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27/07/2003 - 05h00

MST constrói "universidade" de R$ 7 milhões

RAFAEL CARIELLO
da Folha de S.Paulo

"Não pise na grama." Na rua Poá, 1140, em Guararema (a 80 km de São Paulo), esse aviso fincado entre construções de arquitetura moderna vale mais que cerca de arame farpado.

Há três anos vem sendo erguido ao seu redor, em mutirão, o que virá a ser o principal centro de formação política e técnica do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).

Quando pronta, a área construída ocupará 6.000 dos 60 mil metros quadrados do terreno pertencente aos sem-terra. Já estão lá a casa principal, que sob um pé direito de cerca de 5 m abriga refeitório, cozinha industrial e escritório, e também quatro dos oito alojamentos com capacidade final para 400 alunos.

Além dos alojamentos restantes, começa a ser erguido o prédio da biblioteca _para 40 mil livros_, das salas de aula e dos laboratórios dessa "universidade", como o coordenador da obra, o sem-terra José Eduardo Gomes de Moraes, 35, disse que a Escola Nacional Florestan Fernandes poderá ser chamada.

O nome é uma homenagem ao sociólogo de origem pobre que foi mestre da geração de Fernando Henrique Cardoso na USP.

Segundo Wolfgang Hees, responsável da Caritas alemã (ONG católica) para a América Latina, o projeto está orçado em 2.219.860 euros, o equivalente, pelo câmbio de sexta-feira, a R$ 7.375.174,07.

A Caritas foi a responsável por enviar o projeto à União Européia, o principal financiador da obra (45,05% do total). A iniciativa da Caritas e o financiamento europeu são confirmados por Moraes. Ainda segundo Hees, a Caritas entra com 13,63% do valor total, a ONG francesa Frères des Hommes com 6,89% e o próprio MST com 34,43% (o equivalente a R$ 2.539.272,43).

O integrante da Caritas diz que os recursos da UE fazem parte de uma linha de financiamento para projetos de desenvolvimento. A Folha de S.Paulo procurou o MST pedindo informações sobre os custos da escola, mas não obteve resposta.

Migrantes

Faz parte da empreitada, com término previsto para 2005, Luiz Ribeiro, 32, que chegou em março do Paraná. Ele é um dos cerca de 800 sem-terra que já passaram pela escola, ajudando a levantá-la.

A cada 60 dias, uma nova "brigada" de cerca de 40 pessoas chega de um Estado diferente. Depois dos dois meses, quase todos esses sem-terra serão substituídos por uma nova leva, proveniente de outro Estado. A 20ª brigada trabalha agora em Guararema.

Moraes, o coordenador da obra, conta que após algumas substituições perceberam que seria mais produtivo se mantivessem também uma brigada permanente.

Muitos dos sem-terra que chegam não têm nenhuma experiência prévia em construção, e era preciso começar quase do zero a cada bimestre. Luiz Ribeiro, o paranaense, faz parte desse grupo permanente de 45 pessoas. "Perguntaram se eu queria ficar."

Quando veio, não deixou mulher nem filhos _"não tenho família, sou sozinho"_, mas um acampamento no norte do seu Estado. E se distanciou ainda mais de sua mãe, com quem morava antes de se juntar ao MST, que ficou em Guarapuava (PR).

Liga para ela do orelhão da rua. Diz que não pode ligar a qualquer hora do telefone da escola. A regra é usá-lo em casos de emergência.

Pelo que Luiz conta, a disciplina na escola é rígida, embora não pareça ter que ser imposta por ninguém. Ele diz receber uma ajuda de custo de R$ 10 por semana. Quem fuma, ele afirma, ganha um maço de cigarros a cada sete dias.

Recebem ainda pasta de dente e material de limpeza. Os sem-terra operários dormem na construção menos imponente do conjunto: uma casa de tijolos e madeira com beliches dispostos lado a lado.

Acordam às 6h, tomam café e vão trabalhar. Almoçam. Um grupo vai então ter aulas técnicas de construção enquanto os outros voltam para as pás de pedreiro, tijolos e cimento. À noite tomam banho, jantam e têm aulas de formação política.

São quase todos homens e saem pouco de lá. Pedro da Silva Santos, 23, deixou pai, mãe e seis irmãos em Sergipe, de onde saiu em janeiro. Tem namorada? "Tinha. Não sei se tenho mais."

Turismo ideológico

Além dos integrantes das brigadas, circulam pelas instalações e canteiros de obra gente do mundo todo. Na tarde da última terça-feira, a espanhola Irene Gonzales Contreras, 33, tomava um chá na biblioteca improvisada do sítio.

Ela é integrante da ONG Amarante, entidade de apoio ao MST na região da Galícia. Trouxe com ela outras três galegas. Irene, Araceli Varela, 27, Ana Torres Gonzales, 40, e Felisa Rodrigues, 35, ajudam nos trabalhos. Na manhã de quarta, fabricavam tijolos num galpão na parte baixa do terreno.

A técnica foi trazida aos sem-terra pela cooperativa responsável pela obra, a Integra, composta por ex-alunos da USP. Desenvolvem uma tecnologia de taipa moderna _combinação de cimento, argila e areia erguida diretamente em muros com uso de chapas metálicas_ e de tijolos BTC (bloco de terra comprimida). Os edifícios são construídos a partir da combinação das duas técnicas.

À noite, as meninas jogam damas com os sem-terra. Pedro, de Sergipe, vem de banho tomado esperar o jantar e fica sentado na varanda. Embora diga gostar do trabalho e reafirme a importância da obra, fala da saudade de casa. Em dezembro, promete, pega o ônibus de volta "para o Estado".
 

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