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28/08/2001 - 02h48

Maluf diz que sofre "perseguição pessoal"

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da Folha de S. Paulo, em Brasília

O ex-prefeito Paulo Maluf disse em entrevista por escrito que a investigação sobre sua conta no paraíso fiscal de Jersey começou a partir do Brasil. "A investigação partiu daqui para lá. Essa história toda começou aqui no Brasil. Estranho essa perseguição pessoal. Por que outras lideranças políticas nunca foram investigadas no exterior?", afirmou.

A Folha procurou o ex-prefeito durante alguns dias para que ele se manifestasse sobre o caso Jersey. Na semana passada, Maluf concordou em falar, mas impôs condições: teria de ser uma entrevista de 20 perguntas, às quais ele responderia por escrito.

Maluf também exigiu que cinco perguntas apenas fossem sobre o caso Jersey. Outras cinco seriam sobre a Prefeitura de São Paulo, cinco sobre o estado da economia do país e as restantes sobre o governo paulista.

No sentido de dar voz à versão de Maluf, a Folha concordou com a proposta do ex-prefeito. Mesmo assim ele não aproveitou essa oportunidade para esclarecer as dúvidas sobre Jersey. Suas respostas sobre o caso são, na maioria, evasivas.

Leia a seguir a entrevista:

Folha - Como é possível o sr. continuar negando a existência de uma conta no paraíso fiscal de Jersey quando o seu nome aparece, por escrito, em um documento oficial do Coaf suíço (o Bundesamt Für Polizeiwsen) como titular da conta, onde está identificado, inclusive, o nome do banco: Citibank?
Paulo Maluf -
A conta não é minha, nem conheço as empresas. O que eu posso dizer é que não tenho conta em nenhum paraíso fiscal do mundo, em nenhum lugar que não seja o Brasil.

Folha - Se a conta não pertence ao sr., por que o sr. não solicita oficialmente ao Citibank, em Jersey e na Suíça, que envie um documento formal negando o seu envolvimento com o caso?
Maluf -
Li na Folha uma declaração de um diretor do Citibank, dizendo que eles não dão informações sobre clientes, "incluindo se uma pessoa é ou não cliente". Não vejo como obrigá-los a atender quem não é seu cliente.

Folha - O documento apresentado pelo Bundesamt Für Polizeiwsen revela dois movimentos na suposta conta: o primeiro, em julho de 1985, quando a conta teria sido aberta na Suíça logo após sua derrota no Colégio Eleitoral para Tancredo Neves; e o segundo em 1997, quando a conta do Citibank é transferida da Suíça para Jersey, oito dias depois de o sr. deixar a Prefeitura de São Paulo. A coincidência sugere, segundo os que o acusam, que o sr. teria utilizado, nos dois casos, sobra financeira de suas campanhas políticas (para presidente da República e para eleger Celso Pitta prefeito) para movimentar essas supostas contas. É verdade? Onde foram aplicadas as possíveis sobras de suas campanhas?
Maluf -
Eu nunca me envolvi com a arrecadação de contribuições de campanha, nem com seus gastos. Nesse ponto ajo como Fernando Henrique, Mário Covas e Lula. Aliás, não conheço líder político que se envolva pessoalmente nessa parte da campanha. Infelizmente, um dos meus mais leais colaboradores, no qual sempre tive confiança cega, amigo querido, de honestidade absoluta, não está mais aqui entre nós.

Folha - O início da investigação em torno da suposta conta ocorreu por causa de um pedido de informações oficiais do Coaf de Jersey para o Coaf brasileiro. Na sua avaliação, por que o Coaf de Jersey tomou essa iniciativa? O sr. acha que é apenas o resultado de um acordo internacional ou há inimigos políticos do sr. por trás das acusações?
Maluf -
Li na Folha de sexta-feira que não foi bem isso o que aconteceu. A investigação partiu daqui para lá. Essa história toda começou aqui no Brasil. Estranho essa perseguição pessoal. Por que outras lideranças políticas nunca foram investigadas no exterior?

Folha - Alguns inimigos e até aliados do sr. começam a considerar o seu envolvimento com a suposta conta em Jersey como uma espécie de "bala de prata" contra o seu futuro político. Numa eventual campanha ao governo de São Paulo em 2002, como o sr. pretende responder a acusações tão contundentes? Essa acusação não o inviabiliza politicamente?
Maluf -
Não, não me inviabiliza. Eu já tive acusação até de ter um filha fora do casamento, o que me obrigou a me submeter ao constrangimento até perante minha família de um exame de DNA, para provar que eu não era o pai. Agora vêm novos constrangimentos para que um novo DNA desminta outra vez meus inimigos.

Folha - Como o sr. acha que o país vai estar daqui a um ano?
Maluf -
O que me deixa angustiado é que poderíamos estar numa velocidade de crescimento de 5% a até 8% do PIB nesse segundo semestre, mas vamos crescer eventualmente só de 1% a 2%. Ora, num país em que o índice de natalidade é muito grande e onde existe uma entrada no mercado de trabalho de cerca de 2 milhões de jovens por ano, esse crescimento é absolutamente insuficiente. A culpa disso essencialmente é do governo, que não previu o aumento da produção industrial no ano 2000, que foi de cerca de 11% e exigiu por isso mesmo uma demanda maior de energia elétrica, em uma administração que praticamente fez a privatização desse setor. E que este governo não tenha feito os investimentos necessários nesse setor, o que hoje causa um verdadeiro breque na economia do país.

Folha - O dólar e a inflação vão subir mais?
Maluf -
O dólar já subiu cerca de 30% nos últimos sete meses, numa inflação que deveria ser de 4,8% este ano. Se isso é bom para os exportadores e beneficia o Brasil, inclusive impedindo a importação desregrada, causa também para as empresas que acreditaram no Brasil e que investiram para renovar seus equipamentos, um prejuízo em seus balanços. O balanço de contas correntes infelizmente vai ser altamente negativo este ano.

É lamentável que o presidente da República tenha dado o brado de exportar ou morrer só agora, no sétimo ano de seu governo, e não no começo de sua administração. Acho que o dólar vai subir mais e a inflação não vai se conter.

Folha - O crescimento vai estagnar?
Maluf -
Vai crescer numa taxa muito menor do que aquela que nós precisamos. Não devemos esquecer que temos 170 milhões de habitantes. Temos cerca de 70 milhões de jovens entre recém nascidos e 21 anos, que estão vindo todos os anos para o mercado de trabalho e a estagnação do nosso crescimento vai gerar sem duvida problemas sociais sérios no Brasil.

Folha - Qual o efeito da crise sobre sua empresa, a Eucatex?
Maluf -
A nossa empresa é sólida, com fábricas ultramodernas, fazendo produtos da mais alta qualidade a preços competitivos. Exporta para 50 países. Tem mais de 50 mil hectares de fazendas, 52 mil hectares de florestas com cerca de 100 milhões de arvores plantadas e cinco fábricas com alta tecnologia. Possui 3.000 funcionários, na administração direta e 7.000 na administração indireta. O nosso grande esforço hoje é direcionar tudo aquilo que não vendemos no mercado interno para a exportação. Deveremos ampliar as exportações nesse ano em cerca de 30%, o que evidentemente deve contribuir para melhorar o balanço da empresa.

Folha - O sr. está colaborando com o racionamento de energia? Qual foi a queda de consumo na sua residência?
Maluf -
Mais do que isso: instalei na minha casa um gerador a diesel. Estamos economizando a energia hidrelétrica, mas gastando óleo diesel, que é um subproduto do petróleo importado. Economizamos de um lado por falta de oferta de energia, mas infelizmente estamos gastando do outro lado, contribuindo para ampliar a importação de petróleo e gás para a geração de energia.

Além do mais a nossa empresa, a Eucatex, comprou e está no porto de Santos, vindo para a fábrica em Salto, a mais moderna turbina Rolls Royce, com gerador General Electric, para a produção de 13 mil quilowatts. Vamos produzir cerca de 40% da energia que consumimos. A queda de consumo em minha casa foi de cerca de 25%.

Folha - Qual a avaliação que o sr. faz da administração Marta Suplicy?
Maluf -
Eu sou suspeito para avaliar, mas quem é insuspeito para fazer isso, o Datafolha, lhe dá a condição de a pior prefeita das capitais do Brasil.

Folha - Entre Marta Suplicy e Celso Pitta, seu ex-secretário e depois seu sucessor, com quem o sr. ficaria hoje?
Maluf -
Marta representava uma esperança e torço para que ela seja uma boa prefeita, porque amo essa cidade. Mas toda a pregação ética feita por ela e pelo PT não tem a contrapartida da prática ética. Aí estão o aumento do preço do Leve Leite, os problemas denunciados da coleta de lixo da cidade, o preço pago pela Prefeitura pelo quilo de açúcar, os envolvimentos suspeitos do PT nos contratos de emergência, o aumento da tarifa de ônibus que dona Marta disse que não poderia ser acima de R$ 1,25 e acabou sendo de R$ 1,40.

Tudo isso faz com que haja muita suspeição sobre o que seja realmente a ética do PT na administração pública. A administração de Celso Pitta foi infelizmente muito mal avaliada pela população e eu queria reparar o meu erro por tê-lo indicado, sendo prefeito de São Paulo, novamente eleito, em 2000, porque me orgulho de ter saído da administração da prefeitura em 1996 com 90% de ótimo, bom e regular, segundo o Datafolha. Mas entre Marta e Pitta prefiro ficar com o meu antecessor na primeira administração, que foi o brigadeiro Faria Lima. Esse foi um homem que realmente arrancou e deslanchou a administração da cidade de São Paulo.

Folha - A prefeita Marta está pagando hoje R$ 0,51 a mais pelo quilo de leite em pó em relação à cidade do Rio de Janeiro. Como o sr. resolveria essa questão?
Maluf -
Havia um contrato em vigência no dia 1º de janeiro de 2001 quando dona Marta assumiu a Prefeitura. É triste ver que cancelassem esse contrato, dando-se de mão beijada o fornecimento do leite por "contrato de emergência" para outra empresa. E a preço mais caro. Agora está se pagando mais caro o leite em São Paulo do que no Rio de Janeiro e mais caro do que em todas as outras prefeituras administradas pelo PT. É um negócio suspeito, que o Ministério Público deveria investigar.

Folha - A atual administração não prevê executar nenhuma obra viária de relevância na cidade de São Paulo. Alega falta de recursos e que o se ex-aliado Celso Pitta esvaziou os cofres. O que o sr. tem a dizer a respeito?
Maluf -
A velha prática de culpar o antecessor não funciona. Sucedi Faria Lima e não o critiquei por ter deixado os cofres vazios. Sucedi Paulo Egídio e não o critiquei por deixar as suas dívidas. Sucedi Luiza Erundina e não a critiquei por ter deixado somente dívidas para pagar e obras paralisadas. Eu sou daqueles que acham que em vez de amaldiçoar a escuridão, fica melhor acender uma vela. Inaugurei todas as obras de Jânio Quadros que Erundina havia deixado paradas, comecei e terminei as minhas. Quando dona Marta diz que não vai fazer nenhuma obra, isso é desculpa de pessoa não afeita à administração pública.

Folha - Ficou melhor viver em São Paulo sem Celso Pitta na prefeitura? O seu bairro, onde a prefeita também vive, está mais limpo?
Maluf -
O meu bairro sempre foi de boa qualidade de vida, como todos aqueles urbanizados pela Companhia City: Jardim América, Jardim Europa, Pacaembu, City Lapa, City Pinheiros e outros tantos. Esses bairros têm muito boa arborização e isso se deve à livre iniciativa e não à prefeitura.

Folha - O sr. é candidato ao governo do Estado de São Paulo em 2002?
Maluf -
Não confirmo nem nego. O último Datafolha me coloca em primeiro lugar nas pesquisas, mas qualquer definição será do partido em abril de 2002.

Folha - Qual será o mote na sua campanha? Na sua opinião, o principal problema do Estado continua sendo a segurança?
Maluf -
O Estado tem problemas seríssimos de segurança. Ainda há pouco a Rede Globo mostrou uma pesquisa em que no Rio de Janeiro o índice de sequestro diminuiu de 55 por ano para 3 . Aqui em São Paulo o índice aumentou de 12 para 45 por ano. No ano de 2000 mataram na cidade de São Paulo 5.970 pessoas, ou seja a impressionante marca de 115 pessoas por semana. Ora, na cidade de Nova York, em lugares como o Harlem, Queens e Bronx, são duas mortes por semana. Roubam-se na cidade de São Paulo cerca de 350 a 400 automóveis por dia o que dá um pouco mais de 100 mil carros por ano. O presidente da República se ufanou, quando inaugurou uma fábrica da General Motors, no Rio Grande do Sul, de que ela poderia produzir até 100 mil carros por ano. Pois bem, a fábrica de roubos dentro da cidade de São Paulo é maior do que a fábrica de automóveis da General Motors no Rio Grande do Sul.

O problema do Estado não está só na Segurança, mas também no desemprego, no apagão. Culpa-se muito FHC pelo apagão. Ele não é o único culpado. O maior culpado pelo apagão é o governador Alckmin, que vendeu as nossas empresas de eletricidade, sem que obrigasse dos compradores a contrapartida do aumento da produção.

Vendeu a Eletropaulo, a Companhia Paulista de Força de Luz, a Cesp Paranapanema, a Cesp Tietê e só não realizou o leilão marcado da Cesp Paraná porque a Justiça impediu. É mentira, quando se inaugura uma turbina da usina de Porto Primavera, dizer que está se ampliando a usina, pois Porto Primavera começou comigo quando governador e foi paralisada pelos tucanos. O atual governo está há sete anos no poder e já poderia ter instalado as 18 turbinas da usina. Portanto, o problema do apagão também é culpa de Geraldo Alckmin.

Outra grande tortura em São Paulo, a dos motoristas, é o pedágio. O que mais se construiu nesse estado foi praça de pedágio. Não se pode sair de casa sem pagar pedágio e aumenta-se o pedágio todos os anos, de acordo com o IGPM, quando o pedágio hoje está nas mãos dos empreiteiros e o custo das estradas não aumenta tanto, porque estas obras já estão prontas e amortizadas. E por que o salário do funcionário público também não aumenta de acordo com o IGPM há sete anos?

Folha - O sr. é engenheiro e especialista em grandes obras. Qual a sua avaliação sobre o aditamento de 70% na obra do Rodoanel, acima do que prevê a lei de licitações (teto de 25%)?
Maluf -
É o maior escândalo da história do Estado de São Paulo. Em uma obra que foi contratada, que o empreiteiro, por qualquer razão não está cumprindo o cronograma, a lei diz "faça-se o distrato judicialmente ou administrativamente, faça-se uma nova concorrência e contrate-se um novo empreiteiro". Agora, aumentar de maneira unilateral o seu preço em 70% quer dizer o seguinte: pode-se entrar na concorrência com qualquer preço porque depois o governo encontra uma justificativa "de força maior" para prostituir a lei.

O que me espanta, nesse assalto aos cofres públicos do Estado, é que o Ministério Público para processar ou investigar o Paulo Maluf tem uma velocidade do Michael Schumacher da Ferrari, enquanto que, para investigar os escândalos do atual governo do Estado, tem uma velocidade de tartaruga. O Rodoanel está previsto custar a preço de hoje R$ 8 bilhões. Quando o governo do Estado, de maneira pornográfica, indecorosa e ilegal, aumenta unilateralmente o seu preço em 70%, eleva o preço em R$ 5,6 bilhões, ou seja, um aumento "módico" de US$ 2 bilhões. Se isso não é uma patifaria, não sei que substantivo ou adjetivo encontrar no dicionário para poder definir esse aditamento.

Folha - Das principais pré-candidaturas a presidente da República, qual a sua predileta e qual poderia receber o seu apoio?
Maluf -
Minha tese é que o PPB lance candidatura própria. Para meu gosto, o mais competente, o mais ilustre e experimentado candidato é o ex-ministro e atual deputado Delfim Netto.

Folha - O seu partido, o PPB, já demonstrou que pretende ficar na coalizão governista e apoiar o candidato a presidente indicado por Fernando Henrique. Como o sr. pretende se posicionar?
Maluf -
Se não houver candidatura própria, o partido no momento apropriado vai discutir com quem vai ficar. Como presidente nacional do partido, eu só um homem obediente à decisão da maioria. Acho que os tucanos já tiveram a sua vez, governaram o país por oito anos. Chegou a hora de que outros, com idéias mais modernas, levem o país ao desenvolvimento econômico de que ele precisa.


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