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01/05/2003 - 14h34

Leia íntegra do discurso de Lula em São Bernardo do Campo

da Folha Online

Leia abaixo a íntegra do discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Igreja da Matriz, em São Bernardo do Campo (ABC Paulista), feito de improviso e que marcou as comemorações do Dia do Trabalho:

"Eu quero cumprimentar o bispo desta diocese, d. Ailton,

Quero cumprimentar o meu companheiro cardeal de São Paulo, d. Cláudio Hummes,

Quero cumprimentar todos os padres aqui presentes, em especial o meu querido padre Adelino, companheiro de velhas e longas jornadas aqui na região do ABC e São Bernardo do Campo, nos momentos em que as missas não eram feitas com a tranqüilidade com que estamos fazendo esta, no momento em que a polícia não estava aqui para nos guardar, mas para nos bater.

Eu quero dizer, padre Adelino, que a sua trajetória política como padre do nosso país faz parte da história do movimento sindical brasileiro, faz parte da história do PT e faz parte da história deste que vos fala.

Quero agradecer a presença aqui dos nossos deputados federais, estaduais, dos nossos prefeitos, dos nossos dirigentes sindicais, dos nossos ministros e ministras, dos nossos senadores e, sobretudo, dos companheiros e companheiras que frequentam este 1º de Maio.

É importante lembrar que o grande 1º de Maio feito junto com a igreja foi com Vinícius de Moraes, no Paço Municipal, no 1º de Maio de 1979.

No 1º de Maio de 80 eu não pude vir aqui, à missa, porque estava preso. Mas vocês fizeram a primeira missa, dentro desta igreja, no 1º de Maio e já completa 23 anos que todo santo 1º Maio, não tanta gente como tem agora, mas os mais fiéis, como eu, Frei Betto, os padres, o Vicentinho, o Marinho, todo ano a gente está aqui. Tenha pouca gente ou muita gente. Pode ter meia dúzia de pessoas você nem comparece aqui, Gilberto Carvalho, mas nós cá estamos fazendo o nosso 1º de Maio.

Na vida de um ser humano, acontecem muitas coisas que normalmente ele não prevê que vai acontecer. Eu, na minha vida, até a fundação do PT, quase tudo na minha vida aconteceu sem que eu esperasse que fosse acontecer. Aconteceu porque tinha que acontecer, porque, como eu acredito em Deus, eu penso que Deus fez acontecer.

Eu nunca, na minha vida, d. Cláudio, tinha pensado em ser dirigente sindical. Aliás, meu irmão mais velho me convidava para o sindicato e eu nunca aceitei vir ao sindicato, porque eu achava uma coisa tremendamente chata as discussões que, normalmente, eu não entendia. E eu vim ao sindicato em 1968, pela primeira vez. Houve uma briga no sindicato, não sei por que, mas houve uma briga. E por conta da briga eu passei, então, a gostar de vir e passei a freqüentar o sindicato.

Um ano depois eu era diretor do sindicato, três anos depois eu era presidente do sindicato, e eu lembro que em 1978, depois da primeira greve, era o meu segundo mandato no sindicato.

Eu disse para dona Marisa: "Dona Marisa, este será o meu último mandato. Eu aprovei, numa assembléia, que nenhum presidente poderia ficar mais que dois mandatos na Presidência." E eu falei: "Eu vou voltar para casa e vamos cuidar da nossa família."

Ou seja, de 78 até agora, d. Cláudio, já são 25 anos e eu voltei para casa. Ou seja, voltei em parte, em termos. Mas a verdade é que, cada vez mais, eu me "meti em encrenca." Até que fundamos o PT, e até que um conjunto de companheiros entendeu que este partido deveria ter candidato a presidente da República.

É importante lembrar que, em 1978, eu dizia para quem quisesse ouvir, que eu não gostava de política e tinha ódio de quem gostava de política. Isso, em 1978. Em 80 eu já estava fundando o PT, em 82 fui candidato a governador, em 89 a presidente, em 94 a presidente, em 98 a presidente. E graças à teimosia de vocês eu fui eleito presidente da República e cá estou.

Uma coisa muito importante que eu gostaria, pela relação de amizade que nós temos, há tantos e tantos anos, é que os meus companheiros trabalhadores, os desempregados, as mulheres aqui presentes, compreendessem o seguinte: a minha eleição é mais do que a eleição de um homem para presidir este país.

A minha eleição é a consumação de uma história em que eu sou apenas uma peça dessa história. Há muita gente, mas muita gente mesmo, que teve uma importância tremenda para fazer acontecer o que aconteceu no Brasil, e essa pessoa possivelmente esteja desempregada, e a gente não sabe que está desempregada.

Essa pessoa, possivelmente, esteja passando fome, a gente não sabe que está passando fome, ou muitos companheiros nossos metalúrgicos até já morreram sem que a gente saiba que eles tenham morrido. Por isso é que eu sempre faço questão de dizer: a minha chegada à Presidência da República é o resultado do crescimento da consciência política da classe trabalhadora brasileira. O mérito, portanto, não é pessoal do presidente ou do meu partido, que tem méritos, mas o mérito muito maior é de uma sociedade que acordou e que resolveu tomar para si a responsabilidade de governar o nosso país.

E eu, d. Cláudio, tenho, na minha cabeça, cada discurso que fiz na minha vida, eu tenho na minha cabeça cada compromisso que eu assumi em praça pública, eu tenho na minha cabeça programas de governo e eu tenho na minha cabeça, d. Cláudio, que, se falhar, quem falhou foi como um pedaço da história deste país e, possivelmente, iremos passar muitos anos para que a gente possa reconstruir a esperança que brotou no nosso país.

Eu não me esqueço nunca, e me marca profundamente, 1979. Aqui há muitos companheiros daquela época e nós tivemos, possivelmente, um dos melhores acordos que o sindicato já fez. E eu tinha preparado a categoria para uma guerra, não para uma greve. E qualquer que fosse a proposta que não fosse 100%, os companheiros achavam pouco.

Não sei se d. Cláudio está lembrado, foi a assembléia mais difícil da minha vida, em que cada vez que alguém tentava falar num acordo, tomava vaia dos trabalhadores. E eu consegui convencer os meus companheiros a aceitar o acordo, mas foi o ano mais difícil da minha vida, porque os trabalhadores aceitaram o acordo, mas voltaram para dentro da fábrica com a sensação de que eu tinha traído todos eles. Uma sensação que a greve deveria ir até as últimas conseqüências. Foi o ano mais duro da minha vida sindical.

No ano de 1980, eu pensei com meus botões, se os trabalhadores acham que podem levar a greve até o limite do impossível, vão levar. E vocês estão lembrados que, com 41 dias de greve, a greve terminou e eu estava preso ainda. E aquela greve foi a greve em que nós mais perdemos economicamente, foi a greve em que nós ganhamos absolutamente nada. E milhares de trabalhadores foram mandados embora. Entretanto, o ganho político que nós tivemos naquela greve, resultou na criação do PT, resultou na criação da CUT e resultou na chegada daquele líder do sindicato à Presidência da República.

Vocês podem ter a certeza de que nós temos consciência de cada compromisso assumido. Nós temos consciência de cada coisa que nós temos que fazer. Nós temos consciência do problema da moradia, nós temos consciência dos problemas deste país.

Hoje a gente não está lançando aqui a proposta do Primeiro Emprego. Não estamos lançando, porque nós queremos trabalhar melhor, para que, quando lançarmos, seja uma proposta que entre em execução imediatamente, porque, para nós, o emprego é uma obsessão.

Aquele jovem disse aqui e disse muito bem: se nós não dermos perspectiva de vida e de futuro para jovens de 17 ou 18 anos hoje, possivelmente amanhã eles sejam ocupantes de uma vaga na Febem, pagando por crimes que, muitas vezes, uma situação econômica perversa obrigou-o a se submeter.

Nós temos consciência de tudo isso, meu querido d. Cláudio e meus companheiros, e podem ficar certos de que a cada 1º de Maio eu estarei aqui, nesta igreja, neste mesmo horário, para, a cada ano, ir prestando contas das coisas que nós vamos fazer.

O que aconteceu ontem, neste país, possivelmente a História futura dará mais importância do que a história contemporânea. Porque, convencer 27 governadores de Estado a descerem comigo do Palácio do Planalto e olha que PT só tem 3 governadores e irmos levar as propostas de reforma ao Congresso Nacional que, numa véspera de feriado, costumeiramente está vazio, estava lotado com todos os deputados e senadores, foi um fato histórico fantástico.

Vocês estão lembrados que, quando ganhamos as eleições, algumas pessoas diziam: o dólar vai a 5 reais agora, o risco-Brasil vai para 10 mil pontos, o PT não vai conseguir controlar a economia.

Pois bem, d. Cláudio, ontem nós colocamos US$1 bilhão em títulos para vender no mercado externo. Apareceram US$ 6 bilhões para comprar, Suplicy, e nós vendemos os títulos pelo maior valor já vendido por um título brasileiro. Ou seja, conquistamos a credibilidade que precisávamos conquistar. E podem ficar certos de que, no momento certo, iremos fazer as mudanças que a política econômica exige que sejam feitas.

Tinha gente que achava que o dólar ia a R$ 5 e agora estão reclamando porque o dólar já está a R$ 2,91. E, Vicentinho, se prepare porque qualquer hora dessas eu entro no Congresso Nacional para lhe comunicar: "Vicentinho, o salário mínimo já vale cem dólares." Porque nós também não queremos que o dólar caia demais, porque também temos responsabilidade com as nossas exportações e precisamos que o dólar se mantenha numa certa estabilidade.

Mas pode ficar certo, meu companheiro d. Cláudio hummes, de que, a cada ano, eu pretendo vir aqui prestar contas, aos trabalhadores, das coisas que estamos fazendo no campo social. Porque se nós não fizermos, dificilmente aparecerá alguém para fazer, num curto espaço de tempo.

O que eu quero que todo mundo compreenda é que a nossa responsabilidade é infinitamente maior do que a de qualquer outro presidente em qualquer outro momento da história deste país. Exatamente porque eu não sou um homem que vim de cima para baixo, eu sou um homem que vocês fizeram brotar do chão da fábrica, entrar na política e virar presidente da República.

Eu, portanto, sei o que passa na cabeça de cada um de vocês, sei o sofrimento de um desempregado, porque já vivi a crise de 1965, vivendo 11 meses desempregado.

Então eu sei o que se passa na casa de um desempregado. E é por isso que eu não quero passar para história do Brasil como o presidente que será lembrado por que tem uma fotografia exposta no salão nobre do Palácio. Não. Eu quero ser lembrado como presidente da República, pelas políticas sociais que nós implementarmos neste país. Nessa mudança da qualidade de vida de homens e mulheres deste país. E, sobretudo, pela qualidade da educação e da saúde que a gente quer implantar neste país.

O nosso ministro da Educação, d. Cláudio, assumiu publicamente o compromisso de alfabetizar 20 milhões de pessoas analfabetas neste país. Não é qualquer coisa. E não é uma tarefa fácil. Se depender só do governo, certamente d. Cláudio, o governo não conseguirá fazer. Mas se o governo tiver a habilidade de envolver a sociedade brasileira para se tornar cúmplice do governo, eu não tenho dúvida de que a gente vai alfabetizar este país.

Da mesma forma que o Graziano e Oded Grajew que está aqui, que tem a responsabilidade maior pela implantação e pela execução do programa Fome Zero, podem ficar certos. É bem possível que, em quatro anos, a gente não consiga fazer tudo o que a gente se propôs a fazer. Mas eu duvido que em quatro anos alguém já terá feito, na História deste país, mais do que nós vamos fazer pelo povo pobre do Brasil.

É com esses compromissos, meu querido d. Cláudio, que eu participo desse 1º de Maio, reafirmando aqui parte dos discursos que o senhor já conhece, que eu fiz há muito tempo nesta igreja, para dizer a vocês, companheiros da Pastoral Operária, que podem ficar certos que todo 1º de Maio, às 9h da manhã, o presidente da República estará aqui para prestar contas do que estamos fazendo neste país.

Muito obrigado e que Deus abençoe todos nós."
 

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