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15/01/2010 - 17h38

Artigo que defende poligamia para mulheres causa polêmica no mundo islâmico

da BBC Brasil

Um artigo da jornalista saudita Nadine al-Bedair, em que defende o direito da mulher muçulmana de ter até quatro maridos, vem causando polêmica no Egito e no mundo árabe.

Intitulado "Eu e meus quatro maridos", o artigo foi publicado há cerca de um mês no diário independente egípcio "Al Masry Al Youm".

As críticas sobre o conteúdo do texto vêm aumentando, especialmente no Egito, onde várias autoridades islâmicas e políticos atacaram verbalmente Nadine, acusando seu trabalho de sexualmente provocativo e inflamatório.

"Deixe-me escolher quatro, cinco ou mesmo nove homens, do jeito que a minha imaginação mais selvagem deve escolher. Eu os escolherei em diferentes formas e tamanhos, um deles será escuro e o outro será loiro... eles serão escolhidos de diferentes culturas, religiões, raças e nações", escreveu a jornalista já no primeiro parágrafo do artigo.

De acordo com a lei islâmica, homens muçulmanos têm o direito de ter até quatro esposas, desde que tratem todas com igualdade de condições.

E alegando o "espírito de igualdade entre os seguidores da fé", Nadine propôs que as mulheres também tivessem acesso à poligamia.

"Há muito tempo que tenho questionado o porquê de os homens terem o monopólio neste direito. Ninguém até agora foi capaz de me explicar convincentemente o porquê de eu ser privada da poligamia", reclama ela em seu artigo.

No artigo, ela também questiona justificativas tradicionais para a poligamia, incluindo aquelas de que serviria de amparo às viúvas, divorciadas e mulheres que não conseguem achar um marido, de que homens têm maior apetite sexual, que mulheres não conseguem lidar com mais de um homem e que determinar a paternidade em mullheres com múltiplos maridos seria impossível (uma justificativa obsoleta por causa da ciência moderna).

Nadine termina seu artigo pedindo que ou a sociedade permita a poligamia para as mulheres ou que defina um novo "mapa matrimonial".

A jornalista, que mora em Dubai, também é apresentadora de um programa no canal Al Hurra, emissora de TV em árabe baseada nos Estados Unidos. Seu programa semanal, Mosawat, gira em torno de temas ligados aos direitos das mulheres no mundo árabe.

Furor

Como já era esperado, vários grupos reagiram com furor às afirmações e ousadia da jornalista saudita em seu artigo.

Um importante clérigo egípcio, o xeque Mohamed Gama'i, falou com a BBC Brasil por telefone sobre o caso.

"Nenhuma mulher tem o direito de atacar nossas tradições. Alguém deve pará-la e impedir que continue ofendendo o Islã desta maneira", disse o religioso.

Para ele, normas religiosas são mais antigas e inquestionáveis do que "o apetite sexual e a mente fértil e fantasiosa" de uma jornalista rebelde.

O artigo de Nadine também irritou alguns círculos políticos mais conservadores do Egito. O deputado Khalid Fouad Hafez entrou com uma ação contra a jornalista Al Bedair e o editor-chefe do jornal, Magdi al-Galad, acusando-os de promover o vício.

Falando à mídia árabe, Hafez disse que o artigo era uma blasfêmia e estimulava atos imorais que violavam o código penal egípcio.

Segundo ele, independentemente da nacionalidade da jornalista e do país de residência, a Justiça tem que tomar uma ação contra um crime cometido no Egito.

Liberdade de expressão

Desde o início da polêmica, a jornalista saudita evita comentar sobre o caso. Mas outros jornalistas e sociólogos saíram em defesa de Nadine.

A jornalista jordaniana Salwa Al Lubani escreveu um artigo em que defendeu o direito da colega em discutir qualquer tópico, argumentando que a sociedade tem o mesmo direito de discutir os pontos que são enfatizados.

"Processar Nadine ou qualquer outro jornalista é inapropriado, e uma ação destas em pleno século 21 reflete o aumento do fanatismo no mundo islâmico. Nos anos 60 e 70 do século passado, os escritores tinham mais liberdade de expressão do que hoje", defendeu Salwa em seu artigo.

O caso de Nadine também acendeu discussões em fóruns de mídia pelo mundo árabe, com mulheres se colocando a favor da jornalista e pedindo o fim da poligamia masculina, e outros atacando Nadine por sua "ousadia e blasfêmia".

A socióloga libanesa Sofie Saadeh disse que o artigo da jornalista é apenas mais um de muitos tabus e crises que a sociedade islâmica vem enfrentando nos tempos de hoje.

"Nós estamos vivenciando uma crise no mundo árabe e islâmico porque a região quer se modernizar e há uma nova geração que questiona diversos aspectos tradicionais ligados ao passado", disse ela à BBC Brasil.

Segundo Saadeh, os choques são inevitáveis, e a oportunidade de discutir novas ideias não pode ser perdida por causa de normas antiquadas.

Outro clérigo egípcio, Sheikh Amr Zaki, questionou o conceito de poligamia, alegando que a poligamia simplesmente não se aplica mais à sociedade de hoje e que a prática deveria ser abolida.

"Minha visão corresponde à maioria dos círculos religiosos. Mesmo que o Islã permite a poligamia, na prática não é tão usada", salientou ele.

O governo da Árabia Saudita, terra natal de Nadine, não se pronunciou oficialmente sobre o caso. O país é o mais conservador do mundo árabe, e mulheres têm diversos direitos civis limitados, sofrendo diversas restrições.

Cidadãos sauditas podem sofrer prisões e condenações severas por ações ou comentários considerados ofensivos ao Islã.

 

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