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17/10/2002 - 05h49

Juan Arias: Só Freud explicaria

JUAN ARIAS
do "El País"

O eco que as eleições brasileiras estão tendo em meio mundo -muito concretamente, na Europa e nos Estados Unidos- indica que, desta vez, trata-se de algo mais do que uma simples e rotineira eleição presidencial. Parece ser algo mais, talvez porque, nos últimos anos, vem crescendo a consciência internacional de que o Brasil é algo mais do que um mero país do continente americano. Do futuro do Brasil, próspero ou miserável, talvez dependam não apenas outras economias mundiais, mas também outros equilíbrios políticos.

Vem daí o fato de que a simples possibilidade de uma guinada para a esquerda, mesmo que moderada e revestida de burguesismo, provoque temores ou esperanças em diferentes setores. E é sobre esses conceitos opostos que se joga o resultado das eleições do dia 27. Por um lado está a esquerda de Lula, à qual aderiram as outras forças contrárias ao governo derrotadas no primeiro turno, uma esquerda que desenrola a bandeira de um Brasil novo, diferente, fundamentalmente "de esperança".

Por outro, o centrismo de Serra, que procura afastar o perigo de uma vitória do PT num momento econômica e politicamente dramático do mundo, momento esse que convida mais à prudência e à manutenção do conhecido, baseando-se mais no ""medo" do que na ""esperança" de um futuro desconhecido.

Seria preciso ressuscitar Freud, com suas teorias sobre os impulsos de vida e de morte, para que ele pudesse analisar essas eleições, ou, melhor, para que pudesse fazer uma radiografia do que mexe com o coração e a mente de uma população como a brasileira, que se mostra mais madura do que nunca nas eleições, com característica mais européia do que sul-americana e que já possui anos de experiência de uma democracia consolidada. Seria preciso Freud para saber se essas mais de 100 milhões de pessoas que vão voltar às urnas estarão dispostas a desafiar o medo do pior ou se optarão pela segurança do conhecido, o receio de pôr a perder aquilo que já foi conquistado. Por qual das alternativas -a esperança ou o medo- vão apostar esses 50 milhões de pobres que são o coração ferido do Brasil, sobre o qual Fernando Henrique Cardoso declarou que "é um país rico, mas injusto"?

Não há dúvida de que muita coisa, dentro e fora do Brasil, vai depender do sentido em que vai pender o fiel da balança: se será a favor da esperança prometida ou do medo de que as coisas piorem em relação a como já estão. Nos próximos dias, neste momento em que o cenário internacional está marcado por temores de todo tipo, o Brasil será observado por todo o mundo.

Costuma-se dizer que o povo brasileiro aponta para um futuro mais desejado, com sua ausência de racismo, de intolerância religiosa, de nacionalismo e de terrorismo, com o caráter doce de sua população, que prefere apostar na felicidade do que no desespero, e está claro que essas eleições serão importantes para o resto do mundo porque vão mostrar qual é a aposta realmente feita pelos brasileiros.

A eleição vai mostrar se eles são capazes de, contrariando ventos e marés, apostar na difícil "esperança", que é sempre uma incógnita, ou se optarão pela fácil prudência, moderadora de temores em tempos de tempestade. Ambas são virtudes cardeais. Ambas são aspectos legítimas da disposição humana. Cada povo escolhe o que lhe é mais natural.

Tradução de Clara Allain

JUAN ARIAS, correspondente no Brasil do jornal espanhol "El País", escreve mensalmente nesta seção, às quintas


Veja também o especial Eleições 2002
 

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