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03/10/2002 - 07h35

PT implantaria uma social-democracia de verdade, diz Delfim

GUILHERME BARROS
da Folha de S.Paulo

O deputado federal Delfim Netto (PPB-SP), 75, afirma que o PT é o único partido que tem chances de exercer a social-democracia de verdade no país porque tem um elemento fundamental no PT, que é o trabalhador. "Não existe partido social-democrata só com professor universitário", afirma, numa referência ao PSDB.

Apesar de não querer fazer uma previsão para as eleições de domingo, Delfim diz que não há qualquer risco para o Brasil, no caso de uma vitória do petista Luiz Inácio Lula da Silva.

Sobre o recente apoio de grandes empresários e banqueiros, Delfim afirma que isso o deixou bastante entusiasmado: "Não foi o PT que aprendeu com o tempo. O banqueiro também aprendeu".

Folha - O sr. lulou?
Delfim Netto
- Não, o que eu acho é que o processo eleitoral tem que respeitar as instituições. De um lado, há a urna. De outro, o mercado. O que é absurdo é achar que o mercado pode também dominar as urnas. As instituições brasileiras hoje estão sólidas, e o próprio PT mudou seu programa. O PT retirou do programa o resquício de marxismo de pé quebrado que tinha e hoje é um partido como os outros. Não há nenhum risco para o país se o PT vencer as eleições.

Folha - Por que o sr. acha que não há nenhum risco?
Delfim
- Não há nenhum risco porque, graças à Constituição de 1988, as instituições estão sólidas no país. Ninguém pode administrar o Brasil sem o Congresso. O novo governante vai precisar de uma maioria sólida e, para isso, será preciso discutir o programa. O programa do PT hoje está depenado de tudo aquilo que violava os princípios da economia de mercado. E para implementá-lo terá que ser discutido com os partidos que formam a maioria do Congresso. Não há qualquer risco de maluquice, como fez o Collor, e muito menos haverá necessidade de o Brasil renegociar a dívida, a não ser que o novo governo não consiga ganhar credibilidade.

Folha - O sr. acha que o novo governo corre o risco de não ter credibilidade do mercado?
Delfim
- Acho que não, todo mundo aprendeu. Seja lá quem for o presidente eleito, a primeira coisa que ele terá de fazer é reconquistar credibilidade. Foi a falta de credibilidade que colocou o Brasil do jeito que está agora. Por que cortou-se o crédito para o Brasil? Não é apenas o fato de o mercado internacional estar estreito, senão outros países como o Chile, o México e a Coréia estariam em crise. Eles estão sujeitos ao mesmo mercado internacional. O Brasil está em dificuldades em razão de uma soma de problemas internos que se somam às dificuldades externas. É visível que a crise é nacional.

Folha - O sr. atribui a que razão essa crise nacional?
Delfim
- Isso é consequência desses oito anos de política econômica que levou o Brasil a recorrer ao FMI três vezes nos últimos quatro anos. Alguém pode acreditar que essa política econômica foi saudável tendo ido a Fundo em 98 e tomado US$ 41 bilhões, tendo ido ao Fundo em 2001 e tomado mais US$ 15 bilhões e tendo ido ao Fundo em 2002 e pedido mais US$ 30 bilhões? É claro que se trata de um sujeito doente que foi à UTI três vezes e agora se quer provar que tem uma saúde de ferro.

Folha - Quais foram os erros?
Delfim
- Houve uma acúmulo de erros. No primeiro mandato, os erros foram inúmeros. Houve um grande acerto, que foi o de produzir o controle da inflação, mas a partir daí não se fez mais nada. O que se fez foram quatro anos de déficit orçamentário e quatro anos de controle de câmbio, o que acumulou US$ 190 bilhões de déficit em conta corrente. Depois, a política mudou para melhor, certamente, mas não deu para desfazer o que já estava feito. O controle da inflação foi importante, claro, mas as pessoas se esquecem que a inflação acabou no mundo. Mesmo com essa taxa de inflação que estamos hoje, nós ainda somos o sétimo país de maior inflação no mundo. Nós só perdemos para Turquia, Argentina, Rússia, Venezuela, África do Sul e Indonésia. O resto do mundo tem inflação menor do que a nossa.

Folha - O sr. acha que Lula ganha no primeiro turno?
Delfim
- Não é tão simples. A probabilidade de ganhar no primeiro turno é pequena. O PT tem uma militância muito ativa e pode surpreender, mas não acho que a probabilidade seja alta.

Folha - O sr. declara seu voto?
Delfim
- Meu partido não tem candidato à Presidência.

Folha - No caso de uma vitória do PT, o sr. defende a permanência de Armínio Fraga no BC?
Delfim
- Eu acho essa colocação absurda. Se há alguém que tem admiração pelo Armínio sou eu. Acho-o competente. Houve esses problemas com o Banco Central neste ano, a partir de abril, mas ele foi um grande presidente. Agora, exigir a permanência do Armínio, eu acho um ato um pouco psicodélico. Um sujeito ganha uma eleição com 60 milhões de votos e vem o outro e exige que ele fique com uma determinada pessoa. O que é isso? O que eu acho importante é o novo governo se interessar em votar urgentemente, no Congresso, uma forma de dar autonomia ao Banco Central para ter controle sobre a taxa de juros. Por isso, eu penso que há um pouco de extravagância em se falar na manutenção do Armínio.

Folha - O sr. tem falado com o PT?
Delfim
- Isso é tudo mito. Só se for em sessão espírita. De vez em quando meu espírito escapa do corpo, o dele também e a gente se encontra numa benzedeira. Não sei de onde saem essas histórias.

Folha - Qual a linha que um eventual governo do PT irá seguir?
Delfim
- Ele vai ter de seguir a linha que qualquer outro que for eleito terá que fazer. Terá que reconquistar a confiança externa que esse governo não tem. Não adianta ficar dizendo que esse governo é delicioso, adorado pelo mundo, ou que não há nada mais perfeito. Não há nada disso. A realidade está mostrando o contrário. Por que estamos em dificuldades? Porque cortou-se o crédito externo ao Brasil.

Folha - O que o sr. acha das adesões de empresários ao PT?
Delfim
- O PT mudou. As pessoas não acreditavam quando eu dizia que até o PT aprende no tempo adequado. Eu estou entusiasmado porque até banqueiro aprende. Isso é um progresso imenso no Brasil. Há uma nova compreensão de uma nova realidade. O PT fez o curso nas sociais-democracias. Sem saber, inclusive. Ele fez o curso da social-democracia alemã, da social-democracia inglesa... Ou você acha que o mercado adorava o Tony Blair? A desconfiança do mercado com o Tony Blair era talvez maior do que a do Lula. Ele ganhou a confiança quando, no dia que foi eleito, ele anunciou a autonomia do Banco da Inglaterra, coisa que nem a "madame" [Margaret Tatcher" tinha feito. A carta de Ribeirão Preto do PT tirou tudo que tinha de marxismo de pé quebrado. Aliás, algumas das grandes vantagens do PT foi o de nunca ter passado nem perto de Karl Marx e do Partido Comunista. Foi isso que salvou o PT. A esquerda brasileira nunca teve um ouvido direito e agora tem. Esse é o quarto programa do PT e agora trata-se de um programa aceitável. O programa que será aplicado no Brasil será uma média harmônica do programa do PT, do PPB, do PTB...

Folha - E do PSDB?
Delfim
- Até do PSDB. Esse vai ser absorvido pelo PT. O social-democrata de coração só tem um jeito, o de pedir a ficha do PT.

Folha - Como assim?
Delfim
- O PT é o único partido que tem chance de exercer a social-democracia de verdade. Isto porque tem um elemento fundamental, que é o trabalhador. Não existe partido social-democrata só com professor universitário.

Folha - O sr. está otimista?
Delfim
- Se eu estou imaginando que agora completa-se o grande ciclo da plena utilização dos instrumentos democráticos da Constituição de 88, como é que eu posso estar pessimista?

Folha - E o dólar?
Delfim
- Depois das eleições, quem for eleito, se tiver bom senso e grandeza, traz o dólar para o seu valor verdadeiro.

Veja também o especial Eleições 2002
 

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