a Bush."
 

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