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13/08/2002 - 17h44

Ciro fala de Alca, Mercosul e política externa (íntegra 8)

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da Folha Online

Neste trecho da sabatina com jornalistas e leitores da Folha, o candidato Ciro Gomes fala sobre a política externa do Brasil. Sobre como se comportou o governo Fernando Henrique e como se comportaria um governo seu.
Nesse trecho acabam as perguntas feitas pelos jornalistas. Participam da sabatina, realizada em São Paulo, Eleonora de Lucena, editora-executiva da Folha, Clóvis Rossi e Gilberto Dimenstein, do Conselho Editorial da Folha, e Carlos Eduardo Lins da Silva, diretor-adjunto de Redação do jornal "Valor".

Carlos Eduardo Lins da Silva: A questão externa nunca foi tão importante numa campanha presidencial no Brasil. No entanto, a revista "Política Externa", que é o principal "journal" acadêmico no Brasil sobre esse assunto, tentou receber dos candidatos à Presidência as suas impressões em relação a esse tema, e a sua campanha não respondeu a essas questões, o que me faz imaginar que talvez não seja um tema tão prioritário para o senhor. Apesar disso, eu lhe pergunto, aqui: quais são as suas prioridades em política externa? Especificamente, o que o senhor pretende fazer como presidente com a Alca, cuja co-presidência o Brasil assume com os Estados Unidos um mês antes da posse do novo presidente? E a propósito dessa questão da Alca, o ministro Celso Lafer tem dito que o senhor se engana quando diz que já existe um calendário predeterminado para o Brasil fazer as primeiras ofertas na Alca, e que esse calendário seria 15 de março...
Ciro Gomes: Janeiro.
Carlos Eduardo Lins da Silva: ...15 de janeiro. Segundo ele, essa informação não é correta e o governo Fernando Henrique estaria deixando ampla margem de liberdade para o futuro governo fazer as suas alternativas. Então, especificamente: política externa é importante para o senhor ou não? Se é, quais são as prioridades? O que o senhor, como presidente, pretende fazer na co-presidência da Alca e quais são as propostas que o senhor pretende levar do Brasil para a Alca nas negociações?
Ciro Gomes: Política externa é claro que tem uma centralidade grave na nossa proposta, na nossa compreensão. Não só pelo aspecto comercial, que tomou um relevo que eu acho até descalibrado, sufocando outras funcionalidades muito mais graves, talvez, do que a questão comercial de uma ordem internacional mais justa, menos desigual, menos desequilibrada, menos belicista, menos unilateralista, menos monopolar. Essa é um pouco a minha compreensão. Dessa revista eu não tenho notícia nenhuma. Eu tenho evitado, hoje em dia, nesses últimos 15 dias, falar com jornalistas de jornais internacionais apenas para colaborar e não cevar especulações, apenas isso. E eu acho que, como norte de política externa, precisamos ter coesão ao redor de um projeto nacional. Nenhum país tem pró-atividade internacional se se guia por episódios, pelo varejo, por um comercialismo estrito, bilaterais ou multilaterais. Eu acho que o Brasil precisa ter coesão ao redor das linhas gerais de um projeto nacional que se afirme naqueles rumos que eu tento discutir com a sociedade brasileira e aí, sim, ter uma pró-atividade internacional.
Eleonora de Lucena: O senhor acha que o fato de o Brasil ter esse acordo com o FMI no ano que vem, ou o próximo presidente estar com essa espada do acordo, prejudica ou pode pressionar o Brasil a aderir a Alca? É uma pressão a mais para o Brasil? Os Estados Unidos vão ser mais incisivos nessa pressão?
Ciro Gomes: O nível de dependência em que o país foi posto nos deixa realmente muito fragilizados em fóruns multilaterais e nesses blocos econômicos. Agora, nós, no Brasil, acho que temos de tentar o debate em dois campos: um é o projeto estratégico de país que nós queremos. Nós não temos que perder por confusões de conjuntura, por esse varejo, mesmo que seja um varejo esmagadoramente asfixiante nessa fase, nós não podemos, ao consertar essas soluções, perder a noção de projeto estratégico. Então ter uma visão estratégica de país, um projeto nacional, quais são as cadeias produtivas onde o Brasil quer afirmar a pró-atividade internacional, seja porque temos uma tarja corporativa, seja porque emprega muita gente, seja porque tem vocação exportadora, enfim, seja porque distribui renda, seja porque, enfim, por qualquer que seja a razão, o Brasil tem que ter um projeto estratégico, com começo, meio e fim, guiado por uma recuperação da capacidade de planejar do Estado brasileiro, de uma capacidade de volta, de planejar, de coordenar, de ter parcerias no setor público e no setor privado. Muito bem, isso é o projeto estratégico. E a transição. A transição é grave, é delicada, é importante, mas não pode dissipar, ser incoerente com o rumo estratégico do país na minha idéia.
Eleonora de Lucena: Uma dificuldade a mais.
Ciro Gomes: É uma dificuldade a mais, mas vamos lá. Qual é a idéia de política internacional, sob o ponto de vista internacional? Eu acho, até porque coerente com o que eu já fiz, fui muito criticado por isso, mas acho que estava correto, fiz ajudando um presidente da República, era uma visão estratégica que nós tínhamos, que a prioridade deve ser consertar o Mercosul em frangalhos. O Mercosul está esfrangalhado, não por acaso. Eu acho que nós temos que ter uma atitude de cooperação com o drama argentino, para além de interesses pequenos comerciais, financeiros, nós temos que ajudar uma democracia a ser novamente governável, ajudar um grande povo que tem absoluta funcionalidade estratégica conosco para que a gente tenha pró-atividade nas outras relações com o bloco europeu, com o bloco asiático, com o bloco do Nafta. Esse Mercosul eu imagino ampliado com os acordos de participação do Chile e da Bolívia e há grandes negociações interessantes, possíveis de serem dinamizadas com o pacto andino e fundamentalmente com a Venezuela e mais recentemente eu tive uma conversa com o presidente Vicente Fox (do México) e ponderava a ele coisas de uma velha conversa de que talvez seja interessante a esta altura o México também começar a diversificar um pouco mais as suas parcerias que estão hoje excessivamente atadas ao governo americano.
Eleonora de Lucena: O senhor acha que a sua gestão seria mais antiamericana do que a do presidente Fernando Henrique?
Ciro Gomes: Que pergunta...
Eleonora de Lucena: Não, esse desenho...
Ciro Gomes: Não sou antininguém, sou a favor do Brasil, é disso que eu sou a favor. (aplausos).
Eleonora de Lucena: Mas candidato, o senhor acha que o presidente foi um pouco...
Gilberto Dimenstein: Vai ter uma política de maior enfrentamento com os Estados Unidos?
Ciro Gomes: Essas provocações é que eu não vou aceitar.
Gilberto Dimenstein: Por que provocação?
Clóvis Rossi: Pergunta não é provocação nunca.
Gilberto Dimenstein: Mas por que provocação?
Ciro Gomes: Então eu substituo. Esse tipo de pergunta com dubiedades eu não vou aceitar...
Gilberto Dimenstein: Dubiedades?
Ciro Gomes: ...dubiedades, cascas de banana, eu não vou aceitar.
Gilberto Dimenstein: Onde está a dubiedade em perguntar?
Ciro Gomes: Em você extrair uma opinião que de um lado seja uma provocação a uma grande potência internacional para quem o Brasil exporta 1/4 das suas exportações ou por outro lado seja um gesto de abastardamento.
Clóvis Rossi: Mas é isso que o entrevistado...
Ciro Gomes: A questão é falsa. Posso falar?
Eleonora de Lucena: Pode...
Ciro Gomes: Então deixa eu falar. A questão é falsa e é uma pura provocação pelo seguinte: o Brasil olhando os séculos e é assim que os estadistas se comportam, não que eu seja um, eu quero ser, mas não sei se consigo, olhando os séculos o Brasil tem uma longa e generosa história de cooperação com os norte-americanos, e é assim que deve se projetar para o futuro. Eu não tenho problema nenhum com isso. Nessa conjuntura, nesse momento, nós temos uma agenda de grandes tensões que podem ser inclusive administradas em favor de uma melhor relação. Tensões que vão inclusive de uma presença tímida, abastardada do Brasil, mesmo, nos últimos anos. O Brasil assinou unilateralmente um tratado de não-proliferação nuclear _não é que eu seja a favor de proliferação nuclear_, mas a diplomacia brasileira tinha uma posição muito interessante que era a seguinte: nós assinamos se houver um tratado de proscrição de artefato nuclear do planeta. Porque dizia nossa diplomacia, com grande acerto, a meu juízo: "Qual é a razão para alguns países assinarmos a não proliferação enquanto outros têm?". Vamos assinar, o Brasil tem a vocação de não ter, mas quer uma atuação internacional para proscrever. Assinaram unilateralmente sem fazer coisa nenhuma e tal. Tudo bem. Protocolo de Kioto (de redução de emissão de poluentes). O Brasil tem uma atividade fenomenal nessa área de meio ambiente. Nós saímos de bandidos internacionais para, não totalmente ainda, mas para exemplaridades importantes na área de meio ambiente. Os maiores poluidores do planeta repudiaram o protocolo de Kioto.
Carlos Eduardo Lins da Silva: Em relação a Kioto, tem alguma divergência com o presidente Fernando Henrique?
Ciro Gomes: Não, absolutamente.
Clóvis Rossi: Só para avisar que o nosso tempo de perguntas está esgotado. Vou pedir a vocês que terminem.
Ciro Gomes: A idéia qual é? Para que Brasil procure administrar essas tensões e a mais grave delas é a Alca. O senhor ministro pode fazer a falácia que quiser, mas está marcada uma rodada de negociações, isso é facilmente apurável. Está marcada uma rodada de negociações para a Alca, que pode ser simplesmente nula, mas está marcada para o dia 15 de janeiro.
Clóvis Rossi: De fevereiro.
Ciro Gomes: Dia 15 de janeiro está marcada.
Clóvis Rossi: Mas o Mercosul é fevereiro.
Ciro Gomes: Eu estou falando da Alca.
Clóvis Rossi: Eu estou falando da Alca e as propostas do Mercosul para a Alca terão que ser feitas dia 15 de fevereiro.
Ciro Gomes: A rodada de negociação é tudo o que eu estou dizendo e eu acho que o Brasil está com dramas, e que a próxima administração terá emergências tão graves que nós não estamos preparados para nenhuma rodada de negociação prática da Alca. Pode ser um grande convescote diplomático, tudo bem, nós vamos lá, até porque eu advogo que nós temos que sentar e conversar. Mas veja lá. Taxa de juros americana: 1,75% ao ano, a menor dos últimos 40 anos; taxa de juros brasileira: 18%, a básica e com todos os spreds e custos, encargos, etc, etc, vira 3,5%, 4% ao mês. Pode ter livre comércio entre uma economia que se financia a 3% ao mês e uma economia que se financia a 2% ao ano? Eles são sede na ponta tecnológica do planeta; nós estamos três gerações tecnológicas atrasados em cadeias produtivas fundamentais. Por exemplo, o setor têxtil brasileiro... são coisas graves. Depois você tem o problema de escala. Eles têm mega players globais e nós temos 7 em cada 10 empregos com pequena empresa. Então, tudo bem, vamos discutir livre comércio porque, no futuro _eu não tenho nada de ideológico contra livre comércio_, no futuro o comércio será franco e mundial, e isto é bom, não é mau. Na esteira dos ciclos da expansão do comércio, a humanidade avançou, o renascimento tem a ver com expansão de fronteiras de comércio, os valores democráticos têm a ver, perfeitamente. Agora não dá para fazer uma área de livre comércio com uma brutal assimetria nas condições práticas de produzir, de empregar pessoas, de pagar salários. Nós temos que deixar isso francamente colocado para os norte-americanos, como parceiros.
Carlos Eduardo Lins da Silva: Governador, só para arrematar...
Ciro Gomes: Só para demonstrar, eu faço um argumento que é meramente retórico, mas para demonstrar para eles nos fóruns a que vou lá, na universidade ou, mais recentemente, na Câmara de Comércio: vamos colocar, por exemplo, uma cláusula de liberdade para a migração da mão-de-obra. Livre comércio. Livre comércio é livre comércio. Então o fator financeiro vai e vem, livremente, o fator mercadológico vai e vem, vamos introduzir uma variável liberdade para um outro fator econômico que é a mão-de-obra, eles imediatamente dizem: "Não". Por que dizem não? Porque são um centro de excelência econômica que atrai imigração do mundo inteiro, se deixarem arrebenta a economia deles. Ah, então está claro que um dos fatores não pode migrar porque arrebenta a sua economia. Pois é, é isso que nós queremos demonstrar. Enquanto nós não tivermos equilíbrio nos fatores não poderemos franquear o nosso mercado aos outros fatores porque arrebenta a economia, só isso. (aplausos).
Carlos Eduardo Lins da Silva: É justo depreender o que senhor, eleito presidente, na co-presidência da Alca, vai tentar postergar o processo?
Ciro Gomes: Postergar não, discutir com franqueza. O que os norte-americanos estão vendo é isso. Porque, a rigor, faça-se justiça, o governo Fernando Henrique Cardoso não deu um passo prático em favor da Alca.
Carlos Eduardo Lins da Silva: Isso é bom na sua opinião?
Ciro Gomes: Na minha opinião, sim. Mas fez uma coisa meio insincera porque em todas as conversas foi francamente favorável à Alca. Então era isso. Na retórica era a favor da Alca, quando voltava para o Brasil nunca deu um passo sequer prático em favor da Alca. Por quê? Porque, evidentemente, ele tem origem na base industrial de São Paulo e quem melhor sabe, mais rapidamente, que uma área de libre comércio com essa assimetria competitiva é a base industrial sediada em São Paulo, fundamentalmente.
Clóvis Rossi: Muito bem, vamos então passar às perguntas...
Ciro Gomes: Eu acho que isso não é melhor política. Eu acho que a melhor política é a franqueza, quer dizer, tá aqui, os fatores são esses, ajuda a gente aqui, nós vamos tentar, elimine restrições ao nosso comércio, os europeus têm de eliminar, vamos diversificar a plataforma, que eunão ponderei aqui porque fui interrompido, o Brasil precisa diversificar as suas parcerias, se aproximar da Índia, da China, da Rússia, que têm complementariedades para além do comércio fenomenais com o Brasil, em matéria de tecnologia e em matéria de atuação e agentes multilaterais, a maior coincidência de votos na Assembléia Geral das Nações Unidas, e é impressionante isso, ao longo de toda a história é Brasil e China. E nós não temos... O presidente da China veio duas vezes ao Brasil no governo Fernando Henrique e ninguém deu bola, quando a gente tem complementariedades fenomenais não só bilaterais que são importantes, mas para atuar em conjunto para uma outra ordem internacional. Essa é inclusive uma das grandes prioridades.

Leia as íntegras:

  • 1. Leia íntegra do início da sabatina e a apresentação de Ciro

  • 2. Ciro fala do apoio de ACM e de setores da direita

  • 3. Collor está se vingando de mim, diz Ciro

  • 4. Ciro fala sobre o acordo com o FMI

  • 5. Ciro fala sobre permanência de Fraga no BC em seu governo

  • 6. Ciro diz que dólar vai cair a partir do dia 15

  • 7. Ciro fala sobre inflação e distribuição de renda

  • 8. Ciro fala de Alca, Mercosul e política externa

  • 9. Ciro responde a leitores sobre segurança e elo com Collor

  • 10. Ciro responde pergunta sobre sua formação e drogas

  • 11. Ciro responde leitores sobre educação e cultura

  • 12. Ciro fala sobre reforma agrária e confisco de poupança

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