Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
02/02/2003 - 05h59

Graziano indica que Vale-Gás e Bolsa-Renda podem acabar

MARTA SALOMON
da Folha de S.Paulo, em Brasília

Refratário às críticas feitas ao formato do Fome Zero, principal programa social do governo Lula, o ministro José Graziano (Combate à Fome) indica que dois dos programas de distribuição de renda bancados com dinheiro da União podem ser suspensos.

É o resultado da avaliação dos programas sociais herdados do governo FHC: "O Vale-Gás e o Bolsa-Renda têm cadastros ruins e acabaram tendo uso eleitoral", relatou Graziano.

O Vale-Gás foi o último dos programas sociais criados por FHC e repassa R$ 15 a cada dois meses a 8,5 milhões de pessoas. O Bolsa-Renda dá R$ 30 por mês a 842 mil famílias que moram em municípios atingidos pela seca.

Segundo Graziano, a intenção do Cartão-Alimentação não é acabar com os demais programas de renda mínima, mas complementá-los. O Bolsa-Escola e o Bolsa-Alimentação repassam entre R$ 15 e R$ 45 por mês a famílias com gestantes, nutrizes e crianças de seis meses até 15 anos de idade.

Em entrevista por e-mail, o ministro defende o Cartão-Alimentação das críticas dos que vêem nele uma mera ação assistencialista, ao vincular o uso do dinheiro à compra de alimentos. Mas reconhece: "O Cartão-Alimentação, que é uma evolução da cesta básica, é uma ação específica".

O ministro desconversa quando o assunto é a comprovação das despesas -que tem sido alvo de críticas. "Na nossa concepção, não importa a fiscalização de como foi feito o gasto. O que importa é a organização popular que uma ação como essa promove."

Graziano confirma que o Cartão-Alimentação se inspira no programa "Food Stamp", criado em 1964 nos EUA e que consome US$ 18 bilhões. Lá, como aqui, o dinheiro sacado por meio de cartão magnético só pode ser usado na compra de certos alimentos.

Ainda segundo o ministro, o principal programa social de Lula só terá formato definitivo em agosto. A experiência a ser lançada em Guaribas e Acauã, no Piauí, vai passar por uma auditoria externa dentro de seis meses.

Folha - Por que o Fome Zero insiste em vincular o uso do dinheiro a ser repassado às famílias à compra de alimentos, nos mesmos moldes do "Food Stamp" americano?

José Graziano
- O "Food Stamp" foi um modelo analisado no desenvolvimento de uma das ações do Fome Zero, o Cartão-Alimentação. A proposta é vincular o dinheiro à alimentação. As transferências de recursos do governo federal hoje são quase todas vinculadas. No Bolsa-Escola, é preciso comprovar a frequência escolar da criança. Os assentados da reforma agrária têm de mostrar onde usam recursos do crédito rural.

Nós estamos fazendo uma ação de combate à fome. Queremos que as pessoas comprem comida com esse dinheiro. O Cartão-Alimentação não irá substituir os programas, semelhantes ao renda mínima, que já existem no país. Ele irá complementá-los.

Folha - Se a intenção é combater a pobreza e promover cidadania, não seria mais adequado persistir no modelo dos programas de renda mínima, que dão liberdade de escolha às famílias e exigem contrapartidas de inclusão social?

Graziano
- Desde que foi elaborado, em 2001, o Fome Zero prevê ações específicas, com objetivo de dar comida a quem precisa com rapidez, e estruturais, que pretendem permitir que o beneficiário supere a situação de exclusão.

O Cartão-Alimentação, que é uma evolução da cesta básica, é uma ação específica. O renda mínima é uma ação estrutural. O Cartão-Alimentação também exige uma contrapartida: os beneficiários serão orientados a participar de programas habitacionais, de combate ao analfabetismo. E a vinculação à compra de alimentos não tem nenhum objetivo fiscal ou de controle burocrático.

Folha - Uma das críticas à exigência de recibos é que isso criaria uma indústria de notas frias, além de burocratizar o programa.

Graziano
- Repito que não temos nenhum objetivo fiscal. E a comprovação poderá ser, a critério dos comitês locais, um recibo formal, as anotações do dono da mercearia ou até o testemunho de quem vendeu.

Folha - O governo teve acesso à pesquisa segundo a qual, nos programas de renda mínima, as famílias já usam 70% do dinheiro na compra de alimentos?

Graziano
- Há muitas pesquisas atestando que as famílias gastam 70% ou até 80% dos recursos em alimentação. Esse dado só nos sugere que essa é uma discussão de detalhes. Na nossa concepção, não importa a fiscalização de como foi feito o gasto. O que importa é a organização popular que uma ação como a do Cartão-Alimentação promove.
A diferença entre o cartão e o Bolsa-Escola não é o vínculo ou não com o tipo de gasto. A diferença está no fato de que um promove a escola e outro cria um embrião de organização local: os comitês gestores. E, com o Cartão-Alimentação, que vincula a renda à compra de alimentos, o beneficiário dos programas de renda mínima terá mais dinheiro para construir sua cidadania.

Folha - Por que listar os alimentos que as famílias podem ou não consumir?

Graziano
- Não há nem nunca houve lista de alimentos que podem ou não ser comprados. Há apenas a proibição de adquirir bebida alcoólica, cigarro e refrigerante. O comitê local pode incentivar o consumo de produtos locais. Mas isso não significa proibição a produtos de fora.

Folha - O sr. concorda com a idéia de unificar os programas sociais? Acha que as bolsas deveriam acabar, assim como o Vale-Gás?

Graziano
- As ações sociais, evidentemente, devem ser bem articuladas, para evitar superposição de esforços e dispersão de recursos. Esse era um problema evidente nas ações do governo passado. Todos os programas já existentes estão sendo avaliados. Já vimos que o Bolsa-Escola e o Bolsa-Alimentação apresentam resultados positivos. Já o Vale-Gás e o Bolsa-Renda têm cadastros ruins e acabaram tendo uso eleitoral.

O Fome Zero vem ampliar e complementar esses programas. Os efeitos de cada programa existente estão sendo estudados e poderão ser readaptados para que sejam integrados ao programa.

Folha - Algumas entidades, como a Organização das Cooperativas Brasileiras, já se mostraram empenhadas em doar alimentos, mas ainda não há estrutura de distribuição nem o cadastro das famílias. Já foram definidas formas de distribuição?

Graziano
- O Fome Zero é grande demais para ser implantado de forma improvisada. Estamos definindo com muito cuidado os critérios para a doação e distribuição. Nas próximas semanas vamos anunciá-los. As doações que estão sendo feitas nesse momento estão sendo armazenadas na Conab. Em Brasília, já fizemos as primeiras doações. Cerca de uma tonelada de alimentos, que estavam armazenadas na Conab, foi distribuída para três entidades de assistência social, credenciadas pelo governo local.

Folha - O sr. disse que a doação de alimentos por restaurantes deve ser estimulada. Mas a legislação atribui a responsabilidade por eventuais problemas a quem doa. Há a idéia de mudar a legislação para incentivar doações?

Graziano
- Planejamos trazer à tona novamente a discussão sobre o Estatuto do Bom Samaritano, parado no Congresso, que descriminaliza a doação de alimentos. Mas, numa primeira fase, vamos propor que os municípios criem bancos de alimentos a partir das doações de alimentos não preparados feitas por supermercados e agroindústrias. A doação de restaurantes, de alimentos preparados, é mais complicada e ficará para uma segunda fase.

Folha - Como será feita a avaliação do Fome Zero?

Graziano
- Está prevista uma espécie de auditoria do piloto do Cartão-Alimentação seis meses após sua implantação. Esse processo será feito por uma empresa de fora. A partir do resultado, poderemos modificar algumas coisas. Isso não significa que o cartão só será expandido depois da avaliação. Queremos, ao contrário, estendê-lo gradativamente a cerca de mil municípios em situação de emergência no semi-árido.

Essa é nossa meta para esse modelo de cartão em 2003. Quero destacar que não estamos trabalhando com a lista total dos municípios em situação de emergência. São só alguns deles. E essa lista é atualizada diariamente.

Também estamos estudando a possibilidade de expandir o cartão para municípios que têm histórico de trabalho infantil e trabalho escravo.

Na segunda e na terça, vamos lançar o piloto do Cartão-Alimentação. Planejamos ainda anunciar em fevereiro o Banco de Alimentos e uma parceria de cooperação técnica com a FAO [organismo das Nações Unidas para agricultura e alimentação]. O Mutirão Social pelo Combate à Fome também ganhará fôlego neste mês. É um processo gradativo. Não podemos esquecer que o Fome Zero foi planejado para beneficiar milhões de pessoas que hoje não têm segurança alimentar. Esse número não inclui apenas subnutridos, mas a parte da população que não consegue fazer três refeições de boa qualidade todos os dias.

 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página