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08/06/2003 - 06h27

Guerrilheiros desconfiaram de disfarce de jornalistas

da enviada especial da Folha de S.Paulo a San Felipe

Durante os dias em que esteve em contato com as Farc, a repórter Kátia Brasil fez um diário no qual registrou tensões e perigos da viagem. O principal medo era ser sequestrada ou ser recrutada à força pela guerrilha. A repórter-fotográfica Patrícia Santos recebeu quatro convites para se juntar às Farc. Leia trechos do diário:

24 de maio: depois de dois dias em São Gabriel da Cachoeira, partimos para uma viagem de quase 40 horas. Só o regateiro (comerciante) sabia que éramos jornalistas. Combinamos de dizer que éramos parentes distantes. No porão, estavam 40 t de mercadorias. Uma gata era o único animal no barco. Sua função: matar ratos.

25 de maio: às 10h30, avistamos a serra de Cucuí, que divide o Brasil da Venezuela. Às 22h (0h em Brasília), o regatão ancorou no porto de San Felipe. Estávamos dormindo e acordamos com um grito de um garimpeiro: "Eles querem ver vocês". Saímos e vi da proa um guerrilheiro armado me focando com uma lanterna.

26 de maio: acordamos às 6h. Dois guerrilheiros já estavam no regatão. Na madrugada, eles vistoriaram a embarcação. No café, servido no convés, conhecemos Tony, 29, e o subcomandante Horácio, o Pescadillo, 27, que foi logo perguntando de onde éramos e o que fazíamos em San Felipe. Dissemos que queríamos conhecer a cidade, pois estávamos de férias da universidade. Tony chamou uma guerrilheira. Era Érica, 15.

Com Érica, chegou outro guerrilheiro, Siriguayo. Os dois fizeram uma vistoria no nosso camarote. Ela ficou fascinada pelo discman de Patrícia, que a presenteou com batons e esmaltes. Saímos para uma volta na cidade com Tony e Érica e fizemos fotos deles.

Érica e Tony almoçaram conosco. A desconfiança continuava. Ao conversar sobre música, tivemos uma surpresa: Érica é fã do forrozeiro Frank Aguiar. Ela tirou o colete de munição e me pediu para lhe ensinar uma dança.

Um outro guerrilheiro, Ivan, chegou ao regatão. Ele é um miliciano das Farc que não usa farda. Monitora tudo o que acontece no lugar. Seria o responsável por negociar com o tráfico de drogas.

Às 19h, Tony e Érica nos levaram para dançar no bar Cotilitodance, onde os guerrilheiros se divertem tomando cerveja e dançando ao som de salsa. No bar, um deslize do irmão do regateiro quase nos comprometeu. Tony fez perguntas, e o rapaz disse que éramos de São Paulo e não sabia do parentesco.

27 de maio: foi uma noite de insônia. O regateiro conseguiu convencer o irmão sobre o nosso parentesco. Ivan chegou ao barco às 5h para interrogar o regateiro se éramos de SP. Ivan passou então a nos monitorar à espera de um vacilo. Dizia que conhecia São Paulo muito bem.

No final da manhã o clima ficou melhor. Érica apareceu no abrigo e pediu o discman de Patrícia de "regalo". Patrícia não tinha como discordar, precisávamos de mais fotos.

À tarde, Ivan voltou ao barco e nos convidou para ir à cidade venezuelana de San Carlos, do outro lado do rio Negro. Desconfiamos que ele queria que mostrássemos os documentos na fronteira.

No início da noite, o comandante Hugo chegou a San Felipe. À convite de Pescadillo, voltamos à Cotilitodance. Hugo nos olhou e deu um sorriso, mas não cumprimentou o regateiro, como de costume, segundo ele. De madrugada os guerrilheiros fizeram intensa guarda, como se aguardassem um ataque militar.

28 de maio: mais uma vez Ivan chegou ao nosso barco bem cedo. Não me sentia bem de saúde, mas não podia ir ao hospital porque pediriam meus documentos. Fiquei horas deitada na rede sob o olhar de Ivan, que trocava impressões do Brasil com Patrícia. Ele fez convites para que ela ingressasse na guerrilha.

29 de maio: o regateiro nos contou que na noite anterior, por volta das 23h, Ivan voltou ao regatão. Decidimos então partir, o que fizemos às 12h15.

 

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