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09/04/2003 - 08h39

Fome Zero engasga e área social, desordenada, patina

MARTA SALOMON
da Folha de S.Paulo, em Brasília

No pronunciamento em cadeia de rádio e TV de anteontem à noite, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que ficaria realizado se, ao final do mandato, nenhum brasileiro precisar de doação de cesta básica para se alimentar. Faltou dizer que a volta das cestas -de forma direta ou disfarçada- é uma novidade da política social de Lula e o maior indício de um eventual retrocesso no que deveria ser a vitrine do governo petista, que começou marcada por uma série de confusões -operacionais, políticas e de concepção.

No Brasil, as cestas básicas -sinônimo de assistencialismo- deixaram de ser distribuídas no final de 2000 para dar lugar a programas de transferência de renda: dinheiro na mão da população pobre para comprar o que bem entendesse. Na maioria dos casos, o dinheiro comprou alimentos.

A volta disfarçada da cesta básica se deu na forma do Cartão-Alimentação, principal novidade do Fome Zero. Inspirado no quase quarentão Food Stamp norte-americano, o Fome Zero fixou o valor de R$ 50 por família e determinou que o dinheiro só poderá ser usado na compra de comida. Segundo seus idealizadores "um atalho para combater a pobreza", o programa de Lula parece ter dificuldades para deslanchar -além de ser criticado por especialistas em política social.

Alvo de críticas e de dúvidas inclusive entre petistas e no governo, o programa mostrou-se tão forte até aqui quanto o seu idealizador, o ministro José Graziano (Segurança Alimentar e Combate à Fome). Lula resistiu às pressões para demiti-lo. Para o futuro, a idéia é transformar o Fome Zero em padrão de política social, dispensando as famílias de contrapartidas obrigatórias, como a frequência às aulas exigida no programa Bolsa-Escola.

A proposta do ministro Cristovam Buarque (Educação) de aumentar o valor da bolsa (de R$ 15 por aluno, até o limite de R$ 45 por família) também foi abatida como tentativa de ataque ao Fome Zero, num dos episódios de desencontros na área social, onde ainda falta um comandante nos moldes em que Antonio Palocci Filho é na área econômica e José Dirceu, na área política.

A volta da cesta básica de forma explícita foi anunciada logo depois do Carnaval. As primeiras deverão chegar nos próximos dias a cerca de 60 mil sem-terra acampados, à espera da reforma agrária. A distribuição atendeu a um pedido do ministro Miguel Rossetto (Desenvolvimento Agrário).

Sem dinheiro para levar adiante novos assentamentos, Rossetto cuidou de atender com cestas os não-assentados. Trata-se de um programa emergencial, com prazo de três meses para terminar.

A forma de lidar com o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), merece registro na história dos cem primeiros dias de gestão Lula. Sem clima político para levar adiante o debate da MP editada por FHC com o objetivo de conter as invasões de terra, o governo vem descumprindo as punições previstas aos invasores: optou por deixar a lei no papel.

Também ficará no papel boa parte dos investimentos na área social autorizados pela lei do Orçamento de 2003. Por conta do corte de gastos acertado com o FMI, 72% dos investimentos públicos foram suspensos, entre eles obras de saneamento, importantes no combate à pobreza. Nenhum tostão dos R$ 217,9 milhões de investimentos previstos em saneamento no ano foi liberado nos cem primeiros dias de governo Lula. Nem o Fome Zero ficou imune aos cortes.

A equipe de Lula completa o período da transição governamental sem dominar a estrutura que herdou de FHC. Exemplo disso foram as recentes declarações de Dirceu sobre o Cadastro Único dos Programas Sociais. Ele disse que uma auditoria em curso do TCU revelaria conclusões "escandalosas" sobre a forma eleitoreira e burocrática como o cadastramento foi feito.

A auditoria, votada pelo tribunal no último dia 19, encontrou repetição no registro de 27 a cada mil pessoas cadastradas, além de problemas na aferição da renda da população pobre, baseada nas informações das próprios famílias. Mas considerou os desvios passíveis de correção.

O relatório da transição chefiada por Palocci sugeria que Lula adotasse "imediatamente" um novo modelo de gestão para romper com a "estrutura fragmentada" e articular os programas de transferência de renda. Outra coisa que ainda está no papel. Lula não seguiu o conselho e criou um sexto ministério para cuidar dos programas -o de Graziano.
 

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