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16/02/2003 - 06h07

"Lua-de-mel" com Lula acabará, diz Bird

MARCIO AITH
da Folha de S.Paulo, em Washington

Um dos maiores entusiastas do governo Lula no mundo, o presidente do Bird (Banco Mundial), James Wolfensohn, teme que o cenário internacional comprometa investimentos no Brasil e reduza o crescimento do país.

Em entrevista exclusiva à Folha, Wolfensohn também vê como inevitável e natural o fim da lua-de-mel do presidente Lula com parte da opinião pública brasileira, como resultado de resistências à reforma previdenciária e a ações para redistribuir renda. Mesmo assim, acredita que Lula será capaz de cumprir suas promessas por ter obtido uma espécie de pacto social inovador no país.

"Quando os bolsos de muitas pessoas começarem a ser tocados [pelas políticas de Lula], problemas vão surgir. Sei disso. Mas Lula construiu uma coesão nacional. Se conseguir mantê-la, será muito difícil fracassar."

Segundo ele, o governo Lula "tem que dar certo" não só para o país como também para o futuro da América Latina e do banco, que defende há anos a idéia de que é possível, para um país em desenvolvimento, combater a pobreza mantendo ao mesmo tempo o equilíbrio da economia.

Wolfensohn deverá ir ao Brasil no final de março para encontrar-se novamente com Lula e com membros de sua equipe.

Apesar do caráter informal da visita, o Bird está oferecendo ao Brasil US$ 1 bi em empréstimos de rápido desembolso em 2003. Wolfensohn falou à Folha na sede do Bird, em Washington.

Folha - Como o sr. julga o governo Lula até agora?

James Wolfensohn
- Temos de julgar o desempenho do Brasil sob as condições globais. Em primeiro lugar, não está havendo crescimento econômico significativo no mundo inteiro. E é muito difícil combater a pobreza quando não há crescimento econômico. O segundo problema são as circunstâncias da geopolítica global, que afetam a disposição de os investidores assumirem risco.

A economia mundial está sendo afetada pelas crises do Iraque, da Coréia do Norte, pelo fundamentalismo, pelo Oriente Médio e por outros fatores. O Brasil é afetado por tudo isso. Não pode simplesmente declarar-se fora do mundo. E, estando dentro do mundo, poderá sofrer justamente por meio do canal de investimentos, do qual depende há anos em razão do nível de endividamento do país. Então, se não houver acordo [para evitar um conflito no Iraque], o Brasil será afetado como qualquer outro país e terá que se preparar.

Folha - Se o Brasil não conseguir crescer, por razões externas ou internas, como o sr. acha que Lula poderá fazer para cumprir suas promessas sociais e manter, ao mesmo tempo, o equilíbrio macroeconômico.

Wolfensohn
- Redistribuindo e realocando ativos e recursos. Queremos o crescimento, mas também observamos como essencial o elemento da redistribuição e da realocação de recursos no Brasil. Parece que esse processo já está ocorrendo e, o que é mais impressionante, com o voto de 52 milhões de pessoas, de forma democrática.

Folha - Apesar de seu otimismo, e do fato de Lula ter cortado R$ 20 bilhões do Orçamento para implementar sua nova meta de superávit fiscal, a taxa de risco-país continua acima de 1.300 pontos, típica de países à beira de uma moratória. Como o sr. explica isso considerando que Lula está fazendo exatamente o que os mercados queriam?

Wolfensohn
- A taxa de risco tem sido reduzida nos últimos meses. Há um apoio visível e crescente ao Brasil na comunidade internacional. O que ocorre é que o risco está sendo largamente afetado por critérios externos e pelo desempenho da economia mundial -não por problemas internos do Brasil. Como consequência, há uma redução nos recursos disponíveis para países em desenvolvimento. Isso empurra as taxas de juro cobradas dos papéis brasileiros. Sabemos dessa dificuldade e queremos ajudar, seja por meio do banco como também de nosso braço que empresta dinheiro ao setor privado, o IFC (International Finance Corporation).

Folha - De que forma o Bird pode ajudar?

Wolfensohn
- Se os tivéssemos, emprestaríamos todos os recursos necessários ao Brasil, investiríamos pesado no país. Lula não é apenas cativante, mas também consciente dos desafios financeiros e da posição do Brasil na economia global. Ele conseguiu convencer e entusiasmar antigos opositores. Existe uma transformação muito especial ocorrendo no país. É instigante. Mas já estamos perto de nosso limite de empréstimos ao país. Se o governo do Brasil solicitar, o Banco Mundial poderá disponibilizar recursos extraordinários de até US$ 1 bilhão em 2003 (adicional ao US$ 1,5 bilhão disponível para empréstimos de investimento em 2003 e dentro dos US$ 6 bilhões a US$ 10 bilhões já disponíveis ao Brasil até 2006). Além disso, temos que tentar defender o país publicamente. O Brasil tem que dar certo. Não só pelo país, mas por toda a América Latina.

Folha - Para o Bird também...

Wolfensohn
- Sim, para o banco também. Não fiz cálculos ainda com relação a quanto perderíamos se o Brasil fracassasse.

Folha - Refiro-me à retórica do banco, de que é possível combater a pobreza cortando gastos ao mesmo tempo.

Wolfensohn
- Não se trata de retórica, mas do que é correto. A simples idéia do Fome Zero é fantástica porque capta a imaginação. Não somente o combate à fome, como também a ênfase na educação, em novas oportunidades, na inclusão social. Lembre-se que há pouco tempo Lula era tido como um líder esquerdista que estava lá para constranger e atrapalhar todo mundo. Hoje, as pessoas reconhecem que ele é a voz da nação. E ainda nomeou um ótimo ministério.

Folha - O sr. não está se deixando influenciar pela lua-de-mel, normal em todo começo de governo?

Wolfensohn
- É verdade, estamos nos primeiros cem dias, numa lua-de-mel. Haverá dificuldades. Talvez geradas externa ou localmente. Conheço muito bem o Brasil para saber que, lá, as coisas quase nunca ocorrem suavemente. Existem os desafios das reformas previdenciária e tributária, da redistribuição da riqueza. Quando os bolsos de muitas pessoas começarem a ser tocados, problemas vão surgir. Sei disso. Mas Lula construiu uma coesão nacional. Se conseguir mantê-la, será muito difícil fracassar.

Folha - O programa Fome Zero tem recebido muitas críticas. Para alguns, é populista e demagogo. Para outros, ineficiente e assistencialista. Não seria melhor reforçar programas como o Bolsa-Escola, consagrado pelo próprio Bird?

Wolfensohn
- Serei franco com você. Não estudei o programa a fundo. O que me impressiona nele é o sentido de direção, mais do que sua natureza. Conheço as críticas feitas no Brasil a esse programa, mas continuo achando que ele é uma boa iniciativa. Acho essencial que o setor privado se engaje nesse projeto.

Folha - E se o programa fracassar? Há espaço político para ser readaptado?

Wolfensohn
- Claro. Não se pode exigir perfeição logo no início. Se o programa não funcionar, se o dinheiro se perder no meio do caminho, o governo terá que propor outro. Certamente há outros modelos. Mas, pelo que sei, o Fome Zero tem sido muito bem administrado. Estou indo ao Brasil novamente no final de março para encontrar-me novamente com o presidente Lula e com membros de sua equipe.
 

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