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08/04/2010 - 08h37

(O cocô do) Patrão padrão

LUCAS MENDES
da BBC Brasil, em Nova York (EUA)

"A tubulação entupiu! Ha cocô no banheiro, na sala, na varanda. Até no jardim. Chamem o patrão para limpar!"

Esta é a premissa de um dos mais bem sucedidos reality shows dos últimos anos na televisão americana. De origem inglesa, fermentado nos Estados Unidos, "Undercover Boss" --"Patrão Disfarçado"-- há um mês arrebenta os índices de audiência.

O tema não é novo --a história e a literatura estão cheias de versões semelhantes-- mas, com tempero sentimental, é irresistível. O presidente de uma grande empresa se disfarça de empregado e passa vários dias com a mão na massa como um recém-contratado. Um fictício treinamento para servir de modelo a futuros contratados justifica a presença das câmeras.

Rick Arquilla, presidente da Roto-Rooter, uma empresa de 75 anos que desentope 90% dos canos da população americana e atua em vários outros países, inclusive no Brasil, foi o personagem do primeiro capítulo.

De blue jeans, colete amarelo brilhante, capacete de operário e óculos de plástico, Rick Arquilla, no vestiário da empresa, se transforma no incompetente aprendiz Hank Damon. Na primeira missão, vai desentupir um banheiro de um casal negro num bairro de classe média baixa.

Segue as instruções do veterano, puxa cabelos e outras sujeiras do cano até chegar numa toalha. O instrutor dele, negro, é homem fino, mas tem problemas de dinheiro desde uma operação do coração que o seguro da empresa não cobriu. Teve de queimar a poupança e tomar dinheiro emprestado para pagar as contas, mas agora está bem de saúde, não se queixa de cansaço e parece feliz no trabalho.

A outra experiência do patrão é como despachante e recebe ordens de uma jovem mãe solteira sobre como atender o telefone, falar com o cliente e enviar o desentupidor.

O patrão dá vexame porque não consegue distinguir cores e não sabe ler o sistema que ele mesmo criou, dividido em amarelo, azul, laranja e verde. Ele fracassa, mas fica impressionado com a dedicação da funcionária que tem um filho autista, ganha mal e não pode pagar pela educação especial do filho.

O terceiro, o quarto e o quinto empregados estariam nas paredes de qualquer empresa como operário padrão. Gostaria que fossem meus amigo ou até parentes.

Roto Rooter desenha e fabrica muitas de suas peças nos Estados Unidos. Se fosse para o México ou para China, faria grande economia, mas o patrão se comove a ponto de chorar com a dedicação dos empregados.

Um outro, depois de limpar cocô o dia inteiro, vai ser técnico de basquete de adolescentes que ele busca e leva para casa para evitar que sejam contaminados pelas drogas e gangues das ruas de Chicago. E há Chris, que, como o pai do patrão, era alcoólatra. Está sóbrio há seis anos, mas o pai de Rick não teve a mesma firmeza e morreu pelo gargalo.

O final provoca nova choradeira quando o patrão convoca os empregados, confessa que é o presidente da empresa e distribui aumentos e benesses. O técnico de basquete ganha um furgão capaz de transportar 15 jogadores. A despachante ganha de presente a educação do filho, o cardíaco recebe da seguradora o dinheiro que gastou e Cris passa a ser o palestrante oficial da empresa para salvar alcoólatras e outros viciados. E, claro, apesar do prejuízo, a empresa patriota vai continuar nos Estados Unidos.

Em tempos normais, já seria uma fórmula campeã. Nesta crise, com milhões de desempregados, mais do que um programa de televisão, o Undercover Boss é uma terapia. Haja lenço. Como é bom trabalhar para uma grande empresa americana com seus patrões sensíveis e solidários!

Não é bem assim, revelam economistas que analisaram os números das empresas entre 1980 a 2005. Quase 100% dos novos empregos --40 milhões-- foram criados por empresas que começaram com cinco ou menos empregados.

General Motors e as grandes corporações, quando não cortam empregos geram pouquíssimos. E 25% das pequenas empresas na área de tecnologia que geraram tantos empregos foram criadas por imigrantes.

O professor e palestrante Fernando Dolabela, um dos maiores gurus brasileiros do empreendedorismo, sai pelo Brasil e pelo mundo pregando "que todos empregados são infelizes, preguiçosos, sem sonhos e que na empresa a única certeza é a demissão", diz ele.

E o patrão Estado, sonho de tantos brasileiros? Se o presidente Lula fosse se disfarçar de empregado, onde iria trabalhar? Ou estaria no Bolsa Família?

 

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