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16/02/2001 - 03h31

Jader e FHC são as mesmas pessoas, diz ACM

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JOSIAS DE SOUZA
da Folha de S.Paulo, em Brasília

"Tenho me controlado bastante para não ser um adversário de Fernando Henrique." Quem vê a frase pingar dos lábios de Antonio Carlos Magalhães imagina que, mesmo ferido, ele conserva a condição de aliado.
Quem ouve o resto, se espanta. Em entrevista à Folha, ACM afirmou:

1) "Há no governo ministros que utilizam o dinheiro público para fins escusos";

2) "A guerra (pelas presidências da Câmara e do Senado) foi suja. O dinheiro público teve presença forte. Mudaram até posição de governador (Neudo Campos, de Roraima)";

3) "Fernando Henrique evidentemente não ficou neutro numa disputa em que a compra de votos foi visível";

4) "Fernando Henrique ganhou com Jader. Jader e Fernando Henrique são as mesmas pessoas";

5) O presidente "vai ter que agir; do contrário, o governo dele pode ter êxito econômico, mas não terá êxito moral."
ACM falou à Folha ontem pela manhã, em seu gabinete, vizinho ao da liderança do PMDB e com vista panorâmica para o Palácio do Planalto.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista, que durou das 11h às 13h30.

Folha - O sr. dormiu bem a noite passada?
Antonio Carlos Magalhães -
Surpreendentemente bem.

Folha - Tomou tranquilizantes?
ACM -
Não, dormi naturalmente.

Folha - Na sessão de quarta-feira, o que doeu mais: cantar o nome de seu desafeto 41 vezes ou proclamá-lo presidente do Congresso?
ACM -
Nem uma coisa nem outra. Eu já esperava o resultado. O meu discurso já estava pronto para aquele resultado.

Folha - 41 senadores votaram naquele que o sr. chama de ladrão. O sr. exagerou ou os seus pares deram as costas para a moralidade?
ACM -
Acho que o Congresso ficou maculado. Algumas figuras não dirão em seus Estados que votaram em Jader. Esse é o problema do voto secreto.

Folha - Que figuras?
ACM -
O senador Pedro Piva, por exemplo. Ele precisa explicar para sua família, inclusive para o filho (Horácio Lafer Piva), presidente da Fiesp, se votou num homem de bem. Quem votou no Jader precisa sair se esgueirando. Isso é um problema terrível para homens como Pedro Simon.

Folha - O sr. já contabilizou os que o traíram?
ACM -
Prefiro não fazer a conta. Mas é óbvio que a guerra foi suja. O dinheiro público teve presença forte. Mudaram até posição de governador.

Folha - Que governador?
ACM -
Alguns pobres, como o de Roraima (Neudo Campos).

Folha - Ele recebeu dinheiro?
ACM -
Ele mudou a orientação de parlamentares, para receber verbas para o seu Estado.

Folha - Verbas de onde?
ACM -
Do Ministério dos Transportes (Eliseu Padilha), da Integração Nacional (Fernando Bezerra). Todos sabem como funciona isso.

Folha - O sr. foi responsabilizado pela derrota do PFL. É apontado por Jader Barbalho como grande cabo eleitoral dele. O sr. se considera pai de toda essa reviravolta?
ACM -
Eu me considero o homem que teve a coragem de defender a moralidade pública mesmo sozinho. Exibo a minha vida e peço que comparem com a dele. O Ministério Público está com todo o material e deve uma satisfação ao país.

Folha - Quem acompanha a desavença nota que duas das principais lideranças do Senado consideraram-se mutuamente desonestas. Por que acusações tão fortes se perdem no vento?
ACM -
Porque o procurador-geral Geraldo Brindeiro é um homem que não gosta de brigar com ninguém. Vive tangenciando. Tendo recebido denúncias em abril do ano passado, já deveria ter dado uma resposta ao Brasil. Não é possível que a minha figura possa ser comparada em desonestidade, aliás não aceito a sua pergunta, com a de Jader Barbalho.

Folha - Do ponto de vista ético, a campanha não deixou boa impressão do Parlamento. Trocas de dossiês, grampos telefônicos... Isso não o incomoda?
ACM -
Quem deveria se incomodar é a imprensa, que coloca a questão como uma briga entre duas pessoas. Na realidade, é uma briga de princípios.

A imprensa pega um grampo que mostra a compra de deputados e diz que crime não é a compra, mas o grampo. Nessa base, não se pega nunca os desonestos.

Folha - O sr. está por trás do grampo?
ACM -
Dou minha palavra de honra que não. Fui ministro das Comunicações e nunca grampeei ninguém. Fui apenas informado sobre isso. Por que não se faz uma CPI sobre a compra dos deputados?

Folha - Alguns deles estavam até ontem no PFL. Já não se comportavam assim?
ACM -
O PFL não deixava. Por isso mudaram.

Folha - Mas eles não pediam cargos e verbas?
ACM -
Cargo político no Estado podia ser. Verba, na Bahia, não existe. Isso é coisa que existe aqui, na Esplanada, no governo federal. O que você pode dizer, com alguma razão, é que alguns eram reincidentes. José Lourenço, por exemplo, quando esteve sem mandato, recebia R$ 15 mil mensais do Bradesco, só para fazer lobby na Câmara. Fez lobby no caso dos precatórios. Acompanhava o dr. Lázaro Brandão aqui, em toda parte.

Folha - Falando em investigar grampos, por que não se investigou a compra de votos a favor da reeleição de FHC?
ACM -
Esse assunto foi na Câmara. Se fosse no Senado, nós talvez tivéssemos tomado outras providências. O PFL talvez não tenha se portado bem. Defendeu o ministro Sérgio Motta, um dos acusados, sem investigação. Acredito que a Câmara poderia ter feito uma apuração.

Folha - Por que a candidatura de José Sarney deu para trás?
ACM -
Eu não seria leviano de lançar a candidatura do Sarney sem conversar com ele. Foi tudo conversado. E ele falou com o presidente da República, que deu sinal verde. Aí houve um erro: o Sarney não quis uma candidatura de luta, mas de consagração. Sabia que, sendo candidato, venceria. Mas não queria vencer com 40 votos, queria 70. Isso não acontece mais. Ele ainda admitiu ser candidato se o Jader desistisse. Coisa que eu achei, partindo de um homem experiente como ele, uma ingenuidade.

Folha - Em diálogos privados, vazados para os jornais, o sr. confidenciou que FHC se negara a entregar um ministério a Jader por considerá-lo desonesto. Verdade?
ACM -
Por considerá-lo sem condições para o cargo e, inclusive, com o receio de que a mídia revivesse os casos de Jader Barbalho. Isso é verdade.

Folha - Faz tempo?
ACM -
Sim. Na ocasião, houve uma mudança de ministério. Sobrou para o Eliseu Padilha a pasta dos Transportes. Ou seria Eliseu quadrilha? Nunca sei direito. Acho que é quadrilha mesmo.

Folha - Nas mesmas conversas, o sr. teria dito que FHC negou-se a entregar outro cargo a Moreira Franco.
ACM -
O presidente brinca muito. Às vezes brinca com verdades. Piada ou não, ele disse a mim que o Moreira Franco queria ir para a BR (Distribuidora, subsidiária da Petrobras), mas que ele não poderia ir para lugar nenhum que tivesse cofre.

Folha - A restrição feita pelo presidente a Jader embutia o aspecto moral?
ACM -
Claro que sim. Ele pensava que pudesse haver uma reação maior da imprensa em relação ao nome e às coisas que ele conhecia do passado do Jader.

Folha - Nos últimos anos, o Planalto interpretou declarações suas como uma tentativa de diminuir a autoridade do presidente. Ontem, o Planalto festejava, discretamente, o seu infortúnio...
ACM -
Não aceito a palavra infortúnio. Sua qualificação é errada. Sou um vencedor. Covardes são os que não tiveram a minha atitude, de defesa da moralidade.

Folha - Retomando: comemorava-se o desfecho da campanha como se uma pedra tivesse sido removida do caminho do presidente. O sr. crê na afirmação de Fernando Henrique Cardoso de que se manteve neutro no processo?
ACM -
Ele não se manteve neutro. Permitiu que ministro seu (Fernando Bezerra) se demitisse para vir votar; permitiu que o sr. Padilha -ou quadrilha- liberasse verbas; permitiu que Fernando Bezerra fizesse o mesmo; permitiu que esclarecimentos sobre o escândalo da Sudam permanecessem guardados até o dia 4 de março. Fernando Henrique evidentemente não ficou neutro numa campanha em que a compra de votos foi visível.

Folha - O sr. acha que ele agiu por vingança?
ACM -
Ele não tem razões para se vingar de mim. Ainda outro dia, declarou que ajudei mais do que atrapalhei. Ele não teve nada que não fosse ajudado por mim. Apenas não aceitei ser subserviente ao Palácio do Planalto. Vejo isso como uma virtude.

Folha - O Planalto faz uma distinção entre o PFL de ACM e o de Bornhausen e Maciel, com quem o presidente teria maior afinidade. Qual a sua impressão sobre isso?
ACM -
Questão de gosto. Fico contente se ele ficar com o Marco e com o Bornhausen. São dois homens de bem.

Ele também teve preferência pelo Luís Eduardo (Magalhães), que fez muito por ele. Muito do que o Luís Eduardo sofreu, que o levou ao infarto, além do fumo, talvez tenha sido decorrência das lutas que travou em favor de Fernando Henrique. Em atenção a essa amizade que meu filho tinha por ele e que, acredito, ele também tenha por meu filho, tenho me controlado bastante para não ser um adversário de Fernando Henrique.

Folha - O sr. não se considera adversário?
ACM -
Não. Sou um homem que cumpre o dever de alertá-lo sobre coisas erradas. Nem sempre ele gosta. Quem está no poder não gosta de ser contrariado nem gosta de sair do poder.

Folha - O sr. saiu do poder ontem.
ACM -
Estou satisfeitíssimo. Estou acostumado a ganhar poder, sair do poder, voltar ao poder. Isso para mim é uma rotina. Para ele não é. Vem de outra escola.

Folha - Que escola?
ACM -
Chegou aqui numa suplência do Franco Montoro. Depois, elegeu-se com o Mário Covas. Nunca teve militância política ativa. Mas é inteligente e capaz. Tem sido útil ao país na parte econômica.
Se reagisse nos aspectos morais, agora que também já está atuando no campo social, seria um presidente para receber nota nove ou dez.

Folha - No discurso de despedida, o sr. disse que o presidente tem do que se gabar, mas merece reparos. Numa variação da frase dita a correspondentes estrangeiros, aquela sobre a tolerância de FHC com a corrupção, o sr. reafirmou que alguns dos ministros dele não se pautam por valores morais. O sr. está mesmo convencido de que se rouba no governo?
ACM -
A sua pergunta, envolvendo o presidente Fernando Henrique, eu não respondo. O que digo é que há no governo ministros que utilizam o dinheiro público para fins escusos, inclusive compra de deputados, e, quem sabe, ainda não posso garantir, em proveito próprio.

Folha - Nomes...
ACM -
Você sabe. Eu me refiro aos ministérios que estão sob orientação do PMDB. Estou sendo muito claro. O presidente já tem isso em carta minha, enviada a ele há mais de dois anos. Ele poderia agir com mais dureza, em respeito ao seu passado, ao seu presente e à sua biografia futura. Ele vai ter que agir assim. Do contrário, o governo dele pode ter êxito econômico, mas não terá êxito moral.

Folha - O desfecho da disputa no Congresso beneficia José Serra?
ACM -
Isso não tem pé nem cabeça. A influência é próxima de zero. Prefiro o Tasso com o apoio de Covas ao Serra com o apoio de Jader. Gostaria de ver o presidente Fernando Henrique apoiando Jader Barbalho para qualquer outro posto da República. Quero ver ele dizer: eu sou fiador de Jader Barbalho. Por que não diz? Deveria dizer.

Folha - O que o sr. pretende fazer agora?
ACM -
Serei um homem independente, apoiando as propostas corretas e votando contra aquelas que forem inconvenientes. Não tenho nada de pessoal contra o presidente, mas também nada me obriga a apoiar atos que não julgue corretos. Em 2002, o povo baiano me dá um mandato de qualquer jeito, seja de governador ou de senador, depende da minha escolha.

Folha - O que é ser independente?
ACM -
Não vou faltar ao governo nas coisas que julgar que são corretas. Entretanto, serei um vigilante, um fiscal do governo naquilo que acho que ainda está errado e precisa ser mudado. Coisas que o presidente Fernando Henrique, talvez por teimosia, talvez porque eu reclame, não faz. O governo tem obrigação de sair bem na economia, no social e na moralidade. Se errar num desses três pontos, Fernando Henrique não será bom eleitor em 2002.

Folha - O PFL ficará fora dos postos de comando no Congresso. O sr. não receia que...
ACM -
A presidência do Senado ou da Câmara vale para a pessoa, mas não para o partido. Para mim, valeu muito. Provavelmente vai valer para o Jader e para o Aécio. As presidências têm relevância institucional, mas não partidária. O que vale mais: um Padilha, com aquele dinheirão todo, com aquelas verbas do DNER, ou o Jader na presidência do Senado? Garanto que ninguém troca o Padilha.

Folha - Quando o sr. falou pela última vez com o presidente?
ACM -
Há uma semana.

Folha - Foi um encontro cordial?
ACM -
Sim, fui agradecer uma carta que ele me mandou, com palavras até afetuosas. Fui agradecer e dizer o que se passava no Senado.

Folha - Qual foi a reação dele?
ACM -
Isso cabe a ele dizer.

Folha - O sr. traçava um quadro...
ACM -
Eu traçava um quadro indesejável, para evitar uma participação ativa dele. Mas Fernando Henrique ganhou com Jader. Jader e Fernando Henrique são as mesmas pessoas.

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