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28/10/2002 - 05h18

Do 3 ao 13, do socialismo ao pragmatismo

MÁRIO MAGALHÃES
da Folha de S.Paulo, em Porto Alegre

Na primeira campanha do Partido dos Trabalhadores, em 1982, quando Luiz Inácio Lula da Silva concorreu ao governo paulista, o número da sigla era o três, não o 13. Os slogans: "Vote no três porque o resto é burguês" e ""Trabalhador vota em trabalhador".

Tudo conforme os princípios da agremiação que teve sua "Carta de princípios" lançada em 1979 e foi fundada no ano seguinte. O PT nasceu se auto-afirmando como um partido de classe. Aspirava representar os assalariados contra os patrões. "O PT buscará (...) uma sociedade igualitária, onde não haja explorados nem exploradores", dizia o manifesto de 1980.

No 1º ENPT (Encontro Nacional do PT), em 1981, Lula anunciou o caráter "socialista" do partido que presidia. Nos termos do "Manifesto Comunista" (1848), discursou: "A libertação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores". A despeito de propugnar uma sociedade sem classes, o PT nunca se declarou marxista. Isso porque duas das três linhagens que lhe deram origem -ativistas católicos e sindicalistas- não eram marxistas.

O terceiro pilar da criação do PT, militantes de organizações de extrema esquerda, inspiravam-se assumidamente em Karl Marx.

Já no seu batismo, o PT condenou o autoritarismo da União Soviética e o que considerava excessiva moderação política do Partido Comunista Brasileiro, sobretudo pela "colaboração com a burguesia", aliança que deixaria de ver como besta-fera nos anos 90.

O surgimento do PT ocorreu após a maior onda de greves nos governos militares, quando Lula tornou-se o mais importante sindicalista do país. A mesma base social que impulsionou o PT pode vir a ser um pólo de pressão sobre o governo Lula.

No cenário internacional, o PT deu os passos iniciais num ambiente conturbado pela Revolução Sandinista na Nicarágua (1979) e o movimento Solidariedade na Polônia pró-soviética.

Depois de uma discreta estréia nas urnas em 1982, o PT bancou a fundação da CUT (1983) e mergulhou na Campanha das Diretas (1984). Em 1985, recusou-se a comparecer ao Colégio Eleitoral e a votar na chapa Tancredo-Sarney contra Paulo Maluf. Três deputados que se rebelaram foram expulsos. Em 2002, Lula alardeia com orgulho o apoio de Sarney.

Era uma época de formulações radicalmente à esquerda, pela "estatização do sistema bancário e financeiro" (4º ENPT, 1986) e "estatização dos serviços de transportes coletivos" (5º ENPT, 1987).

Em 2002, vários indícios sugerem que, na Prefeitura do PT em Santo André (SP), os transportes a serem estatizados, de acordo com a antiga plataforma, tenham se transformado em terreno para a cobrança -por petistas- de propinas a empresários.

A eleição para a Prefeitura de Fortaleza foi, em 1985, a abertura de um caminho que marcaria o PT: a troca da vocação de estilingue pela de vidraça. Chegava a hora de governar. O PT fracassou em Fortaleza. Luiza Erundina, eleita em 1988 na cidade de São Paulo, seria abatida pelos conflitos com o partido que, depois, ela abandonaria. Ainda em 1988, os petistas tomariam o governo de Porto Alegre para não mais sair.

Quando Lula recebeu 17,01% dos votos válidos no primeiro turno da eleição de 1989 e perdeu no segundo turno para Fernando Collor, o PT havia estabelecido um objetivo não só de gerir a sociedade de mercado, mas de revolucioná-la: ""O conteúdo socialista da candidatura Lula (...) deverá criar condições para o socialismo" (6º ENPT, 1989).

Antes, mesmo influenciando a Constituinte para dar tonalidade social à nova Carta, os petistas se recusaram a assinar o texto.

A reviravolta internacional, com o fim da União Soviética e a reintrodução do capitalismo no Leste europeu, teve enorme impacto na virada dos anos 80 para os 90. O PT nunca se declarou no campo soviético, mas a nova ordem o obrigou a repensar o mundo. Impôs-se como tarefa "impulsionar um renovado projeto de socialismo democrático". De cunho antimercado: ""Recusamos o mercado capitalista (...) como forma de organização da produção social" (1º Congresso, 1991).

O PT foi o propulsor da campanha Fora, Collor. Quando o presidente caiu, o partido negou-se a integrar o governo Itamar Franco, agora bem-vindo ao barco lulista.

As derrotas de Lula em 1994 e 1998 ocorreram numa conjuntura em que as mobilizações sindicais que haviam apoiado o partido arrefeceram. O apoio ao MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), dirigido por militantes do PT ligados à igreja, assustava a classe média.

Já na primeira metade da década de 90 o PT atenuou suas formulações sobre o socialismo e enalteceu mais vigorosamente os valores democráticos. Propôs uma "revolução democrática" cujos contornos remetem a partidos sociais-democratas europeus como o Partido Socialista Francês e o SPD alemão -e não a agrupamentos revolucionários.

A reforma agrária, que antes deveria ter "controle dos trabalhadores", enquadrou-se na Constituição. A bandeira do não-pagamento da dívida externa, depois suspensão, foi reformulada.

Mas, em dezembro de 2001, o 12º ENPT definiu uma "ruptura necessária" com o neoliberalismo e aprovou a "denúncia do acordo com o FMI". Já na campanha, a palavra "ruptura" foi banida e um novo acordo com o FMI, acatado.

O 12º ENPT renovou a profissão de fé nos "valores do socialismo democrático". Esse socialismo petista nunca foi a ditadura do proletariado idealizada por Lênin (líder da Revolução Russa de 1917). Não é mais a "socialização dos meios de produção" do 4º ENPT, de 1986. A rigor, ignora-se o que é -o PT não definiu.

O núcleo diretivo do partido, que já condenou por escrito a social-democracia, não se sente mais incomodado ao ser comparado com ela. Só descarta a Terceira Via de Tony Blair. Quando Lula diz que mudou, expressa a análise petista: o país nunca viveu "período democrático", neste caso conceito para eleições com participação plena de partidos de esquerda, longo como o atual.

O PT mudou e cresceu. Já não é o caso de insinuar revoluções, mas de conferir ao Estado cunho "social e público". O novo governo, conforme o 12º ENPT, será "democrático e popular".

A corrente moderada de Lula, coordenada por José Dirceu, controla pelo menos 69 das 108 cadeiras do Diretório Nacional. Este grupo bancou o acordo com o PL e prepara coalizão mais ampla.

Isso apesar de formalmente o PT manter seu viés "anticapitalista" e a esquerda petista, nos movimentos sociais e no partido, se preparar para fazer barulho.

O governo PT deve nascer mais conservador mesmo do que na campanha eleitoral, mas ninguém sabe para onde vai evoluir.

Aos militares, por exemplo, Lula calou sobre esforços para encontrar os corpos dos desaparecidos na era dos generais. Mas num e-mail distribuído a famílias de desaparecidos, José Dirceu prometeu: "Quando formos subir a rampa do Planalto, eles [os desaparecidos] estarão conosco". Vale o silêncio ou a promessa? Como em muita coisa sobre o governo Lula, é cedo para dizer.

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