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13/01/2001 - 03h06

Presos políticos do regime militar fazem reunião

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LUIZ ANTÔNIO RYFF, da Folha de S.Paulo

Tradicional reduto da boemia carioca, o Café Lamas (zona sul) acolhe hoje uma festa de aniversário diferente. Uma comemoração pelos 30 anos de um vôo para o Chile que, em 13 de janeiro de 1971, levou 70 presos políticos trocados pelo embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher.

"É como uma reunião de turma", afirma o ex-militante da VAR-Palmares Jaime Cardoso, atual secretário estadual de Trabalho e um dos organizadores do encontro, junto com Francisco Mendes, professor de história e ex-militante da ALN (Aliança Libertadora Nacional).

É a reedição de uma reunião ocorrida há cinco anos, quando muitos deles se viram pela primeira vez desde 1973 -ano em que o golpe no Chile forçou uma diáspora de exilados brasileiros.

Hoje, a expectativa é que metade dos 70 refugiados apareça para lembrar o episódio e a época em que sonhava derrubar pelas armas o regime militar.

Alguns não poderão participar. É o caso de Bona Garcia, um ex-militante da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) que hoje é corregedor do Tribunal Militar do Rio Grande do Sul.

"Vou estar de plantão", lamenta, resignado. "Existe um carinho muito grande entre nós", diz ele, que avalia a guerrilha como "produto de uma época e de uma situação". "Luta armada de novo? De maneira nenhuma. Seria muita burrice."

Futebol com Lamarca
Realizado pelo ex-capitão do Exército Carlos Lamarca e por militantes da VPR, o sequestro de Bucher, em dezembro de 1970, foi a quarta e última operação do tipo realizada pela esquerda durante o regime militar.

Antes de Bucher -que morreu na Itália, em 1992, aos 75 anos-, foram sequestrados um embaixador norte-americano, um cônsul japonês e um embaixador alemão.

Secretário de Urbanismo do Rio, Alfredo Sirkis lembra com afeição do embaixador, a quem deu um disco da cantora de protestos Joan Baez ao ir embora. "Foi uma síndrome de Estocolmo mútua", diz, aludindo à forma como é conhecida a simpatia do sequestrado pelos captores.

Como a provar isso, Bucher disse que não poderia identificar os sequestradores, que abandonaram o uso do capuz nos primeiros dos 40 dias de cativeiro.

Um cativeiro que teve momentos "sui generis". Sirkis lembra que, para manter a fachada de normalidade, os cinco guerrilheiros que mantinham Bucher preso organizaram uma festa de réveillon em que os vizinhos, sem saber, puderam dançar com o inimigo público número um do regime militar.
Visto por um morador, Lamarca teve que mostrar a cara e chegou a jogar futebol na rua com a criançada.

"Para mim a guerra acabou. E acabou com a anistia (em 1979)", afirma ele, que diz não ver sentido em uma polarização entre ex-guerrilheiros e militares. "Tanto nós como eles fomos vítimas da ilusão da guerra fria."
Trinta anos depois, Sirkis ironiza. "Naquela época pensávamos em carro-bomba. Agora somos burocratas."

Nem todos os trocados pelo embaixador viveram para participar da reunião. Há os que morreram no exílio, como Maria Auxiliadora Lara Barcelos, que se jogou na frente de um trem de metrô em Berlim, e de frei Tito, que se suicidou em Paris.

Crianças banidas
Outros personagens desse episódio também não estarão presentes. É o caso das três crianças levadas para o Chile pelos pais Bruno e Geny Piola, militantes da VPR. Tatiana, Bruna e Kátia tiveram direito a figurar no álbum de banidos preparado pelo Centro de Informação do Exército, "fichados" entre os subversivos. Hoje, vivem na Itália.

Outro ausente será o médico Ângelo Borgese, que estava na primeira das quatro listas de 70 presos a serem soltos e entrou para a história como aquele que não quis ser libertado.

"Não saí porque tinha a minha consciência tranquila. Não tinha envolvimento nenhum com aqueles grupos. O exílio seria muito pior do que ficar no xadrez", afirma ele, que perdeu a patente de capitão do Exército e hoje tem uma clínica no interior do Rio Grande do Sul.
 

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