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14/04/2001 - 03h36

Gripe mata índios que nunca tiveram contato com brancos

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da Folha de S.Paulo

Oito índios da tribo dos tsohon-djapas morreram de gripe nos últimos quatro anos, mesmo sem ter tido contato direto com os brancos. Os indígenas, que vivem em duas aldeias separadas próximas à cabeceira do rio Jutaí, no sudoeste do Amazonas, contraíram o vírus de outra tribo, a dos canamaris, que desde o século passado mantém contato com seringueiros e madeireiros.

Uma equipe da Funai (Fundação Nacional do Índio) visitou no final de semana passado uma das aldeias dos tsohon-djapas. Foi a primeira vez que a tribo encontrou um grupo branco.

Mesmo assim, para a fundação, os tsohon-djapas não podem ser considerados índios isolados, por já terem tido contato, em segunda mão, com o mundo tecnológico. A tribo dos tsohon-djapas é dominada pela dos canamaris, que lhes fornece víveres em troca de trabalho.

A gripe é um símbolo do fim do isolamento. Geneticamente, os indígenas não têm resistência ao vírus da gripe, de origem européia, que dizimou centenas de milhares de índios após 1500.

Semi-escravidão

Os tsohon-djapas se dividiram por influência dos canamaris. Há menos de quatro anos, um grupo foi morar na beira do rio Jutaí, a 15 km da aldeia dos canamaris, e passou a viver em regime de semi-escravidão. O grupo caça e faz roça para os canamaris, em troca de roupas velhas, sal e sabão. Os demais tsohon-djapas continuam embrenhados na selva, mas o vírus da gripe chegou até eles.

Cinco mortes ocorreram entre os tsohon-djapas que ainda vivem na selva, sendo duas de crianças. Na aldeia ribeirinha, morreram dois homens e uma mulher. "Eles pegaram a 'torná' (gripe, na língua dos indígenas) e saíram andando porque queriam morrer no meio do mato. Mas morreram no meio do caminho", contou Sabá, o único dos tsohon-djapas que fala um pouco de português.

Estima-se que, nas duas aldeias, vivam menos de 60 índios. "É preocupante o fato de o vírus ter alcançado as duas aldeias. Primeiro porque eles seriam mais felizes se tivessem permanecido isolados, tanto dos canamaris quanto dos brancos. Segundo, porque eles perderam o isolamento, ganharam a doença, mas não têm remédio", disse Sydney Possuelo, chefe da expedição da Funai que está sondando a região em busca de informações sobre índios completamente isolados.

Os dois encontros dos tsohon-djapas com a equipe da Funai foram tranquilos. Os índios não pareceram temerosos, mas admirados com o barulho e as roupas dos visitantes. Deixaram os indigenistas entrarem em suas casas e, quando estavam longe dos canamaris, reclamaram de sua situação. "Eles mandam em nós", definiu Sabá, que aparenta ter mais de 40 anos, cabelos pretos até os ombros e barba rala no queixo. Sua única roupa é um calção cinza, uma camiseta azul desbotada com a inscrição "Flórida" e um boné de campanha do governador Amazonino Mendes (PFL).

À exceção do boné, essa é a vestimenta normal dos homens da tribo ribeirinha. Em geral, eles usam uma coroa de palha que chamam de "guitã". As mulheres também são maltrapilhas e combinam vestidos furados com sutiãs. Todos têm menos de 1,65 m, são desdentados e têm a pele marcada por picadas de mosquito.

O grupo vive em duas palafitas de mais de 10 metros de comprimento. Para chegar à casa, é preciso entrar no rio até a altura dos joelhos. Os índios dormem em redes costuradas com cipós e usam flechas para matar queixadas e antas, suas caças favoritas. No período da seca, plantam mamão, bananas, arroz, cana-de-açúcar e macaxeira.
 

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