Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
16/11/2009 - 08h49

Em tempo de calouros

IVAN LESSA
colunista da BBC Brasil

"Qual é nosso próximo candidato, miss Mary?"
"É o Roberval da Silva."
"E de quem ele vai fazer uma cópia?"
"Roberval vai fazer uma cópia de Orlando Silva."

Era mais ou menos assim que os calouros eram apresentados por Renato Murce e sua assistente, "miss Mary", que nunca cheguei a saber quem era e se copiava alguém. O nome do programa era Papel Carbono, ia ao ar aos domingos de noite na PRE-8, Rádio Nacional, nos cada vez mais idos da década dos 40.

Era uma produção de Renato Murce, radialista veterano, responsável ainda por outro sucesso dominical na mesma Nacional, no mesmo domingo: Piadas do Manduca, um antecedente da Escolinha da Professor Raymundo. Renato Murce deixou registrado para sempre na história de nosso (arrã!) "sem fio" um número beirando o infindo de produções. Assim de estalo, sem googlar nada, me lembro também de Alma do Sertão. E que Renato Murce foi casado com Eliana, a nossa vedete dos filmes da Atlântida.

O nome do programa é a única implicância que eu tinha, e ainda tenho um pouco, para ser franco. Papel Carbono. Fica parecendo que os aspirantes à fama eram obrigados a imitar alguém. Nada disso. Simples bolação meio mal bolada apenas. Os calouros chegavam e mandavam sua brasa. Se é que a tinham. Para ficar num lugar-comum, pode-se dizer, sem medo de errar, que Papel Carbono foi um "celeiro de astros". Atenção para alguns dos nomes que se apresentaram pela primeira vez no danado do programa do bom Murce. E aí, sim, eu googlei. Vamos lá. Ângela Maria, Os Cariocas, Doris Monteiro, Agnaldo Rayol, Roberto Carlos, Baden Powell e por aí afora. Só para dar uma ideia.

Os programas de calouros nasceram com A Hora dos Amadores do Major Bowes, lá nos Estados Unidos, claro. O Major apareceu em muitos filmes e shorts. Nele se apresentou pela primeira vez, em 1935, Frank Sinatra e três amigos de Hoboken, sua cidadezinha natal do outro lado do rio Hudson, em Nova York. "The Hoboken Four", chamavam-se. O disco está lá em casa e na de muito colecionador. Cantaram "Shine", Sinatra fazendo a primeira voz, ou solista.

Voltemos ao Brasil. Proliferaram os programas de calouros. No rádio e ainda pegou televisão, como deve continuar pegando. Sai barato, entre outras coisas. Ary Barroso teve sua Hora do Calouro. Mais: Calouros em Desfile, Programa do Gongo, A Hora do Pato. Muito celeiro, astros à beça. Sim, nem todos viraram Roberto Carlos, Baden Powell ou Ângela Maria. Mas tiveram seu momento ao sol. Que, então, brilhava nos palcos dos auditórios.

Prolegômenos para falar mal desse raio de século que ainda não completou 10 malditos anos. Ainda melhor, no entanto, que perambular pelos campos minados do Iraque ou Afeganistão.

O Fator X, Ídolo Americano. Dois programas de calouros de luxo. No sentido de vestimenta, produção, promoção. Os dois programas mais populares nos dois lados do Atlântico em língua inglesa. Sendo popular em inglês, juro de pés juntos que proliferam versões nas mais diversas línguas e sotaques. O Brasil foi contemplado? Nem vou googlar. Apenas dar vazão à minha ira com o fenômeno que bate recordes de audiência. São calouros de luxo, como já frisei. Dão margem ainda para essa enganação a que chamam de "interatividade", ou seja, o telespectador pode votar em seu calouro (pagando pelo privilégio, claro) pelo telefone. Outro dia mesmo, aqui, 18 milhões se prestaram a essa tolice.

Apenas duas observações e eu andei observando aqui uns 5 minutos do Fator X (o Ídolo é a versão americana). De estalo, fiquei abismado com a falta de talento. Deve ser isso o tal 'fator X'. Falta de talento. Pensei melhor. Mas é claro. A produção está certa. Esses sim são cópias, são os autênticos papéis carbonos. De intérpretes milionários destituídos de qualquer interesse, da mais vaga originalidade musical.

Por falar em milionário. Preside os trabalhos de julgar no palco, aqui e nos Estados Unidos um cavalheiro por nome Simon Cowell. Lá está nas folhas: vale mais que US$ 150 milhões. Homem mais bem pago da TV americana. E britânica. Só no ano de 2008, faturou US$ 75 milhões. Segundo a revista Forbes(bleargh!), é uma das 25 pessoas mais poderosas do planeta, em termos, lógico, de "show biz", conforme se diz no Maranhão. Uma reportagem em revista britânica que se diz séria afirma, "Simon Cowell é mais famoso que Deus e a Rainha".

Pode ser. Veste-se e a seus calouros com o capricho e o luxo de uma escola de samba riquérrima. Ou de um show em Las Vegas, para afastar mais daqui essas patetices. Isso aí. Saudade e é o que me sobrou dos calouros ou "cópias" do Renato Murce e de "miss Mary". Só podiam contar com um microfone e o imenso talento que carregavam consigo. Ângela Maria, Baden, Roberto Carlos, Os Cariocas... Enfim, essa turma que ficou e ficará. Para sempre.

 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página