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07/04/2003 - 09h58

Entrevista: Kapaz cria ONG para combater pirataria

LÁSZLÓ VARGA
da Folha de S.Paulo

O empresário do setor de brinquedos Emerson Kapaz, 48, começou a tornar-se uma pessoa pública no final dos anos 80, quando era um dos principais líderes do PNBE (Pensamento Nacional das Bases Empresariais).

A entidade tinha como colaboradores pequenos industriais, que defendiam a democracia e se contrapunham ao pensamento de parte das grandes indústrias do país, que tinham se acostumado com o regime militar.

Duas décadas depois, período em que foi eleito deputado federal de São Paulo pelo PSDB, passando depois para o PPS, secretário de Ciência e Tecnologia do governo Mario Covas e perdendo uma candidatura a vice-prefeito de São Paulo, Kapaz decidiu agora suspender momentaneamente suas atividades políticas. Aliou-se a grandes conglomerados industriais de cigarros, refrigerantes, cervejas e combustíveis para criar o Etco (Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial).

A nova ONG tem entre seus colaboradores Shell, AmBev, Souza Cruz e BR Distribuidora e será lançada amanhã, em Brasília. Seu objetivo inicial é combater a sonegação de impostos e o contrabando de produtos de concorrentes de seus membros.

Na entrevista concedida à Folha, Kapaz cita dados como os que apontam que o contrabando movimenta cerca de R$ 35 bilhões por ano no Brasil.

Folha - O que é o Etco e quais seus objetivos?
Emerson Kapaz
- O Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial [Etco] surgiu da confluência de quatro segmentos econômicos que estavam trabalhando individualmente contra a sonegação de impostos, contrabando, pirataria e falsificação de marcas. Várias empresas de setores de cigarros, refrigerantes, cervejas e combustíveis faziam trabalhos muito parecidos contra essas violações da lei. Mas atuavam individualmente. Elas decidiram criar o Etco porque tinham trabalhos semelhantes e perceberam que os problemas não eram apenas localizados nos seus setores, mas estavam contaminando toda a sociedade.

Folha - A Abes (Associação Brasileira das Empresas de Software) já faz um trabalho de combate à pirataria. Ela participa do instituto?
Kapaz
- De fato, a Abes tem um trabalho de combate à pirataria de softwares, que já chega a US$ 800 milhões anuais. O que corresponde a quase 50% do mercado de programas para computadores. Acontece que fui convidado pelas empresas de cervejas, refrigerantes, cigarros e combustíveis para ser o presidente executivo do Etco e tenho de focar primeiro meu trabalho naqueles setores. Depois pensaremos em parcerias com outros setores organizados de combate à pirataria, como as indústrias de softwares e CDs.

Folha - A iniciativa de criar o Etco foi portanto das empresas?
Kapaz
- Sim. Foram empresas como AmBev, Coca-Cola, Kaiser, Souza Cruz e os dez maiores distribuidores de combustíveis do Brasil, como Shell, Esso, Texaco, Ipiranga, Agip, Castrol, Repsol e BR Distribuidora. Essas empresas faturam ao todo cerca de R$ 160 bilhões por ano, ou cerca de 12% do PIB [Produto Interno Bruto].

Folha - Como cada um dos setores envolvidos vinha lidando antes do Etco com a pirataria e a sonegação fiscal de concorrentes?
Kapaz
- Cada setor tem problemas específicos. Nos setores de refrigerantes e cervejas, por exemplo, existe um forte problema de sonegação. Alguns casos de falsificação de marcas começam a surgir também nesses setores. A Antarctica tem sido alvo disso. No caso dos combustíveis, os problemas maiores são sonegação fiscal e adulteração dos produtos. O volume de combustível vendido irregularmente não é muito grande, representa 7% do total, mas corresponde a R$ 3,1 bilhões por ano de sonegação fiscal. No caso dos cigarros, o problema é mesmo contrabando. No Brasil, 33% dos cigarros vendidos são contrabandeados e têm péssima qualidade. O que pode afetar ainda mais a saúde das pessoas. São cigarros de quarta categoria, que na maioria das vezes vem contrabandeados do Paraguai. O Paraguai hoje tem 32 fábricas de cigarros, produzindo uma enormidade de cigarros.

Folha - A Souza Cruz sofreu acusações em 1998 de exportar cigarros para o Paraguai, a fim de que fossem reintroduzidos no Brasil via contrabando. Isso não compromete sua participação no Etco?
Kapaz
- Existe aí um engano. Várias fábricas brasileiras exportavam na época cigarros para o Paraguai, a fim de que eles entrassem novamente no Brasil via contrabando. Foi a Souza Cruz que percebeu isso e levou ao governo uma sugestão de que fosse criado um imposto de 150% sobre os cigarros exportados para o Paraguai. Foi iniciativa da Souza Cruz sugerir esse imposto, pois ela era vítima dessa prática. O governo aceitou a idéia e criou a taxa. Com esse imposto, as fábricas de cigarros que existiam no país para vender produtos no Paraguai, visando o contrabando para o Brasil, fecharam aqui e abriram lá. Daí a existência hoje de 32 fábricas de cigarros no Paraguai.

E não é só cigarro. O Paraguai, na minha opinião, é a ONU do contrabando do mundo. É um problema internacional que o governo precisa resolver. Todo tipo de produto vai para lá e entra no Brasil. Tudo o que quiser. Videocassete, software, brinquedo, TVs. A estimativa da Unafisco Sindical [Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal] é de que o contrabando no Brasil movimenta algo em torno de R$ 35 bilhões por ano.

Folha - A sonegação e a pirataria no Brasil têm crescido?
Kapaz
- Sim. O que justifica a criação do novo instituto. As tubaínas [refrigerantes mais baratos] representavam cerca de 5% do mercado há dez anos. Hoje correspondem a 40%. Muitos dos fabricantes não pagam impostos. No setor de cigarros, produtos contrabandeados ou que não pagam impostos representavam 8% a 10% do mercado e agora representam 33% dos negócios. Em combustíveis a adulteração de produtos também cresceu muito.

Folha - O problema principal é a sonegação de impostos?
Kapaz
- Há muito mais atrás disso tudo. A margem de lucro de empresas que sonegam impostos é muito grande. Devido a isso, começa a surgir um Estado paralelo, que tem conexão direta com o narcotráfico, o crime organizado, o contrabando e a violência. Um consumidor que compra hoje um combustível adulterado ou um refrigerante mais barato muitas vezes não se importa se esses produtos pagam impostos ou não. Mas ele está sustentando o crime organizado e o narcotráfico. E portanto a violência, que o afeta. Além disso, a compra de produtos irregulares afeta o emprego formal.

Um dos principais motivos da criação do instituto é mostrar que esse Estado paralelo que está surgindo está inviabilizando a expansão do emprego formal e provavelmente está gerando um rombo na Previdência Social, devido ao não recolhimento de contribuições. Alguns consumidores acham que não existe problema nenhum ao comprar produto que sonega imposto e não percebe que a violência está crescendo também por conta disso. A oxigenação financeira das quadrilhas vem muitas vezes de negócios relacionados à sonegação de impostos e ao contrabando. Isso é confirmado pela Secretaria de Estado de Segurança Pública de São Paulo.

Folha - O aumento da compra de produtos contrabandeados ou adulterados não se deve à queda do poder aquisitivo da população? A reforma tributária resolveria o problema?
Kapaz
- Sem dúvida. Vamos trabalhar para viabilizar uma reforma tributária mais justa, eficiente e menos onerosa para setores representados pelo Etco. Na realidade, os setores de cervejas, refrigerantes, cigarros e combustíveis pagam uma carga tributária enorme para compensar outros setores ou empresas que não contribuem com quase nada. Agora, o consumidor de fato compra produtos irregulares porque não tem dinheiro. Mas a renda baixa é fruto da falta de crescimento da economia, de não termos uma economia eticamente competitiva.

Folha - Qual o tamanho da carga fiscal nesses quatro setores que o instituto representa?
Kapaz
- No cigarro, é de 70%. Em refrigerantes e cervejas, os impostos como IPI, ICMS, PIS/Pasep e Cofins representam 40%. E em combustíveis, cerca de 35%. Isso sem levar em conta o Imposto de Renda que as empresas pagam para a Receita Federal.

Folha - O governo pretende com a reforma tributária acabar com o imposto em cascata do PIS/Pasep e da Cofins. Isso ajuda mesmo as empresas?
Kapaz
- Ajuda um pouco. Principalmente os exportadores. O grande problema do imposto em cascata é que ele significa exportação de impostos. Eles são devolvidos depois de algum tempo, mas o exportador acaba nem considerando essa devolução. O que tira nossa competitividade. Mas o mais importante na reforma tributária é a criação do IVA no lugar do ICMS, com alíquotas iguais para todos os Estados. E o IVA recolhido no destino ajuda a acabar com a guerra fiscal entre os Estados. O mais importante é desonerar quem está pagando impostos hoje.

O governo precisa sinalizar que os impostos vão cair para os setores que pagam muito. E conseguir trazer para o sistema empresas que não recolhem impostos atualmente. Um dos problemas atuais do governo é saber como fará a transição para trazer para dentro do sistema empresas que não pagam impostos. Pessoalmente, defendo a tese de que o governo deve criar um limite de carga tributária no país em relação ao PIB. A partir do momento que se superasse um patamar de 36% do PIB, por exemplo, o governo reduziria alíquotas de impostos como a CPMF. Isso atrairia empresas que estão hoje na informalidade. Seria criado um círculo virtuoso, no qual menos impostos trariam mais empresas contribuintes, o que elevaria a arrecadação e consequentemente levaria o governo a reduzir novamente a carga de tributos.

Folha - O sr. apresentou essa proposta ao governo?
Kapaz
- Sim. Apresentei ao ministro Antonio Palocci [Fazenda] em um debate, e ele a achou interessante. Na transição que o governo está sinalizando sobre a CPMF, dizendo que ela não será extinta, o governo poderá baixar a alíquota da CPMF, ou talvez do IVA, quando a arrecadação aumentar. Se o governo fizer isso, o consumidor será estimulado a cobrar notas fiscais de quem lhe vende os produtos. O que favorecerá um mutirão da sociedade para o pagamento de impostos, a fim de que ele resulte mais tarde em redução das taxas.

Folha - Como o Etco vai trabalhar para evitar a sonegação?
Kapaz
- Estamos recolhendo dados sobre os quatro setores ligados ao instituto, como é que funciona a sonegação e o contrabando. Pretendemos compartilhar esses dados com os governos dos Estados e a União. No Estado de São Paulo, por exemplo, o governo Geraldo Alckmin [PSDB] autorizou parcerias entre o Etco e as secretarias de Fazenda, Segurança e Justiça. O objetivo é eliminar os problemas de sonegação e contrabando.

Sugerimos, por exemplo, que a Fazenda adote medidores de vazões de cervejas e refrigerantes nas fábricas, o que permite saber exatamente quantos litros das bebidas são fabricados. Até mesmo saber a graduação alcoólica dos produtos. A Fazenda de São Paulo está estudando o assunto. Esses equipamentos já foram introduzidos em Pernambuco e na Bahia, únicos Estados que já começaram um processo de adoção desses sistemas. O governo federal deve introduzir esse tipo de medição para controlar a arrecadação do PIS/ Pasep e Cofins.

Folha - Outros Estados estão dispostos a adotar esse sistema?
Kapaz
- Além de São Paulo, estamos em negociações com os governos do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais. Vamos tratar do assunto com o governo do Mato Grosso do Sul e também queremos conversar com o de Pernambuco, que já começou a adotar esses equipamentos de medição. Nosso objetivo é fazer algo articulado com o governo federal. Tivemos uma reunião no dia 2 de abril com o ministro da Casa Civil, José Dirceu, e ele se mostrou muito entusiasmado com a criação do instituto e a possibilidade de uma parceria com o governo federal. Com o ministro Dirceu, conversamos também sobre a criação de um programa nacional de combate à ilegalidade, que envolveria quatro ou cinco ministérios, como Justiça, Fazenda e Casa Civil. Mostramos ao ministro que o crescimento da violência, a situação que vive o Rio de Janeiro, esse Estado paralelo que está surgindo, tem a ver com a economia ilegal. Quem não recolhe impostos tem um poder de fogo enorme e pode fazer o que bem entender. Comprar [corromper] quem ele bem entender. Isso pode estar envolvendo o Legislativo, o Judiciário. Queremos que o combate à economia ilegal se torne um programa do governo.

Folha - Qual o orçamento do Etco?
Kapaz
- É de R$ 1 milhão por ano. Basicamente será usado para a manutenção do instituto e para as atividades que planejamos.

Folha - O sr. terminou em 2002 seu mandato de deputado federal por São Paulo. Começou no PSDB e terminou no PPS. Tentou se eleger vice-prefeito de São Paulo com a candidatura da hoje deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP). Tem novas pretensões políticas?
Kapaz
-Estou me desfiliando do PPS. No cargo que exerço no Etco, tenho de estar desfiliado de qualquer partido, pois vou realizar um trabalho com governadores de vários partidos. Mas a idéia da função política está na minha visão do mundo. Quero um dia voltar à vida pública.
 

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