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29/10/2002 - 06h48

Leia a íntegra do pronunciamento de FHC

da Folha de S.Paulo

Leia a íntegra do pronunciamento e da entrevista coletiva do presidente Fernando Henrique Cardoso sobre as eleições.

"Eu queria uma vez mais agradecer ao povo brasileiro o sinal extraordinário de civismo, de responsabilidade na votação ocorrida. Estamos demonstrando ao mundo inteiro a nossa maturidade política. A apuração foi feita com rapidez, o que também demonstra competência técnica. Os resultados são resultados que expressam que estamos em um país que sabe escolher, de acordo com a sua vontade, e que é um país equilibrado. Quero também agradecer as palavras do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, que se referiu ao fato de que eu conduzi esse processo dentro das normas constitucionais, como não poderia ser diferente, com equilíbrio.

E tenho certeza de que uma vez, como presidente eleito, ele fará a mesma coisa. Quero dizer que o seu pronunciamento já indica isso, um caminho de responsabilidade e um caminho de continuidade que é necessário no Brasil, de combater a miséria e a fome e corresponde diretamente com o que eu disse -e diria outra vez se tivesse sido eleito- quando fui eleito, quando fui reeleito, que isso é um desejo de todos os brasileiros e é decisão de todos os brasileiros.

E os avanços sociais que nós conseguimos consolidar nesses anos, se não foram suficientes -como não foram- para atender todas as demandas, pelo menos foram registrados como avanços pela opinião pública internacional, que mostra que poucos países avançaram tão depressa assim. O que mostra que nós temos que crescer ainda mais e avançar ainda mais em nosso empenho pelas condições sociais que é precisamente o que o presidente eleito prometeu, a continuidade nessa mesma linha de responsabilidade social.

Tenho certeza de que os brasileiros todos percebem que é o momento em que apostamos, é o momento que nós temos que renovar as nossas expectativas, renovar a nossa fé no Brasil, manter a nossa esperança.

Quero também lhes dizer que já tomamos todas as providências para que haja uma transição dentro dos padrões democráticos e também de respeito à vontade popular. Uma vez manifestada a vontade do povo, só cumpre àqueles que estão no empenho das funções respeitar essa vontade e criar condições para que o novo governo atue de maneira imediata para que não haja uma descontinuidade de muitas obrigações do Brasil, de muitos programas que são importantes para o Brasil, mas principalmente na área internacional, onde, pelas palavras do presidente eleito, haverá uma continuidade na mesma linha de defesa dos interesses do Brasil, de respeito à soberania, de negociação firme.

Eu acho que, para isso, nós estamos transmitindo todas as informações necessárias e faremos isso, transmitiremos todas as informações pertinentes e necessárias.

Quero também dizer que a demonstração de maturidade do eleitorado brasileiro se vê claramente quando houve agora a apuração do resultado dos Estados. Os partidos saíram fortalecidos, houve uma dispersão de votos e até mesmo agradeço em especial porque o PSDB recebeu uma votação consagradora em Estados importantes, sete Estados da Federação. Mas os outros partidos também, o PMDB recebeu em cinco, o PFL em quatro. Eu creio que o PSB em quatro, enfim, os outros partidos também tiveram acesso, o PT teve três. Enfim, o povo demonstrou que ele escolhe livremente e que ele na verdade é capaz de discernir segundo seus interesses, não vota de uma maneira uniforme em todo o país. Isso não é um sinal de falta de consistência, ao contrário, é um sinal de liberdade do eleitor que sabe escolher, sabe balancear. Isso tudo resultará numa democracia mais fortalecida.

De modo que eu estou realmente muito feliz de ter podido presidir o Brasil no momento em que o Brasil realiza estas eleições e tem também outro significado que eu quero dizer com clareza: o presidente eleito, pessoa que eu conheço há 30 anos, é um líder metalúrgico. Passou sua vida como líder metalúrgico, veio de origem humilde. Isso nos orgulha. Mostra, primeiro, que há mobilidade social no Brasil e, segundo, que é uma democracia plena, que é uma democracia que não aceita restrições de quaisquer naturezas, que não tem preconceitos de classe, preconceitos de quaisquer naturezas, de tal maneira que confia independentemente desses qualificativos que não devem ser mesmo os que distingam os brasileiros.

O que deve distinguir os brasileiros é o patriotismo, a vontade de acertar é a competência, é a dedicação. De modo que isso também eu acho que é algo que é muito notável e dizer que está acontecendo eu fico muito feliz, reitero, por ter podido presidir o Brasil neste momento que é um momento, eu diria, realmente muito esperançoso para todos nós.

Pergunta - Como o sr. se sente nas vésperas de passar a faixa presidencial para um líder operário num momento importante do país, sem que tenhamos nenhuma notícia de crise institucional?
Fernando Henrique Cardoso
- Eu acho que é isso que me deixa mais contente. Quer dizer, naturalmente, qualquer outro que fosse eleito eu teria uma satisfação imensa, quero dizer que o meu companheiro José Serra se portou também nessa campanha com dignidade, a campanha foi de alto nível, mas é claro que há um significado especial em passar para um líder operário, para um homem que vem das lutas sindicais, um homem que eu conheci nos anos 70, quando havia ainda uma ditadura e nós estivemos juntos em muitas campanhas, de modo que isto a mim me dá, eu diria uma emoção. Eu espero com ansiedade o momento em que o mundo todo vai ver que, mesmo que seja inabitual que uma pessoa com formação acadêmica, como a que eu tive, chegasse à Presidência, mais inabitual ainda que a faixa seja transmitida a um líder operário, e verão que mais inabitual ainda que será feito com esse espírito brasileiro que é de cordialidade.

Pergunta - O PSDB tinha um projeto de ficar 20 anos no governo, e o sr. está saindo depois de oito anos. O sr. poderia analisar em rápidas palavras o que saiu errado?
FHC -
O projeto não era do PSDB, tinha uma frase do ministro Sérgio Motta [das Comunicações, morto em 98]. Quando se torna uma democracia, ninguém pode ter projetos. Tem que dizer, é claro, quero ficar mais tempo etc. Mas, eu quero lembrar que o PSDB continua no poder. Está no poder, por exemplo no Estado de São Paulo, agora vai para mais quatro anos e serão 12 anos, mas isso não é importante.

O importante é que haja realmente esse clima de liberdade e que as idéias do PSDB vão permanecer vivas. O que nós fizemos aqui se não ampliar as condições para começar a pagar a dívida social? O que nós fizemos com a educação? O que nós fizemos com a saúde? Com a agricultura, que o próprio candidato eleito louvou? E com a dívida externa, com a questão do déficit comercial que nós invertemos e mudamos? De modo que as idéias do PSDB continuam vivas e nós vamos continuar batalhando por elas.

Pergunta - Qual é a principal instrução ou orientação que o sr. fará ao presidente eleito?
FHC
- Eu não ousaria fazer recomendações a um presidente. Eu acho que quem faz recomendações é o povo, que, quando o elegeu, o elegeu com expectativas. E ele deve seguir as expectativas -espero eu- que o povo que o elegeu depositou nele.

Pergunta - O sr. vai falar sobre alguma área especificamente?
FHC
- Nós vamos conversar amplamente sobre várias áreas. Agora vamos nos dedicar às áreas que estão sendo debatidas já na campanha entre presidenciáveis, que são muitas. Segurança é uma área delicadíssima, por exemplo. Eu diria que talvez a preocupação maior seja de segurança, porque as outras nós estamos habituados a manejá-las e vencê-las -crise econômica, crise financeira. Isso é o mundo contemporâneo. É assim. É difícil, mas é assim. Agora, não se pode viver permanentemente com insegurança. Então é difícil. A responsabilidade não é do presidente eleito, é do país todo. Mas eu vi que nas declarações de todos os candidatos que eles iriam com mais ênfase na questão da segurança.

Pergunta - O sr. acha que o candidato do PT reúne as condições para promover um pacto social?
FHC
- Eu falo como sociólogo. A situação do pacto social é uma situação na qual existe uma quebra de institucionalidade ou quando há uma crise de tal natureza que você tem de colocar entre parênteses as contradições da sociedade, os interesses que são conflitivos. Então você diz: a despeito disso eu não vou falar mais nos meus interesses.
Não é o caso do Brasil. Essa expressão é mais usada politicamente _e eu não critico isso- como sendo uma boa vontade para um diálogo com o conjunto da sociedade. Nesse sentido é correto, mas não corresponde propriamente ao que se pode entender por pacto social. Nós não estamos saindo de uma ditadura, nós não estamos com uma crise que não tenha condições de ser controlada pelo aparelho institucional.

Pergunta - O sr. poderia enviar ao Senado a indicação da diretoria do Banco Central do próximo governo?
FHC
- Eu ainda não conversei com o presidente eleito e não quero me antecipar, mas eu posso garantir que, se isso for necessário para dar prosseguimento à normalidade dos mercados, eu não tenho dúvida quanto a isso. Não sei se será necessário. Não sei se desejarão, mas eu acho que minha disposição é a disposição de facilitar a continuidade das políticas, conforme o presidente eleito disse, a continuidade dos contratos, continuidade dos compromissos que o Brasil tem tanto no plano internacional politicamente falando na luta por acesso a mercados quanto à questão financeira certamente eu estou disposto.

Pergunta - O sr. pode fazer alguma nomeação, não apenas indicação, de algum integrante do novo governo?
FHC
- Posso fazer as duas coisas. Posso fazer o que for necessário, eu não estou aqui para colocar entraves a que o próximo presidente exerça na plenitude desde o primeiro dia o seu mandato.

Pergunta - O candidato do sr. perdeu, foi derrotado. Eu gostaria que o sr. fizesse uma autocrítica.
FHC
- Em primeiro lugar, por que esse personalismo? Eu votei no candidato Serra, foi o meu candidato, o candidato do meu partido, não do Palácio do Planalto. O Planalto não entrou na luta. Uma das virtudes da democracia é que o governo não entra na briga. O Palácio do Planalto não fez nada a favor de A, de B ou de C.

A sua pergunta está errada pela base, a suposição de que houve uma derrota do Palácio do Planalto, não houve. Houve uma perda de um candidato que eu apoiei e que o meu partido apoiou, mas o próprio candidato declarou claramente que não era candidato do governo, no sentido de que o governo não estava usando a máquina e no sentido de que o governo tinha uma coligação muito ampla e alguns setores não o apoiaram. De modo que perguntar em que eu errei não cabe. Posso ter errado em muitas coisas, mas não há relação nisso com a eleição, não é dessa maneira pessoal. [A derrota] não é explicável em função do que o Palácio errou ou não errou. O Palácio não se meteu.

Pergunta - Reformulando a pergunta. Em que o sr. atrapalhou?
FHC
- Eu não posso responder a isso, você deve fazer essa pergunta a quem se acha atrapalhado, não a mim. Eu não ouvi ninguém falar que eu atrapalhei ou não atrapalhei.

Pergunta - O que o sr. acha de o PT ter mudado o discurso, ter caminhado em direção ao centro?
FHC
- Eu não quero fazer juízos a esta altura sobre PT, sobre caminhar ou não caminhar [para o centro] e, se caminharam em uma direção com a qual eu concordo, melhor. Melhor para o PT, a meu ver. Alguns podem achar que não. Eu acho que é melhor. E se o povo achou que para ganhar é preciso disso daí...

Nas democracias mais maduras, a margem de discordância entre correntes não é muito grande. Por isso o ministro Malan lutou tanto contra as afirmações simplistas -"Estamos contra tudo que aí está, vamos fazer uma ruptura"- porque isso simplesmente não tem base no mundo contemporâneo, não existe tal proposta... proposta pode haver, não existe tal caminho.

Mas eu não estou querendo criticar nada, ao contrário, eu acho que isso é demonstração de [...] reconhecer que existem situações nas quais nós vamos ter que tomar certas atitudes e que as atitudes não são tomadas nem por maldade nem para ferir o interesse do povo nem o nacional, mas por circunstâncias a partir das quais é possível sim avançar em benefício do interesse nacional.

De modo que eu não estou fazendo nenhuma crítica a essa eventual mudança de rota, até porque eu acho que quem não muda vira pedra. A mim me criticaram tanto por ter dito um coisa que eu não disse, que era esquecer aquilo que eu escrevi, eu nunca disse isso. Então por que eu vou criticar os outros se eventualmente fizeram correção de rumo? Não, acho que a vida política, a vida humana implica mesmo correção de rumo. Se o rumo for para melhor, tem o meu aplauso.

Pergunta - O sr. acha que neste fim de governo pode haver uma confusão sobre quem está decidindo?
FHC
- Não acredito. Eu acho que essas coisas são ... para fazer um pouco de brilho, de onda, tal. Mas eu vou governar até o fim do meu mandato, seguindo os programas que estão em marcha, se possível acelerando alguns. Agora, isso não impede que eu possa facilitar o próximo governo, isso é uma questão de compromisso com o país. Já foi a época em que o governo fazia tudo para que o outro não desse certo. É tão difícil governar que, quanto mais eu facilitar, eu acho que é melhor. E mesmo assim vai ser tanta coisa difícil para ser resolvida.

Pergunta - O sr. imaginava que fosse dessa forma esta transição, esperava viver um momento como este?
FHC
- Não. Sinceramente, não. Já passei por muitos governos, por muitas crises, por muitas transmissões de cargo, eu imaginei que ia ser muito mais complicado. Isso mostra, de novo, que não foi apenas o governo atual tomou decisões que me parecem no caminho certo, mas que o povo brasileiro permite essas decisões, suscita essas decisões.

Em outra época não era assim. A expectativa não era que se criasse um clima digamos de facilitar na transição. A expectativa era de criar dificuldade para ganhar a próxima eleição. Eu nunca acreditei no quanto pior, melhor. Nunca acreditei que alguém ganhe ou perca eleição, simplesmente porque errou ou porque acertou. Há muitos fatores que interferem na formação da opinião pública, no momento da eleição.

Eu acho que, ao fazer isso, eu cumpro um dever constitucional, dever democrático, eu sou um democrata, e isso não prejulga nada quanto ao desempenho futuro do governo, nem dificulta ou facilita para aqueles que venham eventualmente fazer-me oposição. Eu acho simplesmente que é um aperfeiçoamento das instituições democráticas e disso sim eu tanto me orgulho.
Muito obrigado.

Pergunta - O senhor vai se candidatar de novo?
FHC
- Não, não [risos]."

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