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30/10/2002 - 07h44

Cupons são "retrocesso", diz Wanda Engel

RANIER BRAGON
da Agência Folha, em Belo Horizonte

A coordenadora dos atuais 13 programas de combate à miséria do governo Fernando Henrique Cardoso, a geógrafa e doutora em educação Wanda Engel, 58, afirmou ontem à Folha considerar um "retrocesso" a possível reativação dos "cupons de alimentação" como instrumento de combate à fome.

A proposta vem sendo estudada pela cúpula petista como meio de tentar cumprir a promessa feita pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de dar a seu primeiro ano de mandato o "selo de combate à fome".

Segundo Engel, que coordena o Projeto Alvorada, dar dinheiro diretamente ao beneficiado _por meio de cartões bancários_ tem se mostrado uma prática muito mais eficaz. "Abrir mão de ter dinheiro por meio do cartão é um retrocesso", afirma.

Engel diz que é necessário o oferecimento de condições de promoção humana, como acesso à educação, saúde e a programas de geração de renda.

Ela disse também acreditar ser uma questão "muito complicada" a idéia dos petistas de usar os R$ 4 bilhões do Fundo de Combate à Pobreza para financiar o projeto de combate a fome, já que outros programas sociais se utilizam do fundo. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

Folha - O que a sra. achou da proposta de combate à fome como prioridade do novo governo?
Wanda Engel
- Acho excelente dar prioridade zero para a questão da pobreza. Eu apenas descolaria um pouco da questão da fome e chegaria a uma proposta de superação de miséria. O nosso problema não é inexistência de comida, mas a inexistência de recursos financeiros para a aquisição de comida. A fome, na verdade, é sintoma de uma situação de pobreza absoluta que faz com que 24 milhões de pessoas não tenham renda suficiente para adquirir o mínimo de calorias necessárias à manutenção da vida.

Folha - A sra. propõe outras ações aliadas ao combate à fome?
Engel
- Para essa categoria de miseráveis, que a gente chama de núcleo duro da pobreza, sem dúvida nenhuma não dá para ir com essa de ou dar o peixe ou ensinar a pescar, porque ele morre de fome antes de lhe ensinarem a pescar. Acho que o que evoluiu foi que saímos da questão da distribuição de comida, de boleto, para dar dinheiro direto à família.

Folha - Qual a diferença do "boleto" e do dinheiro direto?
Engel
- Primeiro, a gente acaba com esse preconceito de que pobre não sabe gastar dinheiro e que vai comprar cachaça, porque, na verdade, se for distribuído em comida, boleto, seja o que for, se ele quiser trocar por cachaça ele vai trocar e ainda vai ter um ágio.
Além disso, a gente vem descobrindo que existe uma racionalidade no uso desse recurso, racionalidade maior se você coloca esse recurso na mão da mulher. Abrir mão de ter dinheiro através do cartão é um retrocesso porque você tem um mecanismo pronto.

Folha - Quantos cartões já foram distribuídos?
Engel
- Oito milhões. A meta é chegar até 9.300 famílias até o fim do ano. Estamos em um processo de cadastramento não só dos 24 milhões de miseráveis, mas dos 57 milhões de pobres. Já cadastramos cerca de 60% das famílias, esperamos que até o fim do ano esse índice chegue a 80%.

Folha - Houve um atraso nesse cadastramento, não?
Engel
- Várias questões contribuíram para isso, uma delas foi o período eleitoral, porque havia uma certa desconfiança do uso que se faria disso.

Folha - É viável a proposta de tirar recursos do Fundo de Combate à Pobreza para financiar o programa contra a fome?
Engel
- Esses R$ 4 bilhões [recursos médios anuais do fundo] estão divididos na rede de proteção social, no Bolsa-Alimentação, no Bolsa-Escola, no Peti, no Agente Jovem, em programas de saneamento. É uma questão complicada. Acho muito difícil.

Folha - Por que o governo FHC não conseguiu erradicar a fome?
Engel
- Apesar de não afirmar que não existe gente passando fome, acho essa idéia falsa. Se tiver ainda alguém passando fome é por dificuldade das prefeituras de chegar a essas famílias.

Veja também o especial Governo Lula
 

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