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13/12/2006 - 11h26

Análise: Morte de Pinochet encerra capítulo na história do Chile

MARCIA CARMO
da BBC Brasil, em Santiago

O ex-presidente chileno Ricardo Lagos disse que a morte do general Augusto Pinochet fecha um capítulo da história do Chile.

“Agora temos que olhar para a frente e tentar estar unidos por um projeto conjunto para o país”, disse.

Lagos é socialista, como a atual presidente, Michelle Bachelet, e como o ex-presidente Salvador Allende, derrubado por Pinochet em 1973.

Ele não foi o único a afirmar que o país “mudou”, apesar de ter voltado a viver, nas últimas horas, seu histórico racha entre “pinochetistas” e “anti-pinochetistas”.

Ricardo Lagos Weber, filho do ex-presidente Ricardo Lagos e porta-voz do governo Bachelet, recordou que há poucos meses, nas últimas eleições presidenciais, muitos candidatos da direita preferiram se desvincular da imagem do general ou perderiam votos.

Era uma indireta para o ex-prefeito de Santiago, Joaquín Lavín, do partido UDI, e para o empresário e também ex-presidenciável Sebastian Piñeyra, do RN. Lavín e Piñeyra não foram vistos no funeral do ex-ditador.

Nos anos do regime de Pinochet, Lavín escreveu um livro, segundo seus amigos, elogiando o governo do general. Hoje, prefere não se referir ao assunto, como contou um negociador brasileiro que viveu no Chile.

“Pinochet tirava votos, e a direita também tinha se afastado dele depois da descoberta das contas clandestinas no exterior”, lembrou Lagos Weber.

As contas num banco nos Estados Unidos foram descobertas em 2004. Pinochet teria usado vários pseudônimos.

"Amarras"

Analistas chilenos como Edmundo Bustos e Guillermo Holzman acham que o destino do Chile já não está mais ligado à herança de Pinochet.

O general deixou para os governos democráticos que o sucederam uma Constituição, de 1980, com as chamadas “amarras” (“ataduras”) que prolongaram seu poder como senador vitalício, até que perdeu a imunidade por decisão judicial, e ainda cadeiras para parlamentares e ministros biônicos da Suprema Corte de Justiça.

Mas depois de meses de negociações, várias destas “amarras” foram enterradas no governo Lagos.

Para Bachelet, segundo parlamentares socialistas, sobraram desafios da era Pinochet, como a concentração de renda e o sistema eleitoral que, por matemática, ainda permite que a UDI e a RN – pilares da era Pinochet – tenham cadeiras garantidas nas eleições para o Congresso Nacional.

Sem contar o gordo orçamento do Exército, um dos mais aparelhados do Ocidente, graças aos recursos garantidos com a venda do cobre.

Bachelet tem outros problemas mais urgentes, como a fragilidade energética do Chile, dependente da Argentina e da Bolívia, denúncias de corrupção contra aliados e a maior integração, como pretende, com a região.

Para a ministra da Defesa, Vivianne Blanlot, poucos são adeptos da onda de amor e ódio que nos dois últimos dias voltou a marcar a sociedade chilena.

Na sua opinião, as divisões entre "pinochetistas" e "anti-pinochetistas" só foram recordadas por causa do funeral do general. A maioria, entende Blanlot, quer um país melhor para todos, “sem os rancores e revoltas do passado”.

Para minimizar a importância do funeral de Pinochet, que reuniu cerca de 60 mil simpatizantes de acordo com a polícia, a presidente Bachelet não alterou sua agenda de trabalho.

Nas últimas horas, fez anúncios para a área de educação – bandeira de sua campanha eleitoral – e visitou obras de tecnologia no país.

Batedores de carteira

Na noite de terça-feira e madrugada de quarta-feira, horas depois do fim das homenagens a Pinochet, na Escola Militar, a atualidade chilena voltava a ser mostrada nas emissoras de televisão.

Matéria especial da TV Mega exibia como atuam os batedores de carteira nesta época do ano, surrupiando carteiras dos que estão fazendo compras de Natal em alguns pontos da cidade.

Na TV Chile (TVN), famílias de classe média alta contavam o que fazem para proteger as casas de roubos e assaltos – câmeras, segurança privada, alarmes e grades elétricas. “Em cada lugar da minha casa tem um botão de alarme e meus filhos conhecem cada um deles. Mas, por via das dúvidas, tenho também uma imagem da minha santa padroeira, a virgem de Lourdes, que tem me ajudado e nos protegido muito”, disse Josefina Sutil à TVN.

No centro de Santiago, muitos reclamam da insegurança, apesar de o Chile registrar cifras baixas neste setor, se comparado com outros países da região.

Sentado na tradicional Praça de Armas, o universitário Daniel Martinez Lleno, de 21 anos, dizia: “Eu não era nascido quando Pinochet deu aquele golpe de Estado e gerou medo, pavor em todos os chilenos. Hoje temos liberdade e eu prefiro liberdade, mesmo quando a delinqüência está crescendo no país. Também é possível resolver esse problema com democracia”.

"Café com pernas"

Além das “amarras” de Pinochet, restaram no país outras marcas daqueles tempos, como o “café com pernas”.

São cafés com pouca luz, a poucos metros do palácio presidencial, onde as garçonetes usam mini-saias ou biquínis para servir aos comensais.

“Éramos tão reprimidos que os cafés com pernas pareciam a nossa praia”, costumam justificar ex-ministros e analistas.

Naquela época, vestir vermelho, usar decote ou ser cabeludo já eram motivos para ser definido como “subversivo” ou “mulher que não é de família”.

País de maioria católica praticante, um dos últimos do planeta a permitir o divórcio e o uso de preservativos, o Chile foi o primeiro do Cone Sul a eleger uma mulher presidente, que terá o desafio de, como disse Lagos, “unir os
chilenos” – divididos em diversos assuntos, mas principalmente na política, de acordo com todas as pesquisas de opinião.
 

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