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05/03/2003 - 05h06

Lula pode descartar Cadastro Único social

MARTA SALOMON
da Folha de S.Paulo, em Brasília

Um dos principais legados da era Fernando Henrique Cardoso na área social corre o risco de ir para o lixo. Depois de ter custado aos cofres públicos R$ 100 milhões, o Cadastro Único para programas sociais do governo federal vai passar pelo menos por uma reforma na administração Luiz Inácio Lula da Silva, que cogitou até de descartar o trabalho já feito.

O sinal mais forte dado até aqui contrário ao cadastro foi o critério de escolha das primeiras famílias beneficiadas pelo Fome Zero, principal programa social de Lula: a prioridade foi dada a famílias que não constam do cadastro. Em quase 10% delas, os chefes nem sequer têm documentos. Das 1.000 famílias do projeto-piloto em Guaribas e Acauã (PI), 477 (48%) estão no Cadastro Único.

Ainda não se sabe ao certo o que vai sobrar do que deveria ser o banco de dados unificado com o perfil dos pobres brasileiros -aqueles cujas famílias têm renda de até meio salário mínimo por pessoa-, base para o acompanhamento da eficiência dos programas sociais. O trabalho foi deixado incompleto por FHC. Chegou a ser atualizado no primeiro mês de governo Lula, até alcançar 66% dos 9,3 milhões de famílias (estimativa de pobres, com base no Censo de 2000) em 96% dos municípios do país.

A ministra Benedita da Silva (Assistência e Promoção Social), que herdou o cadastro da Secretaria de Assistência Social, informa que ele está sob avaliação. O novo diretor do departamento de informação e avaliação do ministério, Cláudio Roquette, disse que a intenção é aproveitar pelo menos em parte o trabalho já feito, mas não descarta uma nova ida a campo depois de uma ampla discussão. Previsão para a terminar o trabalho não há.

Desmonte

Contra o resultado do Cadastro Único, erguem-se alguns argumentos. O principal seriam indícios colhidos pela equipe do Fome Zero em Guaribas e Acauã. Lá teriam sido encontradas pessoas pobres fora do cadastro e pessoas cadastradas indevidamente.
Soma-se a isso a suspeita levantada em município de Pernambuco, cujo nome não é revelado, em que 95% da população teria o mesmo endereço, o da prefeitura.

As falhas no cadastro são confirmadas por auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União), que apurou a qualidade e a confiabilidade dos dados. Em relatório de 270 páginas, pronto para ser votado pelo tribunal, técnicos constataram que o cadastro inclui gente que não deveria estar lá e há omissões. A renda declarada pelos entrevistados nem sempre confere com a realidade. Mas, segundo auditoria, a influência eleitoral se resume a fatos isolados.

A falta de critérios mais precisos para identificar o público do cadastro (quem aponta os pobres são as prefeituras) também é um risco apontado em estudo de Carlos Alberto Ramos, professor da UNB (Universidade de Brasília), feito a pedido do governo tucano.

A pesquisa conclui que, apesar do risco de as informações do cadastro terem "consistência próxima de zero", os resultados não confirmam a tese quase "apocalíptica". "O cadastro foi imaginado como sendo um potencial instrumento para subsidiar e avaliar as políticas públicas na área social e, nesse sentido, parece ter passado a primeira tentativa de validação", resume Ramos.

Espécie de "mãe" do cadastro, a economista do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) Ana Lobato enxerga motivos políticos na ameaça de implosão do cadastro. Por trás das críticas técnicas, haveria um ataque à tentativa de unificação dos programas sociais, indicada por FHC, e uma grande disputa entre os pelo menos quatro ministérios que cuidam diretamente da área social no governo Lula. "Acho uma loucura acabar com o cadastro, que custou racionalidade e recursos públicos", alega.

O cadastro unificado e o cartão magnético único para saque do dinheiro repassado às famílias pobres seriam o primeiro passo para a unificação dos programas sociais. O passo foi dado por FHC, mas enfrenta resistências no governo Lula. "A tendência é cada ministro ter seu feudo, querer ter seus "pobres'", diz Ana Lobato.

A equipe de transição, coordenada por Antonio Palocci Filho, sugeriu que todos os programas de transferência de renda e mais o programa que seria criado (o Cartão-Alimentação, do Fome Zero), assim como o cadastro, fossem coordenados por um único ministério ou secretaria. A recomendação foi ignorada na escalação do governo Lula.

O Cadastro Único foi lançado em julho de 2001 e pretendia traçar um perfil completo das famílias pobres. O banco de dados foi centralizado na Caixa Econômica Federal -que até hoje não permite acesso inteligente às informações e, por isso, provavelmente perderá o papel de processadora dos dados.


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