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29/10/2002
-
03h48
Colunista da Folha de S.Paulo
O menos percebido fenômeno implícito na vitória de Luiz Inácio da Silva é tão interessante, no seu sentido de ruptura histórica, quanto a própria vitória de um ex-operário para presidente brasileiro. Os militares brasileiros, assim entendida a posição majoritária na classe, votaram no "homem de esquerda" e sindicalista Lula da Silva.
Não há registro físico dessa atitude, é claro, mas a voz dos quartéis e das bases, no que pode ser captada, é de nitidez e ênfases inequívocas.
As circunstâncias a que as Forças Armadas foram lançadas pelo governo, para atender às exigências do acordo feito com o FMI, são, por certo, um fator importante no descontentamento expresso por via eleitoral. Mas, muitos fatos o indicam, não são o único fator.
Para chegar ao voto em Lula da Silva, os militares precisaram transpor as barreiras muito consistentes impostas por sua formação, desde que as Forças Armadas foram levadas a adotar a doutrina criada pelo Pentágono, no cenário da Guerra Fria, para os militares de países da periferia geopolítica americana. O reexame da doutrina, nas Forças Armadas brasileiras, não é de agora. Com bastante moderação, e muito limitadamente, começou com a restauração do regime democrático. No governo Sarney, porém, ainda houve fortes intervenções militares contra movimentos reivindicatórios e sociais, deles ficando para a memória histórica a morte de três operários de Volta Redonda, no uso de tiros de fuzil e metralhadora contra grevistas desarmados.
A dissolução do estado soviético, com o consequente fim da Guerra Fria, facilitou e até cobrou dos comandos militares a reavaliação progressiva, e ainda longe de ser concluída, de sua natureza como instituição. Por décadas, a partir do início da Guerra Fria ao fim da Segunda Guerra Mundial, os militares puseram-se como guardiães do capital privado, consideradas quaisquer questões sociais como matéria prima de exploração comunista, ou genericamente esquerdista, e a ser reprimida a todo custo em defesa do capitalismo privado. Assim a injustiça social ganhou uma guarda que lhe permitiu, mais do que a proteção, progredir e aprofundar-se.
Nos últimos anos, já uns dez, os militares não vêem os militares envolvidos com questões reivindicatórias. Sua intervenção mais imprópria foi em proteção às terras particulares de Fernando Henrique Cardoso, e a fizeram sem violências. E é neste mesmo gênero de problema que se encontra a demonstração cabal da reforma doutrinária: as invasões feitas pelos sem-terra, cujos antecedentes provocaram repressões militares ferozes, não têm tirado tropas exaltadas dos quartéis.
Aí está uma síntese do que é visível. Gratuito, no entanto, não é. Corresponde a conceituações novas, a propósitos de formulação recente e, inevitavelmente, a uma visão de país e de sociedade com diferenças essenciais da anterior. A representatividade que, nesse contexto, possa ter, ou não, o voto numeroso em Lula da Silva, isso não há como deduzir, por ora. Mas a quebra do preconceito não precisa de dedução, é evidente. E preconceitos não caem por si mesmos.
Veja também o especial Eleições 2002
Janio de Freitas: Mudança visível
JANIO DE FREITASColunista da Folha de S.Paulo
O menos percebido fenômeno implícito na vitória de Luiz Inácio da Silva é tão interessante, no seu sentido de ruptura histórica, quanto a própria vitória de um ex-operário para presidente brasileiro. Os militares brasileiros, assim entendida a posição majoritária na classe, votaram no "homem de esquerda" e sindicalista Lula da Silva.
Não há registro físico dessa atitude, é claro, mas a voz dos quartéis e das bases, no que pode ser captada, é de nitidez e ênfases inequívocas.
As circunstâncias a que as Forças Armadas foram lançadas pelo governo, para atender às exigências do acordo feito com o FMI, são, por certo, um fator importante no descontentamento expresso por via eleitoral. Mas, muitos fatos o indicam, não são o único fator.
Para chegar ao voto em Lula da Silva, os militares precisaram transpor as barreiras muito consistentes impostas por sua formação, desde que as Forças Armadas foram levadas a adotar a doutrina criada pelo Pentágono, no cenário da Guerra Fria, para os militares de países da periferia geopolítica americana. O reexame da doutrina, nas Forças Armadas brasileiras, não é de agora. Com bastante moderação, e muito limitadamente, começou com a restauração do regime democrático. No governo Sarney, porém, ainda houve fortes intervenções militares contra movimentos reivindicatórios e sociais, deles ficando para a memória histórica a morte de três operários de Volta Redonda, no uso de tiros de fuzil e metralhadora contra grevistas desarmados.
A dissolução do estado soviético, com o consequente fim da Guerra Fria, facilitou e até cobrou dos comandos militares a reavaliação progressiva, e ainda longe de ser concluída, de sua natureza como instituição. Por décadas, a partir do início da Guerra Fria ao fim da Segunda Guerra Mundial, os militares puseram-se como guardiães do capital privado, consideradas quaisquer questões sociais como matéria prima de exploração comunista, ou genericamente esquerdista, e a ser reprimida a todo custo em defesa do capitalismo privado. Assim a injustiça social ganhou uma guarda que lhe permitiu, mais do que a proteção, progredir e aprofundar-se.
Nos últimos anos, já uns dez, os militares não vêem os militares envolvidos com questões reivindicatórias. Sua intervenção mais imprópria foi em proteção às terras particulares de Fernando Henrique Cardoso, e a fizeram sem violências. E é neste mesmo gênero de problema que se encontra a demonstração cabal da reforma doutrinária: as invasões feitas pelos sem-terra, cujos antecedentes provocaram repressões militares ferozes, não têm tirado tropas exaltadas dos quartéis.
Aí está uma síntese do que é visível. Gratuito, no entanto, não é. Corresponde a conceituações novas, a propósitos de formulação recente e, inevitavelmente, a uma visão de país e de sociedade com diferenças essenciais da anterior. A representatividade que, nesse contexto, possa ter, ou não, o voto numeroso em Lula da Silva, isso não há como deduzir, por ora. Mas a quebra do preconceito não precisa de dedução, é evidente. E preconceitos não caem por si mesmos.
Veja também o especial Eleições 2002
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