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01/12/2006 - 09h28

Ivan Lessa: Sinfonia do café

da BBC Brasil

Déo, apodado “O Ditador de Sucessos”, gravou em 1944 um, assim apodado, “samba apoteótico”, aliás a primeira composição de outro apodado, Humberto Teixeira, o “Rei do Baião”, em parceria com Lírio Panicalli (tão bom que não sofreu apodos), gravou, dizia eu (já apodado de “O Mestre da Digressão”), um 78 com o nome que dá título (apodo?) a estas linhas: a “Sinfonia do Café”.

Tinha a novidade de vir em duas partes, ou lados A e B da bolacha em questão. Quer dizer, eram mais de seis minutos decantando as maravilhas daquela frutinha que nós costumávamos apodar (ainda e de novo) de “A Preciosa Rubiácea”.

Cantava o Déo, naqueles dois lados, que o café tinha feito gloriosa a Paulicéia. Capaz. Na verdade, a apoteose musical se devia ao fato de que, naquele ano, tiveram que queimar café que não acabava mais para manter seu preço.

O café desempenha papel de destaque em nosso cancioneiro. Noel Rosa pediu o seu café no esplêndido “Conversa da Botequim”. Café aparece muito como média com ou sem pão e manteiga. E por aí afora. Só tem uma coisa: nosso café é uma josta, conforme se diz nos meios educados.

Estou falando do café que se toma, ou se tomava, em pé, no boteco, depois de topar com um conhecido numa rua do centro da cidade ou do bairro e um dos dois fazer o tradicional convite, “Vamos até ali tomar um cafezinho”. Tomava-se o cafezinho, levava-se um papinho. Este último sempre melhor que o primeiro.

Em casa, a coisa mudava de figura. Podia ser um trabalhão e uma porcalhada danada para se preparar, servir e depois limpar a cozinha (aquele coador, aquela borra), mas alguns eram insuperáveis. Principalmente quando servidos pela dona da casa em bandeja e cafeteira decorada com florzinha colorida.

Tomava-se levantando o dedinho mínimo e nunca esquecendo de elogiar a dona da casa. Coisa fácil porque verdadeira. A dona da casa, muito orgulhosa, explicava que tinha “método próprio” ultra-secreto e que não deixava, de jeito nenhum, empregada fazer o café.

Esse método consistia invariavelmente de panela e colher de pau especiais, nunca deixar a água ferver, desligar o fogo assim que a mistura começasse a subir. Quero crer, e assim espero, que em boa parte do país assim continue. O café do papo de rua ou o do botequim, é para ser três efes mesmo, conforme a piada que não contarei.

A marcha do progresso

Daí, quando ninguém estava prestando atenção, logo depois da segunda guerra mundial, surgiram as primeiras máquinas de café expresso. Expresso, que, aliás, o dicionário Houaiss não consigna como café.

E que fique claro que nada tem a ver com “expresso”, feito em trem ou ônibus. É “espresso” assim mesmo, em italiano, como terno feito sob medida – expressamente para nós. Vira e mexe a colherzinha e logo chegou, assim como quem não quer nada, o “cappuccino”, que nunca nos ocorreu, felizmente, adaptar para “capuchinho”.

No que dá o progresso

Agora, os brasileiros vão finalmente aprender a tomar café. Uma ubíqua operadora americana, que estendeu seus tentáculos pelo mundo, como vilão de James Bond, decidiu finalmente acabar com a intranquilidade dos brasileiros, esses eternos novidadeiros, e lançar sua primeira loja, ou cafeteria, na – claro – Paulicéia, o que é bem feito para quem queimou café.

Agora, os brasileiros vão finalmente aprender a tomar café. Uma ubíqua operadora americana, que estendeu seus tentáculos pelo mundo, como vilão de James Bond, decidiu finalmente acabar com a intranquilidade dos brasileiros, esses eternos novidadeiros, e lançar sua primeira loja, ou cafeteria, na – claro – Paulicéia, o que é bem feito para quem queimou café.

Os tupiniquins irão afinal tomar um “café decente” em todas as suas quase infinitasvariações: “latte”, “mocha”, “mochaccino”, “americano”, “corto”, “grosso”, “pavarotti”, “nessun”, “dorma” e assim por diante. Mais: vão sentar-se em vastos e confortáveis sofás e poltronas e ficar horas batendo um papo tolo ao som de uma bossa nova chatinha ao fundo.

Parabéns, Brasil. Parabéns, brasileiros. Nada contém os prazeres da modernidade. Mas ver aquele coador quase preto secando na cozinha, esse podem esquecer. Ou começar a ir lembrando. Por aí.
 

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